Economia

Eficiência maior do Bolsa Família não resolve e é preciso gastar mais para reduzir pobreza, diz Ipea

Estudo simula três modelos de ampliação do atual programa transferência de renda e discute possibilidades de financiamento
RI Rio de Janeiro, RJ 06/04/2021 PANDEMIA CORONAVÍRUS - FOME - Com a crise econômica que se agravou em função da pandemia, hoje quase metade da população vive uma situação de insegurança alimentar. Distribuição de refeições no Centro do Rio gera aglomeração, com centenas de pessoas em busca de alimento. Foto Guito Moreto / Agência O Globo Foto: Guito Moreto / Agência O Globo
RI Rio de Janeiro, RJ 06/04/2021 PANDEMIA CORONAVÍRUS - FOME - Com a crise econômica que se agravou em função da pandemia, hoje quase metade da população vive uma situação de insegurança alimentar. Distribuição de refeições no Centro do Rio gera aglomeração, com centenas de pessoas em busca de alimento. Foto Guito Moreto / Agência O Globo Foto: Guito Moreto / Agência O Globo

RIO - Melhorar a eficiência do Bolsa Família não basta para reduzir a pobreza e a desigualdade. É preciso gastar mais e ampliar a cobertura do programa de transferência de renda. É o que aponta o estudo “A reformulação das transferências de renda no Brasil: simulações e desafios”, publicado nesta sexta-feira pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

O trabalho simula os efeitos sobre a desigualdade e redução de pobreza a partir de três modelos de programas sociais: um focalizado, pago aos mais pobres, semelhante ao Bolsa Família; um universal, pago indistintamente a todos os brasileiros; e um híbrido, com um componente pago universalmente às crianças e adolescentes de até 18 anos e um componente focalizado, pago aos mais pobres acima dessa idade.

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Os três modelos consideram três tamanhos de orçamento. O primeiro corresponde a R$ 58 bilhões por ano, valor que representaria neutralidade fiscal - já que os recursos poderiam ser obtidos pelo rearranjo de benefícios já existentes, como Bolsa Família, abono salarial, e dedução por dependente do Imposto de Renda.

Já o segundo corresponde a R$ 120 bilhões por ano e o terceiro a R$ 180 bilhões por ano, valor compatível com as despesas de países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Como resultado, o estudo identificou que, em todas as simulações, a cobertura do programa social se amplia frente à atual. No cenário mais restrito (com benefício focalizado e gasto de R$ 58 bilhões por ano), passam a ser atendidas 26 milhões de famílias, frente às 14 milhões do BF contempladas hoje.

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Renda básica é alternativa menos efetiva

No que se refere ao combate à pobreza e desigualdade, porém, o estudo mostra que os modelos focalizado e híbrido tendem a apresentar resultados mais efetivos. Segundo cálculo do estudo, seria preciso gastar R$ 120 bilhões em benefício universal para se alcançar o mesmo efeito redistributivo obtido pelo focalizado, com menos da metade deste valor.

— A transferência universal só começa a dar resultados marginalmente melhores do que o Bolsa Família quando há um orçamento de R$ 180 bilhões. Mas, se esse mesmo valor fosse aplicado no modelo focalizado ou híbrido, a pobreza considerada extrema praticamente acabaria — explica o pesquisador Luis Henrique Paiva, um dos autores do estudo.

O estudo aponta que o índice de Gini, que mede a desigualdade, pode cair 1,3% no modelo focalizado e 0,8% no modelo híbrido apenas com o orçamento de R$ 58 bilhões decorrentes do remanejamento dos recursos já existentes.

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Acontece que, para se ter um ganho mais significativo na redução da pobreza e desigualdade, é preciso maior orçamento, explica Paiva:

— Se unificarmos todos os programas sociais, saltando o orçamento do Bolsa Família atual de R$ 35 bilhões para R$ 58 bilhões, há uma melhora modesta. Mas não adianta nutrir uma expectativa muito grande de que os impactos serão gigantescos porque eles só virão se tivermos orçamentos maiores — diz o pesquisador.

No cenário de R$ 120 bilhões de orçamento, o modelo focalizado faz a desigualdade reduzir quase 5%, enquanto no modelo híbrido a redução é de 3,5% e o modelo universal 1,5%.

Melhorar focalização do Bolsa Família não basta, diz pesquisador

Diante do impacto do maior orçamento na redução da desigualdade, pesquisadores do Ipea apontam que a discussão sobre ganho de eficiência precisa ser feita com ressalva. Somente melhorar a focalização de políticas públicas não basta, diz Paiva:

— O Bolsa Família já é um dos programas mais bem focalizados da América Latina e um dos mais equilibrados para combinar baixos erros de exclusão e inclusão. Como fazer para ele dar um salto de focalização? Não tem muito pra onde ir.

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Além de traçar custos e propor modelos de transferência de renda, os especialistas também destacam a importância das práticas associadas à operacionalização de um novo programa.

Segundo o estudo, a migração para um modelo de cadastramento virtual pode representar uma barreira de acesso aos mais vulneráveis, aumentar os erros de medida e ainda desmobilizar a articulação interfederativa de assistência social.

Financiamento

Em meio às restrições orçamentárias, os pesquisadores apontaram a possibilidade de viabilizar a ampliação das transferências a partir de proposta da reforma tributária em análise no Congresso Nacional.

O texto prevê, além da criação do denominado Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), um mecanismo de transferência de renda para os mais pobres, como compensação pelo fim gradual dos benefícios fiscais existentes.

“O financiamento poderia então combinar o IBS com medidas para aumentar as alíquotas efetivas do imposto de renda dos mais ricos, reduzir o espaço para o planejamento tributário e tributar patrimônio em níveis compatíveis com o observado em outros países”, propõem os pesquisadores no estudo.