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Economia

Empresas que atuam no exterior tentam driblar polêmicas na diplomacia brasileira e conquistar novos mercados

Governos estaduais também buscam ação direta para atrair negócios
Empresas, como o Grupo Boticário, buscam novos mercados no exterior sem apoio do governo federal Foto: Divulgação / Agência O Globo
Empresas, como o Grupo Boticário, buscam novos mercados no exterior sem apoio do governo federal Foto: Divulgação / Agência O Globo

SÃO PAULO - Não é só no capítulo meio ambiente que o governo Jair Bolsonaro gera desconforto para investidores e empresas. Ideias controversas como transferir a embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém e recorrentes declarações polêmicas feitas pelo presidente e seus ministros em relação à China, maior parceiro comercial do país, já colocaram em risco negócios de mais de US$ 120 bilhões por ano com árabes e com o gigante asiático.

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Apesar da atual postura da diplomacia brasileira, empresas e governos estaduais trabalham para se blindar dos problemas de imagem causados pelo Planalto e manter a atração de capital.

O Diretor de Desenvolvimento Industrial da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Carlos Abijaodi, diz que a diplomacia brasileira sempre foi reconhecida por sua posição ponderada e que não faz sentido, com base em “relações pessoais ou emocionais”, adotar posicionamentos que podem entrar em choque com objetivos comerciais e de investimento do país:

— Precisamos melhorar o ambiente de negócios do Brasil. Posicionamentos conflituosos, tomados com pouco planejamento, podem atrapalhar a nossa relação comercial.

Marcelo Bacci, Diretor Executivo de Finanças da Suzano, afirma que esse tipo de ruído pode prejudicar os negócios:

— A diplomacia pode causar efeitos positivos ou negativos, mas a empresa precisa ter sua linha de atuação direta, não pode depender da linha do Estado — disse.

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No Grupo Boticário, a avaliação é que a expansão para novos mercados pode acabar, de alguma maneira, afetada, embora avalie que seja possível criar estratégias para evitar a “contaminação”.

— Nós, quando vamos ampliar a atuação internacional, não vamos por relações governamentais, mas sim com atuação direta e sempre em parceria com empresas locais, o que pode ajudar a mitigar a questão da imagem do país — explica Eduardo Fonseca, diretor de Assuntos Institucionais do Grupo Boticário, lembrando que a empresa, em 2018, começou a atuar nos Emirados Árabes Unidos, com três lojas em Dubai.

Principal parceiro

Mesmo com a proximidade de Bolsonaro com Israel, países árabes continuam grandes consumidores de carne brasileira. O mesmo acontece com a China, que vem sofrendo críticas de integrantes do governo brasileiro. No primeiro semestre deste ano, a venda de carne suína para o país asiático subiu 150,2%, chegando a 230,7 mil toneladas.

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No caso do frango, as compras feitas pelos chineses no mesmo período subiram 32% com o embarque de 346,3 mil toneladas. A China continua o maior comprador dos dois produtos.

A peste suína, que dizimou grande parte do rebanho de porcos na China, e a alta demanda por alimentos dos chineses têm funcionado como um seguro para o Brasil, apontam produtores.

— Mantemos nossa posição como principal parceiro (da China) pela segurança alimentar — avalia Ricardo Santin, diretor executivo da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA).

Em investimento direto, só da Itália, existe a expectativa de que R$ 3 bilhões desembarquem no país no primeiro semestre de 2021. Há pelo menos 15 empresas italianas interessadas em fincar sua bandeira no Brasil, diz Graziano Messana, presidente da Câmara Ítalo-brasileira de Comércio, Indústria e Agricultura (Italcam).

— Os empresários estão olhando para a frente, e o Brasil tem um mercado consumidor enorme. Como o meio ambiente é uma pauta mundial, eles sabem que o governo brasileiro, seja o atual ou os próximos, terá que dar uma solução ao problema do desmatamento — diz Graziano.

Os governos estaduais também trabalham para amenizar revezes da diplomacia do governo Bolsonaro.

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A própria Italcam tem uma parceria com o governo de São Paulo para atrair empresas italianas para o estado por meio da InvesteSP, agência de fomento a investimento do governo paulista. Entre os atrativos para empresas interessadas em produzir no estado, há carência no aluguel de galpões por até oito meses, isenção de IPTU, e, no caso de construção de uma nova fábrica, a agência paulista ajuda a identificar locais mais atraentes para a instalação e faz um estudo da viabilidade do negócio.

Interlocução regional

No Rio Grande do Sul, a Secretaria de Meio Ambiente faz um trabalho para explicar que a carne produzida no estado não causa danos à Floresta Amazônica.

O secretário gaúcho de Meio Ambiente e Infraestrutura, Artur Lemos Junior, diz que sua pasta busca explicar aos investidores que o gado gaúcho é criado no Pampa, muito longe da Amazônia.

— O Pampa é um bioma que precisa do gado para existir e está dissociado do desmatamento ilegal na Amazônia. Também temos tido procura de empresas fornecedoras de madeira europeias, interessadas nas nossas florestas plantadas para esse fim, diferente do que acontece na Amazônia — conta o secretário, lembrando ainda que o estado oferece a companhias que se instalam a possibilidade de adiar o pagamento do ICMS e recolher o imposto apenas quando a empresa estiver consolidada.

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A Bahia está recebendo investimentos bilionários de chineses, que estão priorizando o contato direto com os governos estaduais, revela João Leão, vice-governador e secretário de Desenvolvimento Econômico.

— Os chineses passaram que o que vale é o contato direto com os governadores. Se o governo federal dá canelada nos chineses, eu agrado, os aliso — define.

Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais da FGV, avalia que o atual governo federal tem uma imagem muito negativa no exterior, o que contamina planos de grandes empresas nacionais.

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Procurados, os ministérios do Meio Ambiente de Relações Internacionais não se pronunciaram. Fontes do Itamaraty discordam da avaliação de que a postura mais “assertiva” em temas como relações com a China, questão palestina ou direitos humanos tenham impactado negócios. Até o momento, apontam, os números não mostram recrudescimento do comércio ou do investimento.

Algumas ‘caneladas’ do governo na política externa

Bate-boca francês

  • A Amazônia foi a origem da indisposição entre Emmanuel Macron e Bolsonaro, que rejeita o Acordo de Paris. A França suspendeu discussões para confirmar o acordo UE-Mercosul, que interessa a exportadores brasileiros.

Palpite infeliz

  • Entre os muitos episódios de tensão com a China, uma publicação irônica do ex-ministro Abraham Weintraub sobre origem chinesa do coronavírus causou forte reação da diplomacia chinesa e um processo de racismo no STF.

Porteira aberta

  • Vídeo de reunião em que Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, sugere “ir passando a boiada” na simplificação de normas consolidou a percepção no exterior de que governo afrouxa combate a crimes ambientais.