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Economia Emprego

Home office vai continuar após pandemia. E quem ganha quando empresas podem contratar em qualquer lugar?

A competição entre trabalhadores remotos vai aumentar. E também a desigualdade de renda no mercado de trabalho, apontam estudos
Modelo de home office funcionará em conjunto com o presencial no futuro Foto: Pixabay
Modelo de home office funcionará em conjunto com o presencial no futuro Foto: Pixabay

NOVA YORK - Alguns empregados e freelancers que podem trabalhar remotamente têm expandido oportunidades de trabalho e de aumentar sua renda com a adoção em maior escala do home office pelas empresas durante a pandemia.

Mas, se o trabalho remoto veio para ficar mesmo depois da pandemia, os profissionais que podem atuar à distância terão, em geral, mais competição daqui para frente. E dependerão mais da sorte.

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Uma coisa que parece inevitável, sugerem as pequisas, é a intensificação da desigualdade. No seu artigo de 1981 entitulado “The Economics of Superstars” (“A economia dos superastros”, em tradução livre), Sherwin Rosen descreveu o impacto do videotape e da transmissão ao vivo na TV na renda de atletas e artistas.

Na medida em que a tecnologia permitiu a indivíduos com habilidades especiais alcançar um mercado gigante — uma hora de trabalho em um único lugar poderia, de repente, atingir muitas pessoas ao mesmo tempo no país —, menos astros foram capazes de capturar as recompensas financeiras. O dinheiro se concentrou em poucos.

Rosen esperava que, ao longo do tempo, muitas outras profissões seguiriam um padrão similar. A renda de um professor, por exemplo, esteve tradicionalmente limitada ao número de estudantes que ele poderia juntar dentro de uma sala de aulas.

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Mas hoje, na Udemy, uma plataforma on-line de educação, professores como Chris Haroun têm ganhado milhões de dólares de cursos criados pela empresa, particularmente depois que a quarentena imposta pela pandemia elevou as matrículas em 425%.

A vasta maioria dos professores na Udemi não se aproxima dos ganhos de Haroun, o que resulta em uma distribuição extremamente desigual da renda entre professores considerados “superastros” e todos os demais.

A adoção do trabalho remoto está também afetando instituições mais tradicionais. Scott Galloway, um professor de marketing da Escola de Negócios Stern, da Universidade de Nova York, me disse em abril:

— Já que todas as minhas aulas são remotas agora, a escola me perguntou: você pode aumentar o seu número de estudantes de 160 (capacidade da maior sala de aula da instituição) para 280? Ou seja, são 120 alunos a menos para os outros professores de marketing.

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Uma dinâmica similar pode ser vista em profissões que eram assumidas como inerentes ao contato “em pessoa”. Durante a quarentena, muitos instrutores de ginástica, como personal trainners, ficaram sem trabalhar. Mas um seleto grupo deles estava deslanchando, particularmente os que trabalhavam para a Peloton.

Americana faz exercícios comandados por instrutora na plataforma digital Foto: MAX WHITTAKER / NYT/27-2-2021
Americana faz exercícios comandados por instrutora na plataforma digital Foto: MAX WHITTAKER / NYT/27-2-2021

No fim de 2020, a plataforma de esportes tinha cerca de 4 milhões de membros — mesmo número de frequentadores de academias em Nova York. Mas ao contrário da indústria fitness do estado americano onde está a cidade, a Peloton não tinha 86 mil empregados ali.

Os milhares de clientes da companhia eram atendidos por algunas dúzias de instrutores que poderiam morar em qualquer lugar. Eles ganharam mais de US$ 500 mil (cerca de R$ 2,6 milhões) enquanto a maioria dos profissionais dessa área estava sem poder trabalhar.

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Quando um mercado se expande, os benefícios tendem a não ser divididos de forma igualitária entre os participantes. Ainda em 1995, os economistas Robert Frank and Philip Cook observaram que as estruturas de remuneração antes comuns no setor de entretenimento estavam ficando mais prevalentes em uma varidade de outras profissões.

Alguns advogados, médicos, consultores, banqueiros e gerentes estavam ganhando mais do que nunca, enquanto poucos dos seus colegas estavam ocupados em empregos de renda média.

Os dois economistas atribuíram essas mudanças à “revolução no processamento e transmissão de informação”, que permite “um nível de crescente de alavancagem parar os que ocupavam posições no topo das empresas e proporcionalmente menos espaço para os outros”.

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Essa tendência se mantém no século 21. De acordo com um estudo de 2020 dos economistas David Autor, Claudia Goldin and Lawrence Katz, a maior parte do aumento na desigualdade nas últimas duas décadas ocorreu dentro e não entre grupos de profissionais mais escolarizados.

A tecnologia contribuiu para esse aumento da desigualdade entre quem estudou na mesma faculdade, por exemplo, ao permitir que as companhias possam produzir mais e alcançar mais clientes dependendo de menos — mas mais especializados — profissionais.

O impacto da tecnologia em várias profissões ainda era limitado pela geografia. Quando a maioria das companhias contratava apenas empregados que viviam a uma distância possível para ir e voltar em transporte público, o mercado de trabalho tinha um teto para as opções do empregador e para a capacidade de ganhar mais dos empregados.

Também colocou um piso parra os outros profissionais que gozavam de um salário decente e relativa segurança no emprego por viver perto de um centro financeiro ou distrito industrial. Esses limites geográficos foram afrouxados aogra, quando o Vale do Silício e outras indústrias e setores estão se engajando no trabalho remoto — gradualmente.

Recentemente a revista The Economist analizou os anúncios de emprego em um site popular entre programadores e econtrou menções a trabalho remoto em 75% deles em 2021, contra 35% antes da pandemia e 19% há uma década.

Como isso vai afetar o trabalhador da área de tecnologia? Há algumas indicações. Em junho, o Google informou altos funcionários que reduziria o salário dos que escolhessem trabalhar remotamente. Evitar o escritório ajuda a economizar com transporte.

Mas para a maior parte dos profissionais de tecnologia, o trabalho remoto significa competir em um mercado muito maior de profisisonais igualmente qualificados, mas muitos deles em países e cidades de baixa renda.

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Isso deveria preocupar os engenheiros, programadores e gerentes de produto mais disputados do mercado? Provavelmente não. Para eles, trabalhar remotamente significará competir pelos empregos mais bem pagos de um um número maior de companhias.

Mas até mesmo os altamente qualificados e especializados empregados têm algo com o que se preocupar. Como apontou Enrico Moretti em “The New Geography of Jobs” (“A nova geografia dos empregos”), contratar é muito semelhante a paquerar em aplicativos de namoro.

Acessar os candidatos de maior potencial em um universo de pessoas bem maior aumenta a chance de “match”.