Economia

Europa quer que o Google apague no mundo inteiro links ‘inadequados’

Brasil, mesmo sem uma legislação similar, é vice-campeão planetário de pedidos de remoção e já discute mecanismos para fortalecer internautas

Google: sob pressão da Europa.
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Google: sob pressão da Europa. Foto: / Foto AFP

RIO — A facilidade para encontrar informações pessoais alheias — atuais ou não, íntimas ou públicas — com apenas uma busca a Google, Yahoo! ou similares vem intensificando o debate (e as preocupações) sobre os tênues limites entre liberdade de expressão, direito à informação e defesa da privacidade. Um dos principais palcos dessa discussão global, a Europa deu esta semana mais um passo para aprofundar o chamado direito ao esquecimento. Seis meses depois de o Tribunal de Justiça da União Europeia decidir que os cidadãos do continente podem pedir aos sites de buscas que removam de suas versões locais links sobre si considerados “irrelevantes, inadequados ou desatualizados”, agora as autoridades do bloco determinaram que o apagamento seja em nível mundial. Ou seja, não basta que a versão, por exemplo, do site espanhol apague um conteúdo que afete um determinado cidadão daquele país; é preciso que o servidor central, geralmente nos EUA, também o faça.

Brasil já debate lei similar

O Brasil, que, mesmo sem uma legislação similar, é vice-campeão planetário de pedidos de remoção de links no site, também já discute mecanismos para fortalecer os internautas nessa queda de braço. Pelo menos um projeto de lei tramita na Câmara dos Deputados instituindo por aqui o direito de ser esquecido.

De acordo com o maior buscador, o Google, desde que a medida europeia foi adotada, em maio, já houve mais de 174 mil pedidos de remoção de conteúdos, referentes a 602 mil links. Das URLs examinadas, 41,5% (cerca de 208 mil) foram de fato removidas, e 58,5% (294 mil), mantidas on-line — o buscador não é obrigado a remover informações de interesse público ou referentes a pessoas públicas.

A determinação de retirada de links globalmente desagradou ao Google. Ao participar de um congresso da Associação Internacional de Profissionais de Privacidade (IAPP, na sigla em inglês), em Bruxelas, o conselheiro global de privacidade da companhia, Peter Fleischer, defendeu que a medida se restrinja a cada país:

— Outras cortes em outras partes do mundo nunca chegariam à mesma decisão que o Tribunal de Justiça Europeu. Países têm regras e leis diferentes, é preciso respeitá-las.

As novas orientações da UE seguem um caso recente em que o Tribunal de Grande Instância de Paris determinou, de maneira inédita, que a filial francesa do Google pague uma multa diária de € 1 mil até que a sua matriz internacional retire do mecanismo de busca links solicitados por um advogado francês, considerados difamatórios.

Durante o congresso em Bruxelas, Peter Fleischer explicou alguns dos dilemas que a companhia enfrenta no momento de acatar ou não uma solicitação de remoção de link.

— Há casos que são um “sim” fácil. Há também os “nãos” fáceis... e aqueles que são realmente difíceis, no meio do caminho — explicou o executivo, citando como exemplo do primeiro caso o de uma mulher que teve imagens íntimas expostas on-line por um ex-namorado e, do segundo, o de um político italiano condenado por corrupção.

Como exemplo de decisão difícil, o executivo mencionou o pedido de um homem que foi condenado por um crime muito tempo atrás:

— A priori, por que não acataríamos o pedido? Acontece que depois descobrimos que o requisitante tem um histórico de diversas condenações pelo mesmo crime. Com essa informação, esse tipo de pedido toma uma nova perspectiva.

E mesmo as jurisdições sobre o direito de ser esquecido ainda não estão claras na Europa. No último domingo, o empresário britânico Daniel Hegglin ganhou as manchetes do seu país ao anunciar um acordo com o Google para a remoção de links que o acusavam de assassinato, pedofilia e ligação com a organização racista Ku Klux Klan.

Inicialmente, o Google queria que Hegglin solicitasse a retirada dos endereços por meio do formulário digital, como se fosse mais um caso de direito ao esquecimento. No entanto, o advogado do empresário alegou que se tratava de crime de difamação.

Entre os maiores críticos da remoção de links está o secretário de Cultura, Mídia e Esporte da Inglaterra, Sajid Javid, para quem a medida representa “um ataque direto à liberdade de imprensa”, já que permite remover links de matérias jornalísticas, beneficiando “até terroristas”.

— Criminosos estão tendo as suas sentenças apagadas da História, mesmo quando condenados por outros crimes similares posteriores. Terroristas têm pedido aos buscadores que apaguem referências aos seus julgamentos — afirmou.

Para o advogado Leandro Bissoli, especialista em Direito Digital e sócio do escritório PPP Advogados, a discussão se globalizou e começa a esbarrar nas jurisdições dos países.

— Me parece natural que esse assunto passe por órgãos como a ONU ou por acordos internacionais, já que o domínio da internet é algo que extravasa as fronteiras nacionais.

Ainda incipiente no Brasil, a legislação sobre o tema pode ganhar um reforço, caso seja aprovado o projeto de lei 7.881/2014, de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), atualmente em tramitação na Câmara. Claramente inspirado na normativa europeia, o texto torna “obrigatória a remoção de links dos mecanismos de busca da internet que façam referência a dados irrelevantes ou defasados, por iniciativa de qualquer cidadão ou a pedido da pessoa envolvida”.

Por aqui, 237 pedidos de remoção em seis meses

Mesmo sem uma lei específica, o tema já é frequente nos tribunais por aqui. De acordo com um relatório do Google, os 237 pedidos de retirada de links por via judicial registrados em território nacional entre janeiro e junho de 2013 (último dado disponível) só foram inferiores, globalmente, aos 438 dos EUA. Pesquisador do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV-Rio, Luiz Fernando Moncau afirma que o direito de ser esquecido é uma das principais pautas do mundo digital num futuro próximo:

— O assunto já aparece no Supremo Tribunal de Justiça (STJ), devido aos casos de pessoas que se envolveram com crimes no passado, já cumpriram as suas penas, mas hoje se sentem prejudicadas por referências on-line às sentenças. É um grande tema para 2015.