Economia

Especial ESG: Novo capitalismo alia lucro e sustentabilidade

Em live, especialistas afirmam que geração de valor deve ser para todos e que país precisa de uma pauta adaptada a sua realidade, com foco na desigualdade
Em sentido horário: Luciana Rodrigues, editora de Economia; Fabio Alperowitch, sócio fundador da  Fama Investimentos; Gabriela Chaves, economista fundadora da NoFront; e Thais Castro, diretora de RH LATAM do PageGroup Foto: Gabriel Monteiro / O Globo
Em sentido horário: Luciana Rodrigues, editora de Economia; Fabio Alperowitch, sócio fundador da  Fama Investimentos; Gabriela Chaves, economista fundadora da NoFront; e Thais Castro, diretora de RH LATAM do PageGroup Foto: Gabriel Monteiro / O Globo

RIO - A agenda ambiental, social e de governança (ESG, na sigla em inglês), que antes era um debate de nicho e um diferencial para as empresas, vem se tornando padrão. E quem não se adaptar corre riscos. Especialistas alertam que as companhias brasileiras precisam acelerar as mudanças e, assim, fazer uma transição de modelo de gestão, visando a um novo paradigma. Uma migração para o chamado “capitalismo de stakeholders”, ou seja, empreendimentos que geram valor para todas as partes envolvidas no negócio, não apenas os acionistas.

Boas práticas: No meio ambiente, pressão externa e de consumidores chega a fornecedores

Esse processo não deve se resumir à importação de políticas moldadas em experiências internacionais. Deve se adequar à nossa realidade, dando peso a questões como condições de trabalho e desigualdade social, de raça e de gênero, mais latentes no Brasil que em países europeus, por exemplo.

Essas foram algumas das principais conclusões da live “Como o conceito ESG impacta o mercado de trabalho e os investimentos”, uma realização do jornal O GLOBO e da revista Época, com patrocínio da Aegea Saneamento. O evento ocorreu na tarde de segunda-feira e teve mediação da editora de Economia do jornal, Luciana Rodrigues.

Risco de fake news: Informação é crucial no combate ao "greenwashing"

— O objetivo não será mais ter o maior lucro possível, mas o maior lucro sustentável. E tudo começa pela última letra da sigla, o “G”, de governança. A evolução de temas ambientais, sociais e de diversidade não vai acontecer se as instituições de governança das empresas não tiverem o peso e o direcionamento necessários para realmente incorporar estes critérios aos valores e às práticas corporativas — afirma Thais Castro, diretora de RH LATAM do PageGroup.

Desmatamento na Amazônia: investidores reconhece o problema, mas diz país se tornou 'carbonocêntrico' Foto: AFP
Desmatamento na Amazônia: investidores reconhece o problema, mas diz país se tornou 'carbonocêntrico' Foto: AFP

Para Fabio Alperowitch, sócio fundador da Fama Investimentos (um dos pioneiros na criação de fundos que investem em empresas sustentáveis), a agenda ESG deixou de ser uma escolha. Entretanto, ele alerta que o debate no Brasil ainda é contaminado por demandas estrangeiras, deixando em segundo plano problemas graves no país:

— A pauta ambiental é muito forte aqui. Ela é relevante para o mundo inteiro, mas o Brasil tem seus próprios problemas. Viramos meio “carbonocêntricos” e ficamos discutindo a emissão de carbono, enquanto temos 56% de negros. Essa questão racial não é uma pauta europeia. Também somos o sétimo país mais desigual do mundo e o segundo com mais mortes por acidente de trabalho do G-20 (grupo das 20 economias mais avançadas do planeta).

Entrevista: ´Não há dilema entre retorno ou propósito', diz presidente da EB Capital

Pressão dos mais jovens

Alperowitch lembra ainda que, no Brasil, a homofobia está bastante presente. Há também questões como corrupção, que precisam entrar com mais força na agenda. Ele defende uma priorização desses assuntos, sem prejuízo dos demais.

Embora o fundador da Fama tenha apontado que a pandemia gerou um debate sobre a função social das empresas, a economista Gabriela Chaves, fundadora da NoFront (plataforma de educação e empoderamento financeiro) avalia que a pauta ainda não evoluiu o suficiente e que as pressões externas, como ameaças de embargo a produtos nacionais, terão um peso chave para que a absorção do conceito ESG seja acelerada. Para ela, o país tende a “aprender não pelo amor, mas sim pela dor”.

Diversidade: Ampliar presença de profissionais negros é decisivo para empresas

Gabriela lembra que um dos desafios ESG é o elevado desemprego e a perda de renda diante da disseminação da Covid-19. Ressalta que, neste momento, boa parte da população está preocupada com a sobrevivência, vivendo em meio ao “estrangulamento” financeiro e de volta à insegurança alimentar:

— É importante a gente entender que o Brasil é um país extremamente desigual. E há uma série de exemplos que mostram que o caminho da inclusão e da igualdade é um caminho de prosperidade para toda a sociedade.

Os debatedores concordaram que é falsa a dicotomia entre preservação ambiental e desenvolvimento e lembraram que novas gerações, cada vez mais, se preocupam com o conceito ESG, seja como consumidores ou trabalhadores. Para Alperowitch, chegará um momento em que não será mais preciso pressão externa para que essa agenda se imponha:

— Um embargo nacional está chegando. Antes, o consumidor escolhia um produto considerando estética, qualidade e preço. Agora, muitos já se perguntam: os direitos trabalhistas foram preservados? A matéria-prima veio de área de desmatamento? As empresas que não se adaptarem vão perder mercado — diz o fundador da Fama.

Mudança passa pelos salários

A implementação das políticas ESG nas empresas depende da atuação dos funcionários, principalmente aqueles em cargos de gestão. Por isso, vincular a remuneração dos executivos no topo da hierarquia a metas ambientais, sociais e de governança é um caminho apontado por especialistas para transformar ideias em prática.

—Algumas empresas têm atrelado os bônus de altos executivos a metas ESG. A Gerdau, por exemplo, fez isso. É uma forma de garantir que as ações não sejam só de fachada — disse Thais Castro, diretora de RH LATAM do PageGroup, que participou do debate.

Compliance: Após Lava-Jato, empresas avançam em políticas anticorrupção

Ela ressaltou que muitos profissionais ainda não estão capacitados para lidar com esses temas. Daí a necessidade que as companhias os ajudem a desenvolver as competências necessárias.

— Se esses profissionais desenvolverem novas competências, provavelmente a cultura organizacional vai ser muito mais forte. As estruturas organizacionais vão estar preparadas para lidar com esse tema com velocidade e autonomia muito maiores.

A especialista em recrutamento observou que a adoção da agenda ESG também tem sido cada vez mais um instrumento de atração e retenção de talentos, em especial entre os millennials. Ao procurar emprego, os mais jovens priorizam empresas nas quais identificam seus valores, frisa Thais.