RIO - Melhorar a eficiência do Bolsa Família não basta para reduzir a pobreza e a desigualdade. É preciso gastar mais e ampliar a cobertura do programa de transferência de renda. É o que aponta o estudo “A reformulação das transferências de renda no Brasil: simulações e desafios”, publicado nesta sexta-feira pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
O trabalho simula os efeitos sobre a desigualdade e redução de pobreza a partir de três modelos de programas sociais: um focalizado, pago aos mais pobres, semelhante ao Bolsa Família; um universal, pago indistintamente a todos os brasileiros; e um híbrido, com um componente pago universalmente às crianças e adolescentes de até 18 anos e um componente focalizado, pago aos mais pobres acima dessa idade.
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Os três modelos consideram três tamanhos de orçamento. O primeiro corresponde a R$ 58 bilhões por ano, valor que representaria neutralidade fiscal - já que os recursos poderiam ser obtidos pelo rearranjo de benefícios já existentes, como Bolsa Família, abono salarial, e dedução por dependente do Imposto de Renda.
Já o segundo corresponde a R$ 120 bilhões por ano e o terceiro a R$ 180 bilhões por ano, valor compatível com as despesas de países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Como resultado, o estudo identificou que, em todas as simulações, a cobertura do programa social se amplia frente à atual. No cenário mais restrito (com benefício focalizado e gasto de R$ 58 bilhões por ano), passam a ser atendidas 26 milhões de famílias, frente às 14 milhões do BF contempladas hoje.
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Renda básica é alternativa menos efetiva
No que se refere ao combate à pobreza e desigualdade, porém, o estudo mostra que os modelos focalizado e híbrido tendem a apresentar resultados mais efetivos. Segundo cálculo do estudo, seria preciso gastar R$ 120 bilhões em benefício universal para se alcançar o mesmo efeito redistributivo obtido pelo focalizado, com menos da metade deste valor.
— A transferência universal só começa a dar resultados marginalmente melhores do que o Bolsa Família quando há um orçamento de R$ 180 bilhões. Mas, se esse mesmo valor fosse aplicado no modelo focalizado ou híbrido, a pobreza considerada extrema praticamente acabaria — explica o pesquisador Luis Henrique Paiva, um dos autores do estudo.
O estudo aponta que o índice de Gini, que mede a desigualdade, pode cair 1,3% no modelo focalizado e 0,8% no modelo híbrido apenas com o orçamento de R$ 58 bilhões decorrentes do remanejamento dos recursos já existentes.
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Acontece que, para se ter um ganho mais significativo na redução da pobreza e desigualdade, é preciso maior orçamento, explica Paiva:
— Se unificarmos todos os programas sociais, saltando o orçamento do Bolsa Família atual de R$ 35 bilhões para R$ 58 bilhões, há uma melhora modesta. Mas não adianta nutrir uma expectativa muito grande de que os impactos serão gigantescos porque eles só virão se tivermos orçamentos maiores — diz o pesquisador.
No cenário de R$ 120 bilhões de orçamento, o modelo focalizado faz a desigualdade reduzir quase 5%, enquanto no modelo híbrido a redução é de 3,5% e o modelo universal 1,5%.
Melhorar focalização do Bolsa Família não basta, diz pesquisador
Diante do impacto do maior orçamento na redução da desigualdade, pesquisadores do Ipea apontam que a discussão sobre ganho de eficiência precisa ser feita com ressalva. Somente melhorar a focalização de políticas públicas não basta, diz Paiva:
— O Bolsa Família já é um dos programas mais bem focalizados da América Latina e um dos mais equilibrados para combinar baixos erros de exclusão e inclusão. Como fazer para ele dar um salto de focalização? Não tem muito pra onde ir.
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Além de traçar custos e propor modelos de transferência de renda, os especialistas também destacam a importância das práticas associadas à operacionalização de um novo programa.
Segundo o estudo, a migração para um modelo de cadastramento virtual pode representar uma barreira de acesso aos mais vulneráveis, aumentar os erros de medida e ainda desmobilizar a articulação interfederativa de assistência social.
Financiamento
Em meio às restrições orçamentárias, os pesquisadores apontaram a possibilidade de viabilizar a ampliação das transferências a partir de proposta da reforma tributária em análise no Congresso Nacional.
O texto prevê, além da criação do denominado Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), um mecanismo de transferência de renda para os mais pobres, como compensação pelo fim gradual dos benefícios fiscais existentes.
“O financiamento poderia então combinar o IBS com medidas para aumentar as alíquotas efetivas do imposto de renda dos mais ricos, reduzir o espaço para o planejamento tributário e tributar patrimônio em níveis compatíveis com o observado em outros países”, propõem os pesquisadores no estudo.