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Economia

Entenda a crise cambial na Turquia em sete pontos

País abusou do crédito para estimular a economia e agora sofre com "déficits gêmeos"
People change money at a currency exchange office in Istanbul, Turkey August 13, 2018. REUTERS/Murad Sezer Foto: MURAD SEZER / REUTERS
People change money at a currency exchange office in Istanbul, Turkey August 13, 2018. REUTERS/Murad Sezer Foto: MURAD SEZER / REUTERS

NOVA YORK - A lira turca voltou a cair com força nesta segunda-feira, levantando temores de um contágio para outros mercados emergentes. Mas a crise cambial tem origens diversas e um pano de fundo político complexo. Há sete pontos principais que devem estar no foco de investidores, governos e bancos centrais para entender a crise turca.

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1. Para além do mercado cambial

Embora o foco o foco dos últimos dias tenha sido em quanto a moeda está oscilando, as dificuldades da Turquia vão além do mercado cambial. Moedas oscilam frequentemente, especialmente em economias emergentes, e não apenas em trajetória de queda. Os movimentos mais violentos nem sempre são o motivo da turbulência tampouco seu desfecho. O melhor é que sejam vistos como o indicador mais visível de uma crise, e que pode também indicar seus desdobramentos.

2. Desequilíbrios vêm ocorrendo há algum tempo

Ao estimular sua economia insistentemente com base em crédito e, mais recentemente, pelo orçamento, a Turquia acumulou “déficits gêmeos” — desequilíbrios que estão tanto no orçamento do setor público quanto nas trocas de recursos com o exterior. Financiados por empréstimos externos e pela entrada de capital estrangeiro, esses déficits ajudaram a impulsionar investimento e o crescimento do país. A expansão adicional do PIB com essas políticas, porém, não tem sido insuficiente para compensar a alta do endividamento público do país.

3. O cenário externo se deteriorou

Embora a necessidade de financiamento seja considerável, a Turquia enfrenta agora um ambiente externo mais desafiador. E isso não vai mudar num futuro próximo. Assim, a entrada de capital se tornou menos abundante e mais cara.

O mundo encontra-se em meio a uma transição, saindo de um longo período de taxas de juros baixas demais, e em alguns casos negativas. Parte das grandes injeções de capital vindas do programa de compra de ativos de bancos centrais pararam (como ocorreu com o americano Federal Reserve, o Fed) ou estão encolhendo (caso do Banco Central Europeu). O Fed já subiu os juros em diversas ocasiões, numa trajetória que dificilmente será abandonada a curto prazo devido ao aumento contínuo da inflação. E com o cenário político, o crescimento econômico e as diferenças nas taxas de juros favorecendo os Estados Unidos, a probabilidade de novo movimento de valorização do dólar frente a outras divisas é considerável.

Isso afetou as classes de ativos tecnicamente mais frágeis, especialmente mercados emergentes, que experimentaram uma evasão de capital considerável. Títulos da dívida pública lastreados em moedas local e estrangeira, as moedas e as taxas de risco desses países estão pressionados.

Esse ambiente externo menos amigável foi amplificado pela Turquia e seu embate político com os EUA. Pesou ainda o anúncio pelo presidente Donald Trump de que as tarifas sobre aço e alumínio turcos vão dobrar. Alcançar algum tipo de solução política se tornou um passo importante a curto prazo para reduzir parte da pressão sobre o mercado financeiro da Turquia.

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4. Investidores duvidam sobre a capacidade de resposta do governo turco

A situação do país é ainda mais complicada devido a preocupações sobre a sua capacidade de manejo da política econômica. Sob forte pressão política, o banco central do país perdeu a credibilidade e tem pouca margem para adotar medidas para estabilizar a lira turca. As preocupações com interferência política no BC foram amplificadas após o presidente Recep Tayyip Erdogan ter designado seu genro como ministro das Finanças.

5 - Falta de apoio externo

A resposta tradicional de países que enfrentam situações similares à da Turquia hoje é procurar por uma ou mais âncoras externas para apoiar suas políticas domésticas. Normalmente, o caminho inclui pedir ajuda ao Fundo Monetário Internacional (FMI), o que significa tanto apoio financeiro como a adoção de um pacote de medidas domésticas para conter a crise. Foi isso que a Argentina fez no início deste ano para lidar com sua própria desordem cambial. E um apoio à Turquia pelo FMI teria como pano de fundo as preocupações com um possível risco de contágio para outros emergentes.

Mas a Turquia parece hesitante em buscar o FMI, e por razões compreensíveis. Principalmente diante da perspectiva de que um apoio americano a qualquer ajuda do FMI não estaria garantido. E um acordo com o FMI significaria uma guinada em muitas das promessas do presidente Erdogan. E há ainda outra dimensão de política interna em jogo. Trazer de volta o FMI seria significar o retorno "aos velhos tempos" do início dos anos 2000 que, no fim, acabaram pavimentando o caminho para a ascensão de Erdogan.

Mesmo assim, sem o FMI, a Turquia pode ser forçada a uma guinada ainda mais brusca. Com ou sem o Fundo, a Turquia terá de enfrentar um longo período de corte de gastos, aumento de preços e tarifas públicas e alta de juros, para reduzir seus déficit interno e externo.

E, na verdade, não há muitas alternativas ao FMI. Outros governos e instituições europeias não estariam dispostas a qualquer tipo de apoio que chegasse perto das necessidades de financiamento da Turquia. O mesmo é válido para os países do Golfo. A China, menos limitada por sensibilidades políticas neste quesito, dificilmente apoiaria a Turquia na escala e rapidez necessárias. E os laços políticos próximos com a Rússia, inclusive a conversa telefônica que veio a público na sexta-feira entre os presidentes Erdogan e Vladimir Putin, não devem significar muito em termos de caixa disponível.

6 - Deixar a tempestade se resolver por conta própria é uma opção, porém não a mais atrativa

O governo turco pode simplesmente não fazer nada e deixar a lira turca cair a seu próprio piso. A questão não é se isso eventualmente ocorreria por si só - porque vai ocorrer - mas sim a que custo para a economia. Até agora, a forte queda na lira turca já elevou os preços, agravou a dívida do país, pressionou os bancos locais, reduziu o crescimento econômico e abalou a confiança dos empresários. Se esse movimento continuar, a depreciação cambial pode precipitar uma recessão e uma alta inflação, combinadas com falência bancárias e calotes corporativos. E o resultado será uma pressão maior para que o governo apoie bancos locais e proteja os segmentos mais vulneráveis da população.

7 - Temor de o país adotar controle de capital

Há cada vez mais rumores de que a Turquia possa implementar mecanismos de controle da capital, para limitar a fuga de capitais e conter a crescente dolarização da economia local. Esses rumores acabam acelerando a perda de confiança na lira turca e aumentando a pressão sobre os mercados e a economia.

Está cada vez mais evidente que o governo turco não conseguirá evitar alguma combinação de aumento nas taxas de juros, mais austeridade fiscal, socorro ao FMI e, também, algum tipo de controle de capital. Na verdade, quanto mais o país demorar a adotar essas políticas e a pedir ajuda ao FMI, maior é o risco de ter que acionar todas essas medidas juntas e num grau mais rigoroso.

Os investidores devem se preparar para mais volatilidade na lira turca e nos títulos do país, assim como para maior contágio em outros mercados emergentes. O contágio para economias desenvolvidas - em particular, a Europa - também deve ocorrer se a crise se agravar.

*Mohamed A. El-Erian é ex-CEO da Pimco, uma das maiores gestoras globais de mercados emergentes, e hoje é conselheiro econômico da Allianz.