Economia

Falta de embalagens e aumento de preços de marmitas, copo e canudo afetam delivery

Devido à pandemia de Covid-19, muitos restaurantes, bares e cafés tiveram que se adaptar ao serviço de entrega
Os sócios do restaurante Poró: Clarice Coutinho e Fabiano Murta. Foto: Divulgação
Os sócios do restaurante Poró: Clarice Coutinho e Fabiano Murta. Foto: Divulgação

RIO — Depois de várias tentativas de comprar embalagens a vácuo com diversos fornecedores, Clarice Coutinho, dona do restaurante Poró, na Cidade Nova, ficou sem a mercadoria que utiliza para entregar encomendas aos clientes. No mês seguinte, o preço passou de R$ 0,13 para R$ 0,20, a unidade — uma alta de 53%.

Sem carnaval: Mês de fevereiro deixa um buraco de R$ 5,5 bilhões nas economias de Rio e São Paulo

O mesmo ocorreu até com as luvas para manipulação dos alimentos. Quando seu fornecedor voltou a oferecer o produto, o reajuste foi de 34%, com o valor passando de R$ 35 para R$ 47, o lote.

— O aumento foi de um mês para o outro. Até luvas de manipulação de alimentos e sacos craft nós tivemos dificuldade em encontrar. A embalagem de pote de açaí nós tivemos que parar que comprar porque o preço subiu demais e não compensava mais — avalia Clarice.

Ela acrescentou:

— Com a crise que todos enfrentam, tivemos em vários momentos que absorver os aumentos e fazer promoções no cardápio para manter os clientes e sustentar o negócio.

Sem folia: De glitter para sabonetes a trio elétrico para festa religiosa, veja como pequenas empresas se adaptaram

Outros itens essenciais ao trabalho de entrega de restaurantes, bares, cafés que tiveram que se adaptar ao delivery viraram raridade no mercado brasileiro, e isso tem prejudicado os comerciantes.

Entre os produtos em falta estão caixas de papelão, marmitas de isopor, talhares de plástico, luvas, copos e canudos. No caso das caixas de papelão, para alguns comerciantes a alta supera 150%, e a da marmitex passa de 30%.

A escassez dos produtos veio acompanhada da forte elevação nos preços. Itens como marmitex e talheres de plástico dobraram de preço, segundo os comerciantes.

Além disso, os fornecedores esticaram os prazos de entrega das encomendas e têm privilegiado compras coletivas. O cenário tem pressionado ainda mais a margem dos comerciantes e impactado também os consumidores.

Com piora da pandemia: Estados pedem mais recursos à União

Dona do Café Quatro Marias Boulangerie, em Penedo, Angélica Souza Lacerda conta que a casa não chegou a ficar sem embalagens, mas, nas linhas de isopor e de papelão, o aumento dos preços chegou a 100%. Mesmo assim, eles absorveram a alta e não repassaram o aumento aos clientes:

— Não tem como reajustar os preços toda hora, até porque os preços dos insumos estão parecendo uma montanha-russa. Estamos segurando qualquer reajuste na pandemia para continuar fidelizando a clientela, mas acho que do meio do ano não passa. Tem muita coisa aumentando — conta Angelica.

Crescimento: Durante panemia, consórcios ressurgem e já têm quase 8 milhões de participantes

Demora na produção

Gerente executivo da Associação dos Produtores de Queijo da Canastra (Aprocan), Higor Freitas explica que, quando o estoque de embalagens acabou, e os produtores começaram a fazer novos pedidos aos fornecedores, a matéria-prima havia chegado ao fim na fábrica.

A previsão de chegada de uma nova remessa seria de três meses. O jeito foi improvisar com outros tipos de embalagem para não atrasar as entregas aos clientes:

Produtores de queijo da Canastra em Minas ficaram sem embalagens. Foto: Divulgação
Produtores de queijo da Canastra em Minas ficaram sem embalagens. Foto: Divulgação

— Nós ainda não conseguimos superar essa crise de falta de embalagem. A caixa individual, por exemplo, sofreu aumento de preço de 112%. As caixas coletivas, para 20 queijos, pela qual pagávamos R$ 3 antes da pandemia, agora custa R$ 8, R$10, e mesmo assim com um material que não tem a mesma qualidade — ressalta Higor, acrescentando que os produtores reduziram suas margens de lucro para não repassar o reajuste integralmente aos consumidores.

Serviços: Setor recua em dezembro e encerra 2020 com tombo recorde de 7,8%

A prévia de fevereiro do IGM-P, da Fundação Getulio Vargas (FGV), mostrou que os preços dispararam 27%, em 12 meses. Segundo o economista da instituição André Braz, o grupo de embalagens pesou no cálculo:

— Tem matéria-prima que subiu 65%, como os sacos têxteis. As embalagens de plásticos tiveram alta de 45%. As garrafas e os frascos de plástico subiram 34,9%, em 12 meses. Como todo mundo foi às compras ao mesmo tempo, a indústria não deu conta de tantos pedidos. A retomada das atividades pegou uma indústria com estoque baixo e desmobiilizada. E não é do dia para noite que vai se ajustar — explica Braz.

Faça suas contas: Calculadora do GLOBO mostra se você gastou mais ou menos na pandemia

Além disso, as empresas já precisaram reduziram o ritmo de atividade por falta de matéria-prima. Quem consegue produzir não pode distribuir o produto por falta de embalagens de papelão, plástico e vidros.

— Antes da pandemia, os restaurantes se abasteciam de embalagens maiores para armazenar os produtos. Depois que os restaurantes passaram a entregar mais os alimentos, houve a necessidade de comprar pequenos potes e unidades fracionadas. Foi um desafio para a indústria e os fornecedores —  enfatiza o presidente da Associação Brasileira de Embalagens, Marcos Barros.

Barros ressalta:

— A indústria começou a trabalhar forte para suprir este mercado e a cadeia de suprimentos. Mas até voltar de ponta a ponta leva de seis meses a um ano depois de uma parada na cadeia produtiva.

Viu isso? Inadimplência volta a subir principalmente entre pequenas empresas, com fim das medidas de auxílio

Normalização só no meio do ano

Vários fatores contribuíram para a falta de embalagens, desde a parada de produção no início da pandemia, a escassez de matéria-prima na indústria e até o crescimento da demanda provacada pelo delivery.

O primeiro fator que explica a falta de insumos nos últimos meses foi um desarranjo das cadeias produtivas a partir do isolamento social e do fechamento das unidades produtivas. Depois, quando a atividade começou a ser retomada, e os varejistas precisaram comprar para repor estoques, as indústrias estavam com a produção ainda reduzida e sem estoques para atender à demanda do comércio e dos fornecedores.

Portugal: Quer viver, trabalhar e empreender? Confira os incentivos para você fazer isso no interior

Além disso, a combinação de alta de preços das commodities com a escalada do dólar gerou uma pressão nos preços do mercado interno de produtos como algodão, aço, alumínio, papel e celulose.

Para o presidente da Associação Brasileira de Embalagens, Marcos Barros, outro fator que gerou descompasso foi a mudança na natureza dos pedidos. Se antes havia maior demanda por produtos e embalagens maiores, o apetite por embalagens menores para atender às entregas e delivery, especialmente de alimentos.

— A indústria prevê uma certa estabilização entre a oferta e a demanda no segundo trimestre. Na metade do ano, estamos esperando que tudo volte ao normal. O papel e papelão são os últimos a se estabilizar, porque foram os que mais sofreram pela falta de insumo na cadeia. Houve falta em alguns segmentos, especialmente o de pequenos consumidores de embalagens — observa Barros.

Avanço: Cooperativas viram saída para crédito a pequenas empresas

De acordo com dados da Associação Brasileira da Indústria de Embalagens Plásticas e Flexíveis (Abief), o setor de embalagens flexíveis registrou uma produção de 562 mil toneladas, uma alta de 8,8% no terceiro trimestre do ano passado em comparação ao trimestre anterior. No acumulado de janeiro a setembro de 2020, a produção chegou a 1,588 milhões de toneladas.

A justificativa é a aplicação das embalagens flexíveis em itens de primeira necessidade, como alimentos, bebidas, varejo, entre outros. A indústria de alimentos continuou sendo o principal cliente e absorvendo 203 mil toneladas.

O desempenho do setor só não foi superior porque houve redução da oferta de matérias-primas como resinas e outros insumos (aditivos e pigmentos) e embalagens de outros tipos (caixas de papelão). As indústrias do setor atuaram com estoques reduzidos, o que comprometeu a produção.