RIO — Frustrando a previsão da maior parte dos analistas, a economia brasileira parou no segundo trimestre. O Produto Interno Bruto (conjunto de bens e serviços produzidos pelo país) recuou 0,1% entre abril e junho, informou nesta quarta-feira o IBGE - as estimativas eram de uma ligeira alta, de 0,2%.
E o consumo das famílias, principal motor do PIB, ficou estagnado, após três trimestres seguidos de alta e mesmo em meio à reabertura da economia com o avanço da vacinação. A alta da inflação e dos juros e o desemprego ainda elevado explicam esse freio no consumo, que está num patamar 3% abaixo de antes da pandemia .
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Ainda assim, a economia acumula crescimento de 6,4% no primeiro semestre. Mas, e agora, como será o crescimento daqui para a frente?
Economistas preveem uma expansão mais acelerada do PIB no segundo semestre, com a vacinação ganhando tração no país. E também graças ao bom momento do cenário internacional, com a alta das commodities ajudando a economia brasileira.
Mas a crise institucional, o desequilíbrio nas contas públicas, a alta ainda maior da inflação e o temor de um racionamento de energia são os riscos no horizonte.
Após a divulgação do IBGE, alguns economistas já começaram a refazer contas. O Goldman Sachs, que previa alta de 5,4% do PIB este ano, agora estima só 4,9%.
Para 2022, alguns analistas já preveem alta de apenas 1,5%.
Veja, abaixo, os principais fatores a influenciar o crescimento brasileiro nos próximos meses.
Os fatores a favor do crescimento
Reabertura da economia
Os serviços já mostraram reação no primeiro semestre. Pelos dados do PIB, cresceram 4,7%. O setor tem forte peso na economia brasileira, respondendo por mais de 70% do PIB.
E a tendência é que a vacinação permita a abertura mais disseminada do comércio e serviços voltados às famílias, como restaurantes, shoppings, academias, cinemas, mesmo que a variante Delta ainda imponha distanciamento social e se evitem aglomerações.
Ciclo de commodities
Como nos anos 2000, a economia cresceu também movida ao aumento dos preços das commodities, agrícolas e metálicas, principais produtos de exportação brasileiros. Apesar de a seca ter derrubado a agropecuária no segundo trimestre, no acumulado do ano o setor ainda acumula alta de, 3,3%. E é um dos principais motores para o avanço de 7,8% nas exportações brasileiras no período.
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O Brasil é um dos principais exportadores globais de soja, carne e minério de ferro. No segundo trimestre, a produção de soja cresceu 9,8% em relação ao mesmo período do ano passado. A indústria extrativa teve avanço de 7%, puxada pelo minério de ferro.
Construção civil
Os juros baixos, mesmo com a alta recente da Taxa Selic, de 2% para 5,25% ao ano , ajudaram a dar um impulso no setor imobiliário, puxando a construção civil residencial.
O setor voltou a contratar no segundo trimestre, quando, segundo dados do PIB, a construção civil avançou 13,1% em relação ao mesmo período do ano passado.
Tecnologia
No setor de serviços, a tecnologia avança e continua a puxar a economia. No segundo trimestre, enquanto o PIB teve contração de 0,1% em relação aos três primeiros meses do ano, o setor de informação e comunicação avançou 5,6%, na maior alta entre os diferentes segmentos da economia.
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deve fazer o setor continuar em franca expansão nos proximos meses.
Os fatores contra o crescimento
Instabilidade política
No último mês, a instabilidade política, com o presidente Jair Bolsonaro pedindo o i mpeachment do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, o que foi arquivado pelo Senado, aumentou sensivelmente.
Essa instabilidade contaminou os indicadores financeiros, o dólar subiu e chegou a R$ 5,42, apesar de ter ficado mais barato no fim do mês passado, fechando em R$ 5,17, numa melhora puxada pelo cenário externo.
Outro sinal de descompasso é o juro do título da dívida pública de 2026, que está perto de 10% . Com o mau humor nos mercados, a Bolsa de Valores fechou em queda pelo segundo mês seguido em agosto.
A antecipação da campanha eleitoral, com anúncio de parcelamento de dívidas da União determinadas pela Justiça, os precatórios , para caber o novo programa social que será vitrine do governo Bolsonaro em ano eleitoral, trouxe temor que a situação fiscal se deteriore.
Crise hídrica
Nesta terça-feira, o Itaú dobrou a possibilidade de haver racionamento . Acredita que há risco de 10% de ocorrer redução imposta de energia, com as famílias e empresas tendo que reduzir de forma compulsória o consumo de energia.
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Essa situação afeta diretamente o PIB: as famílias consomem menos e as empresas produzem menos.
Nas contas do banco, cada 1 ponto percentual de queda no consumo, o PIB recua 0,2 ponto percentual. Considerando que os efeitos podem ser mais fortes em 2022, o PIB poderia ficar muito perto de 1%. De 2% não passa, pelo menos, é o que calcula a média dos analistas de mercado e bancos.
Variante Delta
A variante Delta esfriou a recuperação global. Os países em plena abertura foram obrigados a fechar as portas novamente, com uma versão do vírus muito mais contagiosa. A expectativa de crescimento global pode cair de 6% para 5,5%, o que afeta o Brasil.
China, Estados Unidos estão voltando a se fechar, por causa da variante. Em meados de agosto, o país asiático fechou o porto por causa da Covid-19 e causou engarrafamentos de centenas de navios.
Inflação
O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA-15) já acumulou 9,3% em 12 meses . A taxa que serve referência para o sistema de metas de inflação se afasta perigosamente do teto da meta de 5,25%.
Há pressões inflacionárias de todos os lados. Na energia, que já subiu 20,9% este ano e vai subir mais com o reajuste da bandeira tarifária vermelha para R$ 14,20 a cada cem quilowatts-hora (kWh) consumidos, aumentando em média a conta de luz em 6,78% em setembro.
Os alimentos também estão subindo, a seca está provocando quebra de safra de produtos importantes, como feijão e arroz, além da alta da carne. O pasto seco exige mais gasto com ração.
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Os preços em alta reduzem os gastos das famílias, principal motor do PIB, respondendo por mais de 60% da geração de riqueza no país. No segundo trimestre deste ano, o consumo das famílias ficou estagnado, segundo os dados do PIB do IBGE.