BRASÍLIA — Relator da medida provisória (MP) que trata da privatização da Eletrobras, o deputado Elmar Nascimento (DEM-BA) avalia mudar completamente o modelo proposto pelo governo para a venda da estatal, o que assustou o mercado financeiro e investidores interessados na proposta.
Técnicos dos ministérios da Economia e de Minas e Energia alertam que a adoção de um novo formato pode adiar a privatização para depois de 2022.
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Nascimento teve uma série de reuniões nos últimos dias com gestores, investidores e integrantes da equipe econômica. Nos encontros, todos reservados, o deputado disse que iria propor um modelo alternativo. Uma das ideias dele é fatiar a estatal ou vendê-la inteira para um só comprador ou para um grupo de compradores.
Depois da sinalização, o governo correu para tentar convencer o deputado a manter a proposta original.
A proposta do relator vai contra o modelo que vem sendo negociado desde 2018, ainda durante o governo Michel Temer. A MP propõe uma capitalização na Bolsa de Valores como forma de a União perder o controle da estatal. A empresa seria transformada numa corporação sem controlador definido.
Esse é o modelo de administração de grandes empresas de energia no mundo.
Divisão em duas
De todo o dinheiro arrecadado com a capitalização, cerca de R$ 25 bilhões ficariam nos cofres do Tesouro; outros R$ 25 bilhões seriam destinados para reduzir as contas de luz; e R$ 8,75 bilhões iriam para projetos de revitalização de bacias hidrográficas por uma década.
A transferência de recursos durante dez anos para a Amazônia, o Rio São Francisco e para rios sob a influência de Furnas (subsidiária da Eletrobras com forte atuação em Minas Gerais) foi negociada pelo governo durante meses para garantir o apoio de deputados do Norte, Nordeste e de Minas Gerais à privatização.
Nas conversas com os investidores, o deputado Elmar Nascimento tem falado em dividir a empresa em duas. Uma parte permaneceria como estatal e reuniria a hidrelétrica Itaipu, na divisa com o Paraguai, e as usinas nucleares localizadas em Angra dos Reis — em ambos os casos, as usinas não podem ser privatizadas.
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A outra parte seria composta por subsidiárias como Furnas, Eletronorte e Chesf. Elas seriam vendidas juntas ou separadas, o que ainda não estaria definido.
Nos encontros, Nascimento tem falado em números muito maiores do que os apontados pelo governo, na casa de centenas de bilhões, com a venda de ativos para “investidores estratégicos”.
O mercado avalia que esse montante não é realista e que a empresa perderia valor com o fatiamento. Também foi destacado que a Eletrobras é uma holding de capital aberto e retirar ativos dessa empresa vai reduzir o seu valor e afastar investidores.
Os investidores têm ressaltado que o modelo do governo é discutido há mais de dois anos e uma mudança brusca agora faria atrasar ainda mais o processo. Um gestor levantou o temor de o modelo proposto não ser assimilado pelos deputados e senadores.
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Sobre isso, Nascimento respondeu nas reuniões que precisaria obter um acordo com os parlamentares e que poderia levar o modelo para análise do presidente Jair Bolsonaro.
Controle de mercado
Para o professor da UFRJ Nivalde de Castro, apenas investidores chineses teriam dinheiro e interesse em comprar a empresa unificada. Além disso, ele afirma que seria arriscado vender a empresa em bloco para um só comprador:
— O problema é que a Eletrobras tem um peso muito grande na transmissão e na geração de energia. Ter uma empresa desse tamanho privatizada para um só comprador pode criar um problema de controle de mercado. Vender em bloco é praticamente passar para chinês. Seria o único com recurso e visão de investimentos de longo prazo.
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Os ministérios da Economia e de Minas e Energia (MME) têm trabalhado para concluir o processo em 2022. Reservadamente, técnicos das duas pastas avaliam que uma mudança no modelo poderia empurrar a privatização para depois de 2022.
Além disso, o BNDES já está tocando os estudos para a capitalização da Eletrobras com base no modelo da MP. Uma mudança agora iria obrigar uma nova análise por parte do banco.
Os técnicos também ressaltam que o fatiamento tira valor da empresa e que seria muito difícil encontrar compradores para cada empresa separadamente. Além disso, vender fatiado poderia abrir espaço para um determinado país comprar uma operação como Furnas — argumento que costuma sensibilizar políticos.
Procurado, o MME disse que está “conversando e esclarecendo todas as dúvidas do relator”. O Ministério da Economia não respondeu.
As movimentações do deputado vinham ocorrendo num momento em que a Eletrobras tinha um comando interino, após a renúncia de Wilson Ferreira. O novo presidente foi anunciado nesta quinta-feira: será o atual secretário de Energia Elétrica do Ministério de Minas e Energia , Rodrigo Limp.
As diferenças entre os projetos de venda
Modelo de venda
Proposta do governo: Capitalização com diluição da participação do governo a menos de 50%. A empresa seria transformada numa corporação sem controlador definido.
Proposta do relator: Venda da empresa inteira ou por subsidiárias separadamente, sem capitalização.
Arrecadação
Proposta do governo: Do dinheiro arrecadado com a capitalização, cerca de R$ 25 bilhões ficariam nos cofres do Tesouro; outros R$ 25 bilhões seriam destinados para reduzir as contas de luz; e mais R$ 8 bilhões iriam para projetos de revitalização de bacias hidrográficas por uma década.
Proposta do relator: “Centenas de bilhões”, nas palavras do deputado Elmar Nascimento (DEM-BA), ou mais de R$ 150 bilhões.
Participação da União
Proposta do governo: O projeto entregue ao Congresso prevê que a União ainda ficaria com uma fatia de cerca de 40% na empresa após a capitalização.
Proposta do relator: Não prevê que o governo mantenha participação na empresa, ou seja, ela seria vendida integralmente, o que explica a arrecadação maior.
Prazo
Proposta do governo: Operação concluída em fevereiro de 2022.
Proposta do relator: Não há prazo. Investidores temem que fique para 2023.