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Economia

Epidemia de coronavírus ameaça renda de 46,8 milhões de trabalhadores informais

Com queda na procura por serviços, receita de motoristas de aplicativos, professores de academia, cabeleireiros, manicures, profissionais liberais desaba, enquanto contas se acumulam
Sem movimento, barracas no Largo da Carioca estão fechadas Foto: BRENNO CARVALHO / Agência O Globo
Sem movimento, barracas no Largo da Carioca estão fechadas Foto: BRENNO CARVALHO / Agência O Globo

RIO - Devido à pandemia do coronavírus , Eraldo Pinheiro, de 49 anos, perdeu sua única atividade, a de motorista de aplicativo. Devolveu o carro, que alugava por R$ 500 semanais. Sua receita caiu de R$ 200 para R$ 60 por dia. Não deu para continuar. A renda, que só dava para pagar as contas fixas, caiu a zero. O pagamento do aluguel está atrasado, e ele teme ser despejado:

— Se eu não pagar até o fim do mês, os proprietários ameaçam me despejar. Não sei o que fazer. Há 15 dias, minhas refeições são miojo e água, graças ao apoio dos meus amigos que estão dando uma força, mas eles também têm suas limitações.

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Cerca de 2 milhões de pessoas que ganham seu sustento com o carro, trabalhando por conta própria, podem estar vivendo situação semelhante à de Eraldo. Atender aos trabalhadores informais que estão perdendo renda rapidamente é um desafio bem maior do que os R$ 15 bilhões que o governo vai destinar a essa parcela da população, ao prometer R$ 200 mensais, por três meses, aos informais.

Somando empregados sem carteira, trabalhadores domésticos, por conta própria e os que auxiliam na família, são 46,8 milhões de pessoas. Somente 8,3 milhões desse universo recebem Bolsa Família. Os informais representam 75% dos trabalhadores que estão na metade mais pobre do país.

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— O ponto é que tem muito trabalhador informal que não está amparado por qualquer tipo de ajuda, não está em cadastro — diz Daniel Duque, economista da FGV.

Ele defende renda mínima para todos os maiores de 18 anos que não têm emprego formal, aposentadoria e pensão, nem recebem benefício do Bolsa Família — um total de 55 milhões. Dar R$ 200 por três meses para 55 milhões de pessoas, sem olhar renda, custaria R$ 30 bilhões, o valor anual do Bolsa Família.

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—Bastariam identidade e CPF para receber o benefício em lotéricas, agências da Caixa e Banco do Brasil, sem qualquer necessidade de cadastro. O dinheiro chegaria mais rápido na mão das pessoas.

Essa renda ajudaria Lorinley Rodrigues e sua família. O salão onde trabalha como manicure comissionada para de funcionar hoje. A carioca não pretende ir à casa das pessoas por medo da contaminação e não sabe como vai pagar as contas. Na informalidade, ela não sabe se pode receber algum benefício do governo:

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— Se não trabalho, não recebo. Não tenho economias, nem tenho como sobrecarregar minha família, pois já cuidam dos meus filhos para que eu possa trabalhar e estudar.

O Cadastro Único do governo, citado por Duque, aceita a inclusão de quem ganha até meio salário mínimo ou tenha renda familiar de até três mínimos. São 76,5 milhões de pessoas, em 28,5 milhões de famílias. O Bolsa Família tem 13 milhões, e o governo quer incluir no programa 1,2 milhão de pessoas que estão na fila.

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O uso desse cadastro é defendido por especialistas por ser um meio rápido de chegar a quem mais precisa. Mas tem imperfeições. A economista Sonia Rocha, especialista em transferência de renda, afirma que de 20% a 30% das informações se perdem.

— Há muita mobilidade e inconsistência no registro. Uma parcela das pessoas poderá não sacar, porque os dados do cadastro não correspondem.

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Ana Amélia Camarano, economista do Ipea, lembra que o governo tem filas de benefícios sociais para atender, como INSS e Bolsa Família. Aumentar o acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC) a idosos e deficientes com renda domiciliar per capita de até meio salário mínimo — decisão do Congresso que foi anulada pelo Tribunal de Contas da União — poderia ser uma alternativa, diz a pesquisadora. O governo já decidiu ampliar o acesso para os idosos que precisarem de cuidados especiais nessa faixa de renda.

— Se fizessem a fila andar já ajudava bastante. Ainda há os desempregados — diz Ana.

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Contando com eles, são 58,7 milhões de trabalhadores precisando de ajuda.

Preocupação com diarista

Luana Pinheiro, também do Ipea, preocupa-se com as empregadas domésticas. São 6,2 milhões. Quase a metade (44%) é diarista, sem vínculo.

— Há uma campanha para liberar a diarista e continuar pagando. Nessa situação, até quando essa estratégia pode ser esticada? — questiona. —Temos que garantir o mínimo para essas pessoas. Isso vai tornar o confinamento mais eficaz. Se não tiverem renda, não se consegue segurar essas pessoas em casa.

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Profissionais liberais, que estão fora de cadastro, veem seu rendimento cair a quase zero. É o que temem Bruno Lobo e Alessandra Marques, que têm uma filha de 8 anos. Ele é personal trainer em uma academia e espera continuar recebendo durante o isolamento. Também trabalha como motorista de aplicativo:

— Em quatro horas, fiz cinco corridas e voltei com R$ 55.

Alessandra é esteticista a domicílio. Preferiu parar.

— Não tenho receita para abril e não sei o que vai acontecer. Estou assustada.