ESG
PUBLICIDADE

Por Naiara Bertão — São Paulo

Na quarta-feira, véspera do depoimento do ex-executivo-chefe da Americanas Miguel Gutierrez, na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), sobre a dívida bilionária da companhia e as inconsistências contábeis, o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) discutiu as lições que já é possível tirar do caso, ainda que pouco se sabe sobre a problemática.

Na sede da entidade, em São Paulo, dezenas de conselheiros e associados estavam atentos ao que os participantes dos painéis falavam. Ainda que a ideia era, em um primeiro momento, discutir “escândalos” corporativos, no plural, e o que a governança precisa fazer para evitá-los e resolvê-los, a conversa de uma hora e meia de duração só girou em torno do caso Americanas.

O estouro do caso da varejista foi em meados de janeiro deste ano, quando o recém-empossado presidente da organização, Sergio Rial, surpreendeu o mercado ao vir a público, em comunicado, falando que havia “inconsistências contábeis” e renunciou ao cargo.

Pouco foi explicado na ocasião e, até agora, o que se sabe é que cerca de R$ 20 bilhões estavam sendo contabilizados como dinheiro devido a “Fornecedores” e não “Despesas Financeiras” com instituições financeiras, como deveriam.

Na prática, a empresa direcionava a dívida com os fornecedores aos bancos, que antecipavam aos parceiros o pagamento. A dívida, portanto, que antes era da empresa com o fornecedor, passava a ser da empresa com o banco, sujeito a juros bancários.

Esse movimento, chamado de risco sacado, é praxe no varejo. O problema, explicou Sandra Peres, analista de sell side do PagBank e conselheira da Apimec Brasil, no evento, é que tudo isso deveria constar como dívida financeira e não de fornecedores.

No evento, foram abordados desde erros de comunicação com os stakeholders, até possíveis penalizações para a empresa, passando pelas possíveis falhas de controles internos e a limitação do papel da auditoria externa e de analistas de empresas para captar os erros que estavam sendo cometidos na varejista por anos.

- A grande pergunta é onde está o G (governança) do ESG. Sem o G, não dá para fazer o E (ambiental) e S (social) - provocou Roberto Faldini, cofundador do IBGC e conselheiro de diversas empresas e de organizações, e quem mediou o painel.

Ele também traz que que nenhuma empresa está ilesa de problemas, mas que a governança bem feita pode ajudar a evitá-los e minimizá-los.

-Governança é cultura, são princípios éticos que devemos manter, buscando as melhores informações que podemos ter. Não existe receita que vale para todas as empresas. Existem idiossincrasias, aspectos culturais diferentes, mas é papel da governança ajudar as empresas a não se envolverem em casos como esse - diz Faldini.

As lições apresentadas sobre o caso Americanas

Comunicação falha e ineficiente

Segundo Sandra Peres, da Apimec, toda a comunicação com o mercado foi feita de forma errada. O ideal, diz, teria sido uma explicação pública para investidores, analistas, clientes, credores e fornecedores sobre tudo que havia sido descoberto até então e quais os passos que a empresa pensava seguir.

- Esse escândalo da Americanas foi um dos maiores já visto na área contábil. Não só o caso em si, mas a forma com foi anunciada. Mais de 16 mil fornecedores atingidos e quase todos os grandes bancos são grandes credores da Americanas, e o caso está atrapalhando o setor como um todo. A forma como (os executivo) trouxeram ao mercado(o escândalo) foi errônea. A conferência de Rial com bancos foi feita a portas fechadas e o mercado precisou se valer de informações que vazavam -explica.

Omissão de informações

Segundo Sandra, a empresa omitiu informações importantes no balanço, sobre o que inclui nas contas de “fornecedores” e de “despesas financeiras” e que havia feito essa mudança, e, como os analistas, diz, se valem do balanço para fazer sua análise sobre a saúde da empresa, ficou muito difícil identificar o problema.

É difícil identificar porque levamos em consideração que as informações levadas ao mercado estão sendo auditadas, e apresentadas de forma correta. Desde 2016, a CVM e a Apimec dizem que é preciso ter grande transparência em todas as compras, inclusive no risco sacado.

- A gente acredita - e espera - que o que aconteceu com a Americanas seja uma lição para todos daqui em diante. Mesmo que as informações passem por todos os caminhos necessários e cheguem ao mercado de maneira correta, o caso acende a luz para a necessidade de certificar se a companhia está tendo a governança correta - diz Sandra Peres, da Apimec.

Ela lembra que alguns analistas até estranharam a crescente conta de “fornecedores” da empresa e até alertavam investidores para isso, mas que não era possível prever o problema que mais tarde se revelou.

- Se nem analistas identificaram, para investidores pequenos é mais difícil ainda (prever problemas como esse) - acrescenta.

Neste ponto, Rogério Mota, diretor técnico do Instituto de Auditores Independente do Brasil (Ibracon), lembra que há desconhecimento por parte de muitos stakeholders sobre o papel exato do auditor externo e que ele é mais limitado do que muitas pessoas acreditam.

- Há um gap [diferença] de expectativa entre o que é trabalho do auditor e o que a sociedade espera do auditor. Auditoria é um conjunto de trabalhos executados por profissionais qualificados que partem de dados vindos de controles internos, órgãos de administração, governança, que monitoram e asseguram que a companhia produza demonstrações financeiras sem distorções materiais - explicou Mota no painel.

4ª Vara Empresarial levanta sigilo de investigação sobre inconsistências contábeis do Grupo Americanas — Foto: Domingos Peixoto/ Foto de arquivo
4ª Vara Empresarial levanta sigilo de investigação sobre inconsistências contábeis do Grupo Americanas — Foto: Domingos Peixoto/ Foto de arquivo

Dito disso, ele comentou que o nível de segurança do trabalho de auditoria externa é “razoável”, por trabalhar, por exemplo, com amostragem nas verificações de riscos, e continua dizendo que seria inviável, inclusive financeiramente, ter uma auditoria externa 100% garantida, já que exigiria comprovação de todas as transações financeiras de uma companhia.

- A distorção de informação pode ser não intencional, pode vir de um interpretação errônea da norma contábil. A fraude ocorre quando é arquitetada para isso e pode ser de uma adulteração de uma nota de reembolso, a um pequeno gestor que melhora sua performance individual, até fraudes de grandes proporções. No último caso, geralmente há envolvimento da alta administração ou de pessoas próximas, que tenham poder para isso - diz.

Risco reputacional e criminal

Marcelo Zenkner, sócio das áreas de Direito Administrativo e projetos governamentais e de compliance e investigação de TozziniFreire Advogados, explicou em detalhes que se uma empresa de capital aberto omitir ou adulterar informações ou, ainda, se dificultar análise sobre sua condição operacional e/ou financeira por parte de analistas, ela pode sofrer sanções, de acordo com o que dita a Lei nº 12.846, de 01 de agosto de 2013, chamada de Lei Anticorrupção.

Por sanções, há uma previsão, por exemplo, de multa “no valor de 0,1% (um décimo por cento) a 20% do faturamento bruto do último exercício anterior” da empresa, entre outras.

Zenkner diz ainda que a legislação deixa claro que os atos podem se enquadrar em três categorias, sendo uma delas “atentatórios ao patrimônio ou administração pública ou compromissos internacionais assumidos pelo Brasil”.

Neste ponto, ele lembra que o Brasil assumiu, na reunião do G20 em Pittsburgh (EUA) , em 2019, compromisso internacional de implementar regras internacionais de divulgação contábil, em consonância com padrões de contabilidade adotados no mercado de capitais.

- Qualquer uma das condutas pode ser enquadrada; não precisa haver corrupção para dizer que houve atos lesivos - acrescenta.

Cita, por exemplo, casos em que pessoas da empresa dificultam as atividades de fiscalização ou intervêm na apuração das agências reguladoras ou órgãos de fiscalização do sistema financeiro nacional.

- A Instrução 358 da CVM obriga as empresas a informar corretamente o mercado, para que possa o mercado se preparar para informações de caráter relevante e que podem influenciar no valor ou mercado de ações - lembra Zenkner.

Para ele, é a governança que deve prevenir que atos como esses aconteçam.

O advogado lembra ainda que além de risco de crimes , há risco reputacional significativo também, que deve ficar de lição ao mercado. Ele cita que estudos mostram que “40% do valor de companhias de capital aberto está vinculado à sua reputação”, sem citar a fonte exata, e que a responsabilidade para zelar por isso é dos administradores.

- Os administradores devem tomar todas as providências para gerir da melhor forma possível a empresa, como se fosse deles. É importante demonstrar que tudo que poderia ter sido feito para evitar o problema, foi executado - diz.

E tudo isso, finaliza, deve ser documentado para efeito de isenção de responsabilidade em casos de escândalos.

Zencker cita como uma das ações que podem ser feitas a transposição de sistemas de compliance com outros internos das empresas para ajudar a identificar algo errado e fazer o que é certo.

Em nota divulgada ao Prática ESG após o fechamento e publicação desta reportagem, a assessoria de imprensa do ex-presidente da Americanas, Sergio Rial, explica que o evento a que a analista se refere, foi aberto e não fechado a poucos convidados, acrescentando que "possuía a maior capacidade de atendimento por meio on-line já tida em um evento do BTG".

"Quando superada, o encontro começou a ser gravado e um resumo do que havia sido falado antes foi feito para que todos tivessem acesso às informações. Toda o evento se concentrou no que o fato relevante tratou", disse ainda.

Segundo a nota, outro vídeo foi gravado ao fim do encontro, e o conteúdo, incluindo a íntegra da apresentação, disponibilizado pela área de Relações com Investidores da Americanas.

Webstories
Mais recente Próxima De escova de dente de bambu a combustível verde, aviação está na rota do ESG
Mais do Globo

A decisão é da 4ª Câmara de Direito Privado do TJ do Rio

Vendedora ambulante será indenizada após ser abordada com violência no Metrô do Rio

Como francês Stephan Dunoyer de Segonzac deu pontapé inicial do esporte no país ao decolar dos pés do Cristo Redentor, em setembro de 1974

'Homem-pipa': O voo que inaugurou a asa-delta no Brasil, há 50 anos

Neurocirurgião Jacinto Lay sofreu queda em março do ano passado, quando pilotava sozinho uma aeronave de pequeno porte

Estado de saúde de médico que pilotava avião que caiu em Teresina é grave; piloto já tinha caído outra vez

BepiColombo, uma missão conjunta europeia e japonesa, concluiu seu último sobrevoo por Mercúrio, enviando uma prévia do planeta cheio de crateras que começará a orbitar em 2026

Novas imagens mostram a superfície de Mercúrio como nunca vista antes;  veja com detalhes nítidos

Supremo Tribunal Federal reservou três semanas para ouvir 85 testemunhas de defesa de cinco réus, sendo que algumas são as mesmas, como os delegados Giniton Lages e Daniel Rosa, que investigaram o caso

Caso Marielle: audiência da ação penal contra irmãos Brazão e Rivaldo Barbosa será retomada hoje pelo STF

A decisão do candidato da oposição de deixar a Venezuela por temer pela sua vida e pela da sua família ocorreu depois de ter sido processado pelo Ministério Público por cinco crimes relacionados com a sua função eleitoral

Saiba como foi a fuga de Edmundo González, candidato de oposição da Venezuela ameaçado por Nicolás Maduro

Cidade contabiliza 21 casos desde 2022; prefeitura destaca cuidados necessários

Mpox em Niterói: secretária de Saúde diz que doença está sob controle

Esteve por lá Faisal Bin Khalid, da casa real da Arábia Saudita

Um príncipe árabe se esbaldou na loja da brasileira Granado em Paris