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Economia

Embaixador dos EUA alerta que se Brasil permitir chinesa Huawei no 5G enfrentará 'consequências'

Todd Chapman sugere que empresas americanas poderiam deixar de investir no país, por temer que seus segredos de propriedade intelectual não sejam protegidos
Embaixador dos EUA, Todd Crawford Chapman, diz que seleção de fornecedor 5G não é questão comercial Foto: Agência O Globo
Embaixador dos EUA, Todd Crawford Chapman, diz que seleção de fornecedor 5G não é questão comercial Foto: Agência O Globo

RIO — O embaixador dos Estados Unidos, Todd Chapman, disse que “haverá consequências” para o Brasil caso o país permita que a gigante chinesa de tecnologia Huawei forneça equipamentos para a rede 5G, cujo leilão está previsto para 2021.

Ele sugeriu que empresas americanas poderiam deixar de investir no Brasil, por temer que seus segredos de propriedade intelectual não estejam protegidos.

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Chapman disse que está em negociações intensas para fechar um acordo de facilitação de comércio com o Brasil, menosprezou os investimentos chineses no país e citou os anúncios feitos por companhias dos EUA nas últimas duas semanas, como a oferta da Digital Colony pela Oi.

No que alguns especialistas chamam de “nova guerra fria”, os EUA estão em uma ofensiva global contra o avanço da China, a segunda maior economia do mundo, em especial na área tecnológica.

Depois de impor restrições à Huawei, como a proibição de compra de componentes fabricados por empresas americanas, os EUA pressionam seus aliados a impedir que a companhia entre em suas redes 5G.

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Os chineses negam que pretendam usar a empresa, que é privada, para espionagem. Na semana passada, o cônsul chinês no Rio, Li Yang, disse que os EUA estão contra a Huawei porque ficaram para trás no setor , no qual as demais companhias de peso são europeias e sul-coreanas.

O governo dos EUA diz que o Brasil corre riscos se a Huawei fornecer equipamentos para a rede 5G. Quais são os riscos?

É um tema bastante importante para o mundo. É a próxima geração de telecomunicações que será a base da revolução tecnológica que vai beneficiar a todos. Nosso interesse é que essa tecnologia seja usada para promoção de atividades econômicas, avanço da sociedade e para o bem de nossos princípios, como a democracia. E que essa tecnologia não seja usada para reprimir a sociedade, como estamos vendo em vários regimes autoritários no mundo. A tecnologia deve liberar e não reprimir as pessoas. É importante que os fornecedores de um produto tão sensível tenham os mesmos princípios que você. Por isso, a posição dos EUA e nosso alerta para nossos amigos e aliados, como o Brasil, é saber com quem se está trabalhando. Nós já sabemos que Huawei e outras empresas da China, como a ZTE, têm a obrigação, por lei, de entregar toda a informação que passa por elas. Trata-se da segurança nacional dos Estados.

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O vice-presidente Hamilton Mourão já disse que será difícil deixar a Huawei fora do 5G, dado que ela está no Brasil há anos e é fornecedora de muitas empresas de telefonia. Haverá algum incentivo do governo americano para que o Brasil mude de posição?

A seleção de fornecedores do 5G não é, para nós, uma questão comercial. Nós não temos uma empresa puramente americana que esteja competindo. Isso não é para ganhar US$ 1 bilhão. É um assunto de segurança nacional. Muitos países já decidiram excluir a Huawei por questão de segurança, como Austrália, Japão e Inglaterra, por exemplo. E esse número é crescente porque mais pessoas estão fazendo a mesma análise, vendo o comportamento da Huawei de roubar propriedade intelectual. A Inglaterra disse que vai tirar tudo da Huawei de seu sistema nos próximos anos. E isso vai custar um pouco de dinheiro, mas não tanto como as pessoas estão falando. Na Europa, para substituir todo o equipamento da Huawei em 5G serão US$ 3,5 bilhões. São US$ 7 por usuário.

“A seleção de fornecedores do 5G não é, para nós, uma questão comercial. É um assunto de segurança nacional”

Todd Chapman
Embaixador dos Estados Unidos

Se o Brasil permitir o uso da Huawei para implementar o 5G, não haveria então qualquer represália?

Eu diria que represálias não, consequências sim. Cada país é responsável por suas decisões. As consequências que estamos vendo no mundo é que há um receio de empresas que estão baseadas na propriedade intelectual de fazer investimentos em países onde essa propriedade intelectual não seja protegida.

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Quais seriam essas consequências?

Primeiro, a informação não estará segura. A qualquer hora, o governo chinês pode pedir à Huawei que a informação seja mandada a eles. O segundo ponto é que, ao fazer um investimento, você tem que decidir para onde vai. Os que estão investindo em farmacêuticos, em software, olham isso. Nossa economia é baseada em serviços. A maior exportação dos EUA é inteligência, propriedade intelectual. Temos que proteger nossa propriedade intelectual. E o Brasil tem que fazer o mesmo. Ou vai continuar exportando produtos primários, e não de alta tecnologia.

O governo americano disse que pretende ajudar, por meio de um fundo, as empresas no Brasil a comprarem equipamentos 5G de outros fornecedores que não a Huawei. Qual seria o valor desse apoio?

Será através do International Development Finance Corporation (banco de fomento criado pelo presidente Donald Trump em 2018). Nessa mudança, a capitalização foi duplicada, de US$ 30 bilhões para US$ 60 bilhões. Agora, podemos financiar não só produtos americanos ou empresas dos EUA que fazem investimentos no exterior, mas projetos de interesse dos EUA e de nossos aliados. E já decidimos que estamos abertos a oferecer esse financiamento a quem comprar produtos de fornecedores confiáveis.

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Nos quatro primeiros meses deste ano, o Brasil teve no comércio com os EUA um déficit igual ao registrado em todo o ano passado. E os chineses aumentaram as compras de produtos brasileiros. O que pode ser feito para mudar esse quadro?

É certo que o Brasil exportou mais soja para China durante este semestre do que o anterior. A compra da China nos EUA baixou. E isso foi transferido para o Brasil. Nossa economia foi abatida pelo vírus que importamos da China, lamentavelmente. E, claro, nossa demanda caiu. Caíram não só as importações, do Brasil, mas do mundo. Mais de 90% das exportações do Brasil para a China são de produtos primários. E todos sabemos que é muito melhor exportar produtos industrializados, pois isso reflete uma relação mais madura. Mais de 55% dos produtos exportados para os EUA são industrializados e refletem a relação madura que temos com o Brasil. Somente nessas duas semanas temos anúncios de investimentos envolvendo empresas americanas como AES, Oil Group e a oferta para o Grupo Oi.

O governo americano está ajudando a Digital Colony a comprar a operação de telefonia celular da Oi?

Não tem envolvimento do governo, mas, claro, estamos sempre apoiando os investimentos aqui. Isso é um trabalho em conjunto com o Brasil. Nossa relação econômica é madura.

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Fala-se muito de um miniacordo comercial entre Brasil e EUA, um acordo de facilitação do comércio.  Ele sai mesmo este ano,  antes da posse do novo presidente americano?

Estamos trabalhando nesse acordo. E o Brasil está fazendo muita coisa para melhorar o clima de negócios, como as reformas econômicas e de impostos. Isso tudo é superimportante. Estamos agora nos concentrando mais nas regras para facilitação de comércio e de regulamentos para o comércio digital.

“Nossa economia é baseada em serviços. Temos que proteger nossa propriedade intelectual. E o Brasil tem que fazer o mesmo”

Todd Chapman
Embaixador dos Estados Unidos

Esse acordo beneficia sobretudo a indústria?

Não apenas. Também tem impacto na rapidez do desembarque das flores que chegam em Miami para serem mandadas para outras cidades, por exemplo. Quando você tem as regras, as coisas vão mais rápido. Uma coisa que me surpreendeu aqui é que nossos técnicos falam todo dia uns com os outros, sobre produtos específicos. Isso reflete uma relação comercial sofisticada, porque as cadeias de produção são integradas, como no caso da Cargill. Isso não é só uma relação baseada em matéria-prima. É mais sofisticada, cria mais emprego.

Os EUA ainda são os maiores investidores diretos no  Brasil, mas os chineses  vêm aumentando seus investimentos, e uma companhia chinesa foi a  única estrangeira a participar do leilão do pré-sal, no ano passado.

Quando só tem um país fazendo oferta por algo, os técnicos têm de pensar por que todos os outros países capitalistas do mundo não decidiram que era um bom negócio. Essa decisão é comercial. Empresa americana não trabalha para mim nem para o governo, trabalha para os acionistas. Mas quando você é uma estatal na China, você trabalha para o Partido Comunista. As regras são diferentes e não são transparentes.

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O deputado democrata  Eliot Engel, presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos EUA, criticou o deputado Eduardo Bolsonaro por fazer campanha para Trump. O senhor, como diplomata  de carreira, avalia que  essa torcida por Trump é prejudicial às relações entre os dois países a longo prazo?

Eu sou um grande defensor da liberdade de expressão. E todos têm a habilidade de falar sobre quem eles estão pró e contra como eles quiserem, e não vou dizer para alguém que eles não devem falar bem ou mal do meu presidente. Podemos falar sobre isso, sobre eleições. Eu defendo os direitos da nossa Constituição e de todos os que acreditam neles, inclusive aqui no Brasil: direitos de expressão, liberdade de imprensa, de religião. Tudo isso é importante para países democráticos que defendem a liberdade. E, olha, tem muitos que não defendem isso.

Mas se o presidente russo Vladimir Putin dissesse que torce por Trump, o senhor ficaria incomodado, não?

— Isso depende dele. Nem quero falar sobre o senhor Putin nem sobre outros líderes autoritários no mundo. Vou deixá-los para lá.