Fabio Giambiagi
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Fabio Giambiagi

Economista

Por Fabio Giambiagi


Quando Bolsonaro passou a liderar as pesquisas para a eleição em 2018, o Brasil se defrontou com um fenômeno que, a rigor, esteve crescendo durante os dois anos anteriores, sem que a imprensa, na época, tivesse prestado muita atenção.

Mal comparando — porque se trata de outro país, no qual naturalmente se coloca menos atenção que no próprio — chegou a hora da imprensa brasileira olhar com lupa o que está acontecendo na Argentina com o “fenômeno Milei”.

Javier Milei é a mais nova expressão dos outsiders que, de vez em quando, irrompem na política tentando fazer tábula rasa da ordem anterior. Defensor de Trump, aliado da família Bolsonaro, autoproclamado “anarcolibertário”, ele é um economista relativamente jovem que começou a se notabilizar nos programas de TV pelo seu estilo “franco e rude”.

Dono de uma cabeleira que lembra o jornalista Guga Chacra, com um passado de ex-goleiro do Chacarita Juniors e “jeitão” de roqueiro, tornou-se figurita repetida de debates na televisão, onde se caracterizava por uma agressividade que o tornou enfant gaté de toda a mídia, por assegurar níveis elevados de audiência.

Hábil comunicador, enfrentando alguns dos “temas sagrados” da esquerda que em geral o politicamente correto recomendava não encarar de frente, foi ganhando espaço, a ponto de, nas eleições de 2021, ter se tornado deputado, fazendo uma campanha digna de popstar.

Com posições econômicas extremas — é a favor de dolarizar a economia argentina e eliminar o Banco Central — passou depois a mirar mais alto e hoje é candidato à Presidência em 2023, estando em algumas pesquisas já perto de 20% dos votos a nível nacional, aproximadamente e, em uma ou outra, desbancando o peronismo do segundo turno.

Milei, mal comparando, é uma mistura de Bolsonaro com Hayek, para que o leitor tenha uma ideia do personagem. Embora difícil de definir com precisão — porque nele se misturam um liberalismo extremo com traços de anarquismo contra o Estado, com base na tese de que “todo imposto é um roubo” — o fato é que, aparecendo como uma forma diferente de “terceira via”, mas com uma pregação contundente contra o que ele denomina de “casta política”, se tornou um desafio complexo de administrar para o espectro político argentino.

A oposição ao kirchnerismo ligada a Macri flertou com ele nos primórdios, sem atentar para a lição de Golberi sobre a criatura que ele tinha ajudado a dar à luz — o SNI — e acerca da qual anos depois diria: “Eu criei um monstro”.

A princípio, caberia imaginar que um candidato contra o sistema, num país com uma sólida tradição partidária como a Argentina, teria poucas possibilidades de sucesso.

Porém, numa economia onde civis e militares fracassaram por igual, onde o peronismo, o radicalismo e o macrismo têm sua cota própria de frustrações, a inflação alcança mais de 100% e, nas reuniões de focus groups, diversos especialistas em marketing político relatam que, quando fazem a pergunta de “o que a política é para você?” e pedem para o cidadão comum discorrer, se defrontam com homens de 30, 40 e 50 anos que simplesmente começam a chorar copiosamente de impotência, pela falta total e absoluta de perspectivas, não dá para descartar nenhum cenário.

Diante da pergunta dos jornalistas acerca do que fará se, caso eleito presidente, tiver que enfrentar um Congresso de oposição, pelo contraste entre a sua votação e a do seu pequeno partido, a resposta que Milei dá é de livro-texto de autocrata: “Vou convocar o povo e explicar que nossas propostas não avançaram porque o Congresso não deixa. E vou submeter esses temas a plebiscito”.

Seria uma espécie de laissez-faire de índole chavista. Quem conhece um pouco de História, sabe como esses episódios acabam. Se a aliança que elegeu Macri em 2015 se fragmentar em 2023, o cenário argentino para as eleições estará em aberto. E seria bom o Brasil prestar atenção, porque em matéria de “casta política” temos o nosso próprio telhado de vidro.

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