Exclusivo para Assinantes

É mais fácil exonerar um ministro do que o presidente da Petrobras? Entenda

Lei das Estatais e estatuto da empresa têm travas para evitar ingerências políticas. Bento Albuquerque foi afastado do MME dois dias após reajuste do diesel
Sede da Petrobras: Lei das Estatais e estatuto da empresa têm travas para evitar ingerências políticas Foto: Sergio Moraes / Reuters

RIO - A exoneração de um ministro é uma medida mais simples do que a demissão do presidente da Petrobras. Para afastar Bento Albuquerque do ministério de Minas e Energia , bastou a Bolsonaro assinar a publicação do Diário Oficial da União. Afastar um executivo que comanda a estatal é algo bem mais complexo. A empresa está sujeita a diversas regulações e tem travas em seu próprio estatuto para evitar ingerências políticas.

Novo ministro: Quem é Adolfo Sachsida, novo ministro de Minas e Energia que enfrentará alta do preço do combustível

Míriam Leitão:  Bolsonaro tenta se livrar do ônus da alta do diesel

Parece, mas não é: Depois do McPicanha, veja produtos que têm nomes e embalagens que induzem consumidor ao erro: Trakinas, Alpino, leite Ninho

A Lei das Estatais, a política energética do país e a Lei das S.A. são alguns dos regramentos que a Petrobras precisa observar ao deteminar sua política de preços e a escolha de seus executivos, por exemplo. Demitir o presidente da empresa significa ter de colocar outro no lugar, e a nomeação deve atender uma série de critérios.

O Conselho de Administração da estatal e a diretoria da companhia são escolhidos em assembleia de acionistas, numa composição que soma indicações do governo, de acionistas e funcionários.

Todas elas, porém, devem passar pelo crivo do Comitê de Pessoas, que avalia a competência legal, profissional e de integridade dos indicados.

Cristiano Rocha Heckert, que comandava a Secretaria de Gestão, deixou o cargo em janeiro de 2022 para assumir como diretor-presidente da Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder Executivo (Funpresp-Exe) Foto: Divulgação
Gustavo José Guimarães e Souza também pediu demissão do cargo de secretário de Avaliação, Planejamento, Energia e Loteria (Secap) em janeiro de 2022 para ocupar uma função no Legislativo Foto: Divulgação/Ministério da Economia
O secretário especial de Tesouro e Orçamento, Bruno Funchal, pediu demissão em outubro de 2021 logo após o governo anunciar a criação do Auxílio Emergencial com parte dos pagamentos fora do teto de gastos, algo que ele sempre se disse contra Foto: Washington Costa / Ascom/ME
O secretário do Tesouro Nacional, Jeferson Bittencourt, pediu demissão em outubro de 2021 junto com o secretário especial Bruno Funchal, a quem sucedeu no cargo no mesmo ano Foto: Aílton de Freitas / 20-12-2013
Gildenora Batista Dantas Milhomem, secretária especial adjunta de Tesouro e Orçamento, também pediu exoneração de seu cargo junto com Funchal, em outubro de 2021, alegando razões pessoais, em meio à crise aberta pelo projeto do Auxílio Brasil com recursos fora do teto de gastos Foto: Ministério da Economia / Reprodução
O secretário-adjunto do Tesouro Nacional, Rafael Cavalcanti de Araujo, também pediu exoneração de seu cargo em outubro de 2021 após a debandada provocada pelo plano de financiar o programa social Auxílio Brasil fora do teto de gastos Foto: Hoana Gonçalves / Agência O Globo
Insatisfeito com o atraso no envio da reforma administrativa ao Congresso, Paulo Uebel deixou o cargo de Secretário especial de Desburocratização em agosto de 2020 Foto: Fátima Meira / Agência O Globo
Após a crise causada pela sanção do Orçamento de 2021, o ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciou a saída de Waldery Rodrigues do cargo de secretário especial da Fazenda, em 27 de abril, a pedido do secretário. O secretário informou que combinou a substituição em dezembro do ano anterior Foto: Ascom / Edu Andrade/ME
Na dança de cadeiras do Ministério da Economia, o secretário de Orçamento Federal, George Soares, também deixou o cargo. Foto: Agência Brasil
A advogada tributarista Vanessa Canado, assessora especial do Ministério da Economia voltada à reforma tributária, pediu demissão, mas não detalhou o motivo da saída Foto: Silvia Zamboni / Valor
Presidente do BB, André Brandão, entregou o cargo no dia 18 de março. Programa de reestruturação de Brandão desagradou ao presidente Bolsonaro Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil
O presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, deixa o cargo no dia 20 de março, após desagradar a Bolsonaro com reajustes de combustíveis. Ele foi indicado por Guedes Foto: AFP
Sem conseguir tirar do papel várias privatizações, Salim Mattar pediu demissão do cargo de secretário de Desestatização do Ministério da Economia em agosto de 2020 Foto: Amanda Perobelli / Reuters
Rubem Novaes pediu demissão da presidência do Banco do Brasil em julho de 2020, após queixas sobre pressão política sobre o banco, cuja privatização chegou a defender Foto: Claudio Belli / Valor/14-2-2019
Ex-ministro da Fazenda no governo Dilma, Joaquim Levy só ficou no cargo de presidente do BNDES até junho de 2019, após críticas públicas de Bolsonaro, que queria abrir a "caixa preta" do banco Foto: Marcos Corrêa / PR/13-06-2019
Nome forte das contas públicas e um dos criadores do teto de gastos, Mansueto Almeida deixou o comando do Tesouro Nacional e foi para o BTG Foto: Adriano Machado / Reuters
Marcos Cintra deixou a chefia da Receita Federal após insistir na defesa de um imposto sobre transações financeiras, nos moldes da antiga CPMF. Uma ideia fixa de Guedes Foto: Leo Pinheiro / Valor/2016
O economista Marcos Troyjo trocou o cargo de Secretário especial de Comércio Exterior pela presidência do New Development Bank, conhecido como o Banco dos Brics, por indicação do governo brasileiro Foto: Carlos Ivan / Agência O Globo 23-10-2012
Caio Megale deixou o cargo de diretor na Secretaria Especial de Fazenda em julho de 2020. Recentemente foi anunciado como novo economista-chefe da XP Investimentos Foto: Washington Costa / SEPEC/ME/15/01/2019
O secretário especial de Produtividade e Competitividade, Carlos da Costa, deixará o cargo para assumir o posto de adido de comércio em Washington Foto: Agência O Globo
O secretário da Receita Federal, José Tostes, deixará o país. Ele será adido do governo na OCDE, em Paris Foto: Edu Andrade / Ministério da Economia
Jair Bolsonaro decide demitir o presidente da Petrobras, Joaquim Silva e Luna, segundo integrantes do governo, em meio à pressão por conta do aumento no preço dos combustíveis, e depois de críticas feitas pelo governo e pelo Congresso à estatal Foto: Antônio Cruz / Agência Brasil

Homem de confiança de Bento

Num episódio recente, tanto o consultor Adriano Pires como Rodolfo Landim, indicados por Bolsonaro para assumir, respectivamente, a presidência executiva da companhia e a presidência do Conselho, desistiram devido a conflitos de interesse com o setor privado. Nenhum dos dois seria aprovado pelo Comitê de Pessoas.

Lauro Jardim:  Sachsida no Ministério de Minas e Energia reforça poder de Guedes

Brasduto: Setor elétrico teme aumento na conta de luz com projeto articulado pelo Centrão que destina recursos a gasodutos

Pires substituiria Joaquim Silva e Luna, demitido após desgaste com Bolsonaro devido ao reajuste do diesel e da gasolina. Quem acabou substituindo o general foi José Mauro Ferreira Coelho, ex-secretário de Petróleo , Gás Natural e Biocombustíveis do MME e homem de confiança de Bento.

Ele tomou posse em 14 de abril e, menos de um mês depois, a Petrobras anunciou a alta de quase 9% do diesel , causando reação entre caminhoneiros - segmento apoiador de Bolsonaro - e expectativas de alta da inflação, o que afeta as chances de reeleição do presidente da República.

Reação do mercado

Tirar Ferreira Coelho da estatal, como foi feito com os dois primeiros presidentes da empresa na gestão Bolsonaro, exigiria um novo e complexo processo de escolha para a presidência da empresa, além de pesar negativamente no mercado. 

Em Portugal: Turismo do Algarve precisa de três mil trabalhadores e faz apelo aos brasileiros

Economia em casa:   O que é mais barato, cozinhar usando gás ou eletricidade?

Além da Lei das Estatais, que começou a vigorar em 2016, após a Operação Lava-Jato e trouxe uma nova referência em administração de empresas públicas, o estatuto da Petrobras foi revisto, tendo passado por novos ajustes no fim de novembro.

José Mauro Ferreira Coelho está há pouco mais de um mês na presidência da Petrobras e será substituído Foto: Saulo Cruz / Agência O Globo

 

Ele prevê que, se a União decidir por uma operação focada em atender o interesse público, os projetos devem ser avaliados, ter impactos técnicos e econômicos mensurados.

E, caso não seja compatível às condições de mercado adequadas ao setor privado, a estatal tem de garantir a compensação da diferença gerada pelo que ela está praticando e a realidade do mercado a cada exercício fiscal.

Risco de racionamento: Gestão de Bento foi marcada por crise hídrica e disparada nos preços dos combustíveis

A ideia é evitar prejuízos à empresa com controle de preços ou investimento em projetos não rentáveis, por exemplo. Por isso, a Petrobras reajustou o diesel na última segunda-feira. Bento foi afastado dois dias depois.

Como é composto o comando da Petrobras:

  • O Conselho de Administração da Petrobras deve ter entre sete e 11 membros, eleitos em assembleia de acionistas da companhia. A próxima será em 13 de abril. Ao menos 40% deles devem ser independentes, ou seja, não terem vínculo com a estatal. As exceções são o membro escolhido como presidente do board e o membro eleito pelos empregados da petroleira.
  • Para atender a essa exigência de membros independentes, a União escolhe seus indicados a partir de uma lista tríplice elaborada por uma empresa especializada. Lembrando que todo e qualquer membro do Conselho ou da diretoria executiva passa pela avaliação do Comitê de Pessoas.
  • Os acionistas minoritários têm direito a eleger um representante no Conselho, assim como os detentores de ações preferenciais somando em conjunto ao menos 10% do capital social da Petrobras. Outro entra por voto dos funcionários.

  • A União pode indicar a soma desses indicados mais um. 

  • A diretoria executiva, incluindo o presidente da companhia, também é escolhida em assembleia de acionistas. 

  • Entre as exigências dos executivos indicados aos cargos como membros independentes estão não ter vínculo com a estatal ou empresa estatal do mesmo conglomerado, não ter vínculo familiar com o presidente, ministros ou de administrador da Petrobras ou outra vinculada a ela.

  • Do ponto de vista legal, os indicados não podem ter processos judiciais ou administrativos com decisão desfavorável a eles, além dependências comerciais ou financeiras, por exemplo.