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Economia

'Estados ainda veem guerra fiscal como fundamental para atrair investimentos', diz economista

Vilma Pinto, da FGV, avalia que a reforma tributária possível é a projetada por Bernard Appy, mas prevê resistência ao projeto
Vilma: "No Brasil, nossa carga é alta e a desigualdade também". Foto: Bianca Gens / Divulgação/FGV
Vilma: "No Brasil, nossa carga é alta e a desigualdade também". Foto: Bianca Gens / Divulgação/FGV

RIO — Vilma da Conceição Pinto, economista da FGV-Rio especialista em finanças públicas e tributação, diz que a reforma tributária possível, dentro da atual conjuntura, é a desenhada por Bernard Appy, do Centro de Cidadania Fiscal. No entanto, prevê que haverá resistência de estados e municípios , tendo em vista que ela prevê unificação de impostos das três esferas.

Por que a reforma tributária é importante?

Por três razões. Nosso sistema tributário está muito desatualizado. Ele foi feito pensando na economia de meados dos anos 1960, quando a indústria respondia por 32% do PIB e os serviços, 22%. Hoje, o peso dos serviços é maior e o da indústria caiu, mas ela continua com uma carga tributária maior. Outro problema é a complexidade de nosso sistema, que diminui a eficiência das empresas e afasta investimentos.

Em um ranking com 137 países do mundo, o Brasil é o que tem o sistema tributário que mais prejudica os investimentos. E a terceira questão é a regressividade do nosso sistema, ou seja, quem ganha menos paga mais. Isso contribui para aumentar a desigualdade de renda. Nos países desenvolvidos, quanto maior a carga tributária, menor a desigualdade. No Brasil, nossa carga é alta e a desigualdade também. Esse último ponto não está contemplado por qualquer proposta de reforma até agora presentada.

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Por que as propostas deixaram esse ponto de fora?

Temos uma carga tributária elevada e nem por isso as contas públicas estão em ordem. Se diminuirmos a arrecadação de impostos o déficit público aumenta. Para manter a carga tributária neutra, ou seja, seguir arrecadando o mesmo montante mas fazer com que quem ganhe menos pague menos impostos, seriam necessárias duas reformas. Uma para reduzir a carga sobre bens e serviços e a outra para aumentar a carga sobre renda. Encaminhar dois projetos ao Congresso de uma vez só é complicado.

O que a reforma não pode deixar de fora?

Dentro do que a atual conjuntura econômica permite, a proposta desenhada por Bernard Appy (do Centro de Cidadania Fiscal) é a mais completa porque tende a beneficiar a economia como um todo, ainda que proporcione perdas individuais. Em suma, ela não muda a carga total, mas redistribui os pesos. Ou seja, não haveria perda de arrecadação, mas alguns setores passariam a pagar mais, porque têm maior participação na economia, e outros menos porque essa participação encolheu ao longo dos anos.

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Dessa forma, pessoas que consomem mais serviços do que produtos provavelmente pagarão mais porque o setor de serviços, que deve ter sua carga aumentada, tende a repassar isso aos seus preços. Ela também unifica os tributos das três esferas, extinguindo, por exemplo, Pis e Confins, que é federal, o ICMS, estadual, e o ISS, municipal. A união recolheria tudo e depois faria a divisão. Por isso, já há sinais de resistência de estados e municípios.

Por que existe essa resistência?

Com a mudança, haveria perda de autonomia. Pois hoje, estados e municípios podem definir alíquotas diferentes para cada produto ou serviço. Na proposta do Appy, eles terão ainda poder de definir alíquotas, mas ela terá de ser a mesma para todos os produtos e serviços. Isso acabaria com a guerra fiscal, por exemplo, algo que os estados veem como fundamental para atrair investimentos.

Mas isso vai contra o pacto federativo, que é a ideia defendida por Guedes (Paulo, ministro da Economia), de descentralizar recursos, dar mais autonomia a estados e municípios para gerir recursos públicos. Por isso, o ministro já fala em enviar uma proposta (ao Congresso) tirando estados e municípios dessa reforma, contemplando só a unificação do tributos federais.

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Isso vai gerar uma batalha semelhante à da aprovação da reforma da Previdência?

Sim, só que na da Previdência o governo queria que estados e municípios entrassem, agora que eles fiquem de fora, para facilitar a aprovação. Vai ser uma dificuldade convencer estados e municípios da necessidade de serem incluídos. Mas a guerra fiscal, por exemplo, é prejudicial. Sem ela estados poderiam arrecadar mais. A proposta do do Appy unifica os tributos, que seriam distribuídos entre estados e municípios e ainda dando certa autonomia a eles.

Por que até hoje não conseguimos fazer uma?

É um debate de tempo, de necessidade de muitos anos, mas sem força de ir adiante. Até a década passada o governo conseguia fazer ajuste fiscal aumentando carga tributária, criando novos impostos, porque tinha uma economia um pouco mais favorável que contribuía para que as contas fiscais ficassem mais equilibradas. Mas, hoje, não há mais espaço para aumentar a carga. É preciso um sistema mais simples, transparente e que contemple a equidade.