Exclusivo para Assinantes
Economia

‘É o alívio mais rápido’, diz economista sobre decisão de Trump de transferir dinheiro em massa nos EUA

Para Ioana Marinescu, da Universidade da Pensilvânia, programa é semelhante à renda mínima universal e ajudará contra o coronavírus
O presidente dos EUA, Donald Trump, está cercado por membros da força-tarefa de coronavírus (COVID-19) durante o briefing diário de coronavírus na Casa Branca em Washington. Foto: JONATHAN ERNST / REUTERS
O presidente dos EUA, Donald Trump, está cercado por membros da força-tarefa de coronavírus (COVID-19) durante o briefing diário de coronavírus na Casa Branca em Washington. Foto: JONATHAN ERNST / REUTERS

WASHINGTON - O governo americano anunciou nesta terça-feira que pretende implementar um programa de transferência de dinheiro em massa diretamente para as famílias americanas . O GLOBO conversou com a economista Ioana Marinescu, da Universidade da Pensilvânia e especialista em mercado de trabalho.

Ela explica como a política de renda mínima que pode ser adotada pelo governo Donald Trump pode ajudar a combater o coronavírus e quais as semelhanças e diferenças da proposta para o Bolsa Família brasileiro. Leia abaixo a entrevista.

Socorro: Pacote americano equivale a quase 5% do PIB e acalma mercados

A proposta de uma renda mínima para a população já vinha sendo discutida nos meios acadêmicos e políticos. Como na plataforma do então candidato pelo partido democrata Andrew Yang. A proposta apresentada pelo governo americano hoje é a da renda mínima universal como vinha sendo apresentada?

Não, temos que fazer uma distinção clara. Existem semelhanças: a semelhança é que isso é dinheiro sem condições. Portanto, não estamos pedindo nada às pessoas. Talvez o dinheiro seja enviado a todos ou a um subconjunto de pessoas que serão escolhidas de acordo com critérios, mas o ponto em comum é que é dinheiro incondicional.

Compartilhe por WhatsApp: Clique aqui e acesse um guia completo sobre  o coronavírus

A principal diferença é que este é um programa temporário, apesar de poder não ser tão temporário. A idéia é que eles têm em mente é manter algo enquanto a crise durar. Essa é a principal diferença, porque a proposta de Yang é uma transferência permanente de dinheiro. Então, estamos pensando nisso como uma forma de renda mínima, mas temporária.

Qual sua opinião sobre esse tipo de medida?

É realmente uma ótima idéia fazer isso agora. Já que há tantas pessoas impactadas, é difícil saber exatamente quem é impactado no momento. E, portanto, esta é a maneira mais rápida e simples de oferecer alívio para todos, sejam os trabalhadores que possam ter perdido o emprego, as pequenas empresas, os proprietários e os trabalhadores independentes. Todos estão realmente lutando no momento.

Guia: De viagens a investimentos, confira guia para lidar com a crise

Com todos esses atores, seria muito difícil desenhar um pacote detalhado e fazê-lo funcionar rapidamente. Portanto, em termos de obter algo rápido, isso ajudará muitas pessoas sem que ninguém seja deixado de lado. Esta é uma ótima idéia. E alguns dos efeitos colaterais adversos em potencial [da renda mínima clássica], não se aplicam ao momento. Nós realmente não precisamos nos preocupar com inflação, ou com possíveis efeitos adversos no mercado de trabalho.

A propósito, meu trabalho mostrou que, mesmo nas melhores épocas, não há muitos efeitos negativos (de uma renda mínima) no mercado de trabalho, mas, caso alguém se preocupe com isso, não acho que seja uma preocupação no momento.

Em 15 anos: Pandemias causam prejuízo de quase US$ 200 bilhões

Quais seriam esses potenciais efeitos negativos de uma renda mínima em um período normal?

Uma preocupação que as pessoas têm é que a renda mínima aumentaria os preços, e as evidências que temos até agora mostram que esse não é o caso. Mas não temos muitas evidências. No entanto, existem evidências de países em desenvolvimento que tiveram programas como esse e não houve muito efeito sobre os preços. Eu mesma, atualmente, estou trabalhando no Alasca. E até agora, os resultados preliminares não mostram muito efeito no preço.

Além disso, no momento, os preços não estão subindo, na verdade, vemos que o preço do petróleo está despencando, então não é, de modo geral, uma grande preocupação que tenhamos inflação no momento. A segunda coisa é no mercado de trabalho. As pessoas estão preocupadas com o fato de que é apenas dar dinheiro às pessoas por nada, e que elas parariam de trabalhar. Há muitas evidências disso a partir de políticas anteriores do tipo renda mínima que as pessoas fizeram em experimentos.

Economista de Harvard: Países têm de adotar estímulos para lidar com o coronavírus

O efeito no trabalho é muito pequeno ou inexistente, dependendo do caso. Mas, no momento, é ainda menos preocupante, porque a maioria das pessoas não podem trabalhar de qualquer maneira, e talvez nós não queiramos que elas trabalhem devido ao risco de infecção. Então, além disso, agora, não é algo com o qual realmente devamos nos preocupar.

Como esse tipo de política pode ajudar a combater o coronavírus?

Isso ajudaria a combater o coronavírus incentivando as pessoas a ficarem em casa, porque algumas pessoas, de fato, muitas pessoas neste país não têm licença médica no trabalho. Portanto, se você é um trabalhador que trabalha com remuneração por hora e não tem licença médica, se não vai trabalhar, não importa o risco de infecção, ficará sem renda. Portanto, esse pagamento permitiria que algumas pessoas decidissem parar de trabalhar temporariamente e, portanto, reduziria a propagação do vírus.

No Brasil: Estados pedem pacote de socorro ao Governo Federal. Veja a lista de pedidos

Você acredita que esse tipo de política poderia funcionar em outros países?

Sim. Mas é claro que é mais fácil para países que estão em uma posição forte em termos de dívida pública. No entanto, mesmo para outros países, não acho que, agora, a dívida pública seja uma preocupação tão grande. Mas é uma das preocupações, é claro, dependendo da posição em que o país está em relação a dívida pública. Em geral, acho que ainda é uma boa ideia para outros países, especialmente considerando novamente que este é um choque que se move de maneira muito rápida e negativa para a economia.

Levar algum dinheiro para as pessoas agora é muito importante, enquanto outras medidas podem levar muito mais tempo. Portanto, pode haver outras coisas que você queira fazer. Mas esta é uma coisa particularmente simples e eficaz a curto prazo que você pode aplicar agora, certificando-se de que as pessoas tenham um mínimo de segurança econômica. A questão chave agora é que muitas pessoas têm seus meios de sobrevivência ameaçados. E essa é a maneira mais rápida de resolver isso sem que ninguém seja deixado de lado.

Coronavírus : O que fazer no caso de diarista, cuidador e trabalhador doméstico? O caminho é a negociação

No Brasil, temos o Bolsa Família. Esse programa seria similar a ele?

O que estamos falando aqui nos EUA é provavelmente uma transferência muito mais difundida que não se limita a pessoas de baixa renda. Mas é mais amplo do que isso. Ainda não sabemos os detalhes exatos, se é literalmente para todo mundo ou pode haver algumas limitações sobre quem está recebendo.

Mas a principal diferença é que esses esquemas dos quais estamos falando, sobre distribuir dinheiro agora, tendem a ser mais amplos. Portanto, não é apenas para famílias de baixa renda, o que eu acho que é o Bolsa Família, mas para uma faixa muito mais ampla da população, se não literalmente para todos.

Com coronavírus: Reajuste de planos de saúde pode ser maior, dizem especialistas

E, novamente, não é apenas uma coisa rápida. Há pessoas que, talvez, em tempos normais estivessem bem, como consultores independentes ou algo assim. Eles normalmente estariam bem, mas agora também podem estar sofrendo com a perda de negócios. É por isso que as pessoas que normalmente não precisam de ajuda, talvez precisem agora. Pequenos empresários ou qualquer trabalhador independente que veja seus negócios secarem por causa dessa crise. É por isso que uma transferência como essa pode ser particularmente eficaz, pelo menos no curto prazo, como algo sobre o qual vale a pena se pensar.