ESG
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Por Ítalo Bertão Filho, Especial Para O Prática ESG — São Paulo

Quando o engenheiro mecânico João Conrado do Amaral Gurgel, dono de uma modesta indústria de automóveis em São Paulo, desenhou, em 1974, o Itaipu, primeiro carro elétrico produzido no Brasil, se deparou com gargalos como baterias pesadas, baixa autonomia e infraestrutura inexistente.

Nos anos seguintes, ele chegou a vender carros elétricos para estatais, mas o projeto não foi adiante. Mais de 40 anos depois, o mercado de eletromobilidade é outro, com mais fabricantes, usuários e tecnologias, mas ainda enfrenta percalços.

Para seguir planos de descarbonização — desta vez, não por preço de combustível, mas para evitar a poluição —, a indústria automotiva tem apostado na produção de veículos elétricos. Somente em 2021, foram vendidos 6,6 milhões de veículos do tipo no mundo, de acordo com a Agência Internacional de Energia. Com as novas unidades, o número total de elétricos em circulação no final do ano passado somava 16,5 milhões.

No mercado brasileiro, a fatia desse tipo de automóvel é de apenas 2%, segundo dados da Associação Brasileira de Veículos Elétricos (ABVE) e Fenabrave. Entre janeiro e julho deste ano, foram emplacados 23.563 veículos elétricos, representando uma alta de 34,5% em relação a igual período do ano passado. Os números podem parecer pequenos, mas, mesmo nos EUA, os elétricos representam apenas 5% do mercado de leves (carros e caminhonetes).

Uma pesquisa da consultoria Bain & Company divulgada ano passado mostrou que, em 2040, a expectativa é que mais da metade dos veículos saiam de fábrica com sistema totalmente elétrico. Mas para o mercado avançar, há gargalos a serem resolvidos, como a forma de carregamento.

As baterias em si já evoluíram bastante em comparação ao passado. O Itaipu, por exemplo, utilizava baterias de chumbo ácido, com baixa autonomia. Hoje, as baterias dos carros elétricos disponíveis no mercado são feitas de lítio e possuem tempo de recarga menor. O tempo necessário para recarregá-las de novo quando os veículos estão em movimento também foi estendido.

Alguns automóveis chegam a ultrapassar 400 km de autonomia e os postos de recarga elétrica garantem abastecimento em menos de uma hora. Os problemas agora são outros, a começar pela concentração do lítio na Ásia, especialmente na China, que detém 80% do refino do material, de acordo com dados da BloombergNEF.

Rentabilidade

Em fala recente, o empresário Elon Musk, dono da Tesla, uma das principais montadoras de elétricos do mundo, afirmou que “as baterias de lítio são o novo petróleo”. O preço da tonelada de carbonato de lítio já está cerca de 70% acima do patamar de 2021. O material, junto ao níquel e ao cobalto respondem por cerca de 40% do custo de uma célula de bateria, o que impacta diretamente no preço.

Os veículos 100% elétricos mais baratos no Brasil variam entre R$ 140 mil a R$ 290 mil. O Volvo XC40, o mais vendido no primeiro semestre de 2022, é oferecido por R$ 310 mil. Mas há carros como o sedã elétrico esportivo Mercedes AMG EQS 53 4MATIC+, que custa a bagatela de R$ 1,35 milhão. Mesmo os modelos Tesla importados não saem por menos de R$ 500 mil.

Há um projeto de lei (PL 403/2022) tramitando no Senado que busca zerar os impostos de importação de carros elétricos e híbridos no Brasil, o que, segundo cálculos apresentados, poderia reduzir preços em até 20% até o fim de 2025. Mas não é só isso que garantiria um acesso maior. A infraestrutura de recarga também precisa evoluir.

— O carregamento de automóveis depende de um investimento muito alto ainda. A infraestrutura para linhas de transmissão já existe: o problema está nos pontos finais de carregamento — afirma Carlos Libera, sócio da consultoria Bain & Company.

O Brasil possui hoje apenas 1.250 postos de recarga, segundo a ABVE. Boa parte está em São Paulo, que concentra 47% do total — a capital paulista tem 400 pontos, espalhados por shoppings, prédios comerciais, residenciais e postos.

O investimento para integrar uma estação de recarga rápida a um posto de combustíveis pode chegar a R$ 500 mil, de acordo com Antonio Calcagnotto, presidente interino da ABVE e diretor de Relações Governamentais e Sustentabilidade da Audi. Hoje, a recarga em si é feita de forma gratuita na maioria dos postos, o que dificulta a rentabilidade do negócio e sua popularização.

Parte dos consumidores de elétricos optam pelo carregamento em casa. Mas o custo do megawatt-hora e as dificuldades estruturais das residências podem atravancar esse tipo de carga.

— Os condomínios não estão preparados hoje para suportar a recarga de carros elétricos. Se já é complicado para uma pessoa isolada fazer a sua recarga, imagine um universo de 50 moradores tentando recarregar seus caros — pondera Ricardo David, fundador da Elev, empresa que trabalha com gestão e comercialização de estações de recarga.

David acrescenta:

— Além disso, o custo do megawatt-hora, muitas vezes em bandeira vermelha, é muito alto. Por isso, a solução dos eletropostos pode ser mais interessante.

A Shell inaugurou há poucos meses o primeiro eletroposto de carga rápida para carros elétricos em São Paulo e cobra menos de R$ 2 por kWh. A recarga de um veículo e com bateria de 40 kWh sai em torno de R$ 80.

O professor Eduardo Pellanda teve problemas para autorizar o carregamento de seus automóveis elétricos em seu prédio.

— Moro em um edifício e tive que convencer o condomínio, fazendo uma estimativa de quanto eu gastava e devolvendo esse valor — recorda.

Entusiasta da eletromobilidade, desde 2014, Pellanda já teve diferentes modelos elétricos e híbridos e observa uma evolução. O pós-venda, por exemplo, mudou. Antes, ele precisava levar o carro para outro estado para fazer a manutenção. Hoje, isso não é preciso, e o custo é menor.<SW>

Estímulo em EUA e China

Para estimular o mercado, alguns países têm adotado políticas de incentivo. Nos EUA, por exemplo, o pacote de leis sobre mudanças climáticas do presidente Joe Biden, aprovado recentemente, engloba incentivos para a eletrificação das frotas. Os consumidores devem ganhar subsídio de US$ 7,5 mil para a compra de elétricos que custem menos de US$ 55 mil.

No começo de agosto, a China estendeu, sem data de término, a isenção de impostos para elétricos, que foi instituída em 2014 e iria até dezembro.

A chinesa Caoa Cherry produzirá híbridos na fábrica de Goiás — Foto: Divulgação
A chinesa Caoa Cherry produzirá híbridos na fábrica de Goiás — Foto: Divulgação

No Brasil, por ora, alguns estados já oferecem IPVA (Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores) mais barato para elétricos e híbridos, como é o caso do Rio de Janeiro, cuja alíquota é de 0,5% ante 1,5% do gás natural ou híbridos e 4% do carro a combustão. O Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), porém, é mais alto para o elétrico do que o de etanol. ABVE defende uma política de incentivos para o setor.

Aposta nos híbridos a etanol

No Brasil, as montadoras ainda divergem sobre qual deve ser o modelo hegemônico no futuro, mas apostam em soluções elétricas e movidas a biocombustíveis, como o caso dos veículos híbridos. Duas fabricantes, Toyota e Caoa Chery, já produzem modelos híbridos que utilizam etanol. Outras fabricantes, como a Stellantis (dona da Jeep, Peugeot, Citroën e outras marcas), a Volkswagen e a Nissan já anunciaram planos para produzir esse tipo de automóvel no futuro.

Essas companhias estão de olho em um filão de mercado: o de veículos menos poluentes. Se, para Europa e Estados Unidos, os elétricos parecem a melhor alternativa, especialistas apontam que os híbridos a etanol podem fazer mais sentido por aqui, já que a produção local do biocombustível é ampla e acessível.

— Pelo know-how do Brasil na área de biocombustíveis, acreditamos que um modelo que combine isso com eletrificação deve ganhar escala — diz a diretora de Sustentabilidade da Toyota na América Latina, Viviane Mansi.

A Toyota foi a primeira no mundo a produzir um híbrido, o Prius, na década de 1990. O modelo movido a etanol e eletricidade chegou ao mercado, no modelo Corolla sedan, em 2019. Os produzidos aqui, nas fábricas de Sorocaba e Indaiatuba (SP), são também exportados para a América Latina. Em maio, a montadora também fechou uma parceria com a White Martins para testar a tecnologia das células de combustível de hidrogênio.

Airton Cousseau: a Nissan também está testando a célula de combustível, mas utilizando etanol — Foto: Divulgação
Airton Cousseau: a Nissan também está testando a célula de combustível, mas utilizando etanol — Foto: Divulgação

A Nissan também está testando a célula de combustível, mas utilizando etanol. Em junho, renovou a parceria com o Instituto de Energia e Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) para desenvolver uma nova tecnologia que usa etanol para gerar energia elétrica dentro do motor. Sem necessidade, portanto, de postos de recarga elétrica. O desafio agora do projeto do SOFC (sigla em inglês para Célula de Combustível de Óxido Sólido) é diminuir o tamanho do sistema e aprimorar o funcionamento.

Na estratégia da companhia, chamada de Ambition 2030, está o desenvolvimento de 23 modelos eletrificados até 2030, dos quais, 15 são 100% elétricos. A expectativa é que até metade de suas vendas já sejam de modelos híbridos e elétricos até lá.

— Não sei se vamos ter uma tecnologia dominante em termos de propulsão de veículos. Acho que vamos ter os 100% elétricos, híbridos e híbridos plug-in (que têm tomada para recarga elétrica) convivendo — afirma o presidente da Nissan Mercosul e diretor geral no Brasil, Airton Cousseau.

A chinesa Caoa Chery aposta nos elétricos e nos híbridos. O iCar, importado da China, começou a ser comercializado por R$ 139,9 mil em junho.

— Para cada veículo a combustão, temos um similar elétrico. Damos o direito ao consumidor de escolher o produto que quiser — afirma o CEO da Caoa, Mauro Correia.

Em junho, a montadora anunciou que irá fabricar os híbridos em sua fábrica de Anápolis (GO), onde produz também elétricos — a de Jacareí (SP) será adaptada para a fabricação de veículos elétricos nos próximos anos.

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