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Economia

Depois do WhatsApp, 'big techs' devem ser as próximas a mirar serviços de pagamento

Para os bancos, tendência é de perda de receitas, com menos repasses por meio de TED e DOC, dizem especialistas
BC libera transferência de dinheiro pelo WhatsApp Foto: Bloomberg
BC libera transferência de dinheiro pelo WhatsApp Foto: Bloomberg

SÃO PAULO, BRASÍLIA E RIO - A autorização do Banco Central (BC) para que transferências de recursos sejam feitas via WhatsApp deve ser apenas o primeiro passo para a entrada de outras big techs no mercado de serviços de pagamento no país, uma tendência que já ganha espaço no exterior.

WhatsApp: especialistas temem que serviço de transferência dê margem a novos golpes no app

Segundo especialistas, a tendência é que pagamentos por aplicativos ou por meio do Pix conquistem cada vez mais adeptos, reduzindo as receitas dos bancos com TEDs e DOCs, que em muitos casos ainda são serviços cobrados.

Ainda não há data para que a funcionalidade esteja disponível. O BC autorizou o WhatsApp a atuar como “iniciador de pagamentos” por meio de parcerias com Visa e Mastercard.

Isso permite o repasse de recursos entre pessoas sem que elas precisem acessar sites ou aplicativos de seus próprios bancos.

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Ainda está em análise pelo BC a possibilidade de fazer compras pelo WhatsApp. O aplicativo tem 130 milhões de usuários no país.

— A maior parte dos brasileiros usa o WhatsApp para se comunicar. Os bancos vão usar esses canais também. A instituição que não oferecer oWhatsApp como canal de transferência ficará de fora — avalia Marcelo Martins, diretor da Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs), que considera que dentro de um ano será possível fazer transações pelo Pix no WhatsApp.

Costume - A produtora Ana Nobre diz que será questão de perder o medo de usar Foto: Luiza Moraes / Agência O Globo
Costume - A produtora Ana Nobre diz que será questão de perder o medo de usar Foto: Luiza Moraes / Agência O Globo

Impacto nas tarifas

Na avaliação de Luis Miguel Santacreu, especialista em sistema financeiro da Austin Rating, dependendo da velocidade com que o serviço se popularizar no país, os bancos podem perder receita.

— Empresas como Amazon, Mercado Pago, WhatsApp poderão atuar dentro dessa nova arquitetura criada pelo BC, o que eleva a concorrência e tende a derrubar preços de tarifas pelas transferências — disse.

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Santacreu lembra que o início das transferências pelo Pix já teve algum impacto na receita dos bancos no balanço do quarto trimestre. Na apresentação de resultados, o Itaú reconheceu que houve impacto do novo sistema já que desde meados de novembro passou a não cobrar mais pela realização de TEDs e DOCs.

Claudio Bannwart, presidente da Check Point, empresa de cibersegurança, destaca que a operação não entrou em vigor e é preciso atenção.

— Neste primeiro momento, muita gente pode receber mensagens falsas do tipo “clique aqui e faça sua transferência pelo WhatsApp”. Esse é o risco imediato de fraude — afirmou, embora pondere que, por ser regulado pelo BC, será exigido aumento da segurança no sistema.

Ele continua:

— Mas certamente vamos ver novos golpes surgindo, pois atualmente o sequestro do número de WhatsApp já acontece.

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Essa é a preocupação da produtora de eventos Ana Nobre, de 35 anos. Com a chegada da pandemia, ela começou a vender cestas de café da manhã para segurar as contas da família e usa o aplicativo para se comunicar com os clientes.

Ela avalia que quando a compra pelo aplicativo for autorizada, vai ganhar agilidade nas transações, por não ter de sair do aplicativo para entrar no site do banco.

— No início ficarei com medo de golpe, mas, com todos usando, usaria também. É igual ao Pix, antes eu tinha medo. Hoje já faço.

Expectativa. Eliane Monsores teme pela segurança, mas espera usar no comércio Foto: Luiza Moraes/Agência O Globo
Expectativa. Eliane Monsores teme pela segurança, mas espera usar no comércio Foto: Luiza Moraes/Agência O Globo

Eliane Monsores, de 49 anos, dona de uma loja de acessórios e roupas femininas em Laranjeiras, faz avaliação similar, a principal vantagem para o comércio é ganhar tempo com o uso do aplicativo para atendimento e pagamentos. Ela já usa a versão comercial do WhatsApp.

— Como atualmente a gente usa várias plataformas, às vezes a venda fica demorada e trabalhosa. Se fosse tudo em um lugar só, seria mais fácil. Tenho meus receios, mas acredito que o WhatsApp e o Banco Central vão ter de criar maneiras de transmitir segurança para o uso — avalia.

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Um dos exemplos do que pode estar por vir é o iChat, aplicativo de mensagem chinês que se transformou em um chat bank , com mais de um bilhão de usuários. Nele é possível fazer transferências, pagar contas e obter empréstimos.

Já existem exemplos de fintechs como a Zro Bank que oferecem transferências entre contas da própria instituição, mas não para outros bancos. A estratégia é atrair clientes por meio de transferências gratuitas pelo Telegram.

Regulamentação igual

Para Tiago Severo, sócio do escritório Caputo, Bastos e Serra Advogados e especialista em direito bancário, a autorização do BC abre portas para novas fronteiras de competitividade no país, com as big techs oferecendo produtos e serviços financeiros:

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— A partir de agora, as big techs passam a integrar meios de pagamento e, em breve, veremos uma nova onda de competitividade, com moedas digitais de bancos centrais. Quem ganha é o usuário, que vê materializada a livre concorrência.

Em nota, a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) informou que a entidade e o setor financeiro veem com naturalidade a decisão do BC, que está “em linha com a visão de que a competição é a melhor ferramenta para estimular a inovação, aumentar os benefícios ao usuário e reduzir custos para a sociedade”.

A entidade ressalta a importância de que as regulamentações sejam iguais a todos os participantes do sistema financeiro. (*Estagiário, sob supervisão de Janaina Lage)