RIO E BRASÍLIA - Para tentar resolver o nó do setor ferroviário, o governo apresentou na semana passada uma medida provisória com um novo marco legal para o segmento. O objetivo é destravar investimentos, já que um projeto de lei (PLS 261) que aborda o mesmo tema ainda aguarda votação no Senado. Em comum, a medida provisória e o projeto de lei permitem o regime de autorização, no qual o investidor tem mais liberdade de atuação e que dispensa o leilão, como foi feito com o setor de portos.
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A edição da MP irritou os senadores da Comissão de Assuntos Econômicos, já que o projeto de lei da Casa está em tramitação desde 2019. O ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, fez um acordo com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, para que o projeto seja logo votado. Só assim o governo desistiria da MP, que se não for aprovada pelo Congresso em 120 dias, vai caducar.
Com a medida provisória do novo marco legal, o governo já contabiliza mais de dez pedidos para novas ferrovias. Os pleitos encaminhados ao governo preveem a construção de 3,3 mil quilômetros dentro do programa Pro Trilhos, criado pela MP.
A demora para avançar na criação de regras para o setor ferroviário, porém, levou alguns estados, como Pará e Mato Grosso a aprovarem leis próprias para permitir a construção de ferrovias a partir do modelo de autorização. Outros governos locais, como o de Minas Gerais, segundo especialistas, também pretendem aprovar legislação própria.
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Na avaliação de especialistas, o país pode sair do atraso na adoção de um regime mais apropriado para o setor a um conflito entre legislação federal e locais, o que abre margem para judicialização e mais atrasos em investimentos.
Escoamento de safra
Caso esse prognóstico se confirme, o mais afetado é o agronegócio, que vê risco de gargalo logístico sem novos meios de transporte férreo. Na última década, o agronegócio se beneficiou com grandes investimentos de portos, que pararam de ter filas quilométricas de caminhões com soja ou milho. Mas agora, a demanda é entre o campo e o porto, em meio à expectativa de crescimento da safra brasileira.
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A assessora técnica da Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Elisângela Pereira, evita fazer previsões sobre como será o escoamento da produção agrícola no Brasil nos próximos cinco ou dez anos. Ela afirma que o agro precisa de ferrovias “para ontem”.
—Estamos no limite, em razão dos altos custos de transporte e da conjuntura econômica — ressaltou.
Em 2020, foram transportadas 69,7 milhões de toneladas de produtos agrícolas pelas ferrovias brasileiras.
Para especialistas, diante da incerteza e da confusão de regras, o novo marco não deve impulsionar a construção de longos trechos de ferrovias nem acelerar projetos polêmicos que já estão previstos pelo governo federal nas regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste. Estas obras teriam potencial de impulsionar o agronegócio brasileiro.
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Entre as críticas ao novo marco legal ter sido feito por medida provisória, analistas dizem que a MP não trata de pontos previstos no projeto de lei que aguarda votação no Senado, como a exigência de um projeto de engenharia avançada para aprovar novas ferrovias e os critérios de distribuição de investimentos para estados que vêm perdendo linhas férreas.
Relação com estados
Segundo um investidor, que pediu para não ser citado, a medida provisória não traz uma lógica econômica para os projetos. Sem a aprovação do projeto de lei, haveria risco de repetir o cenário visto na Ferrogrão, entre Mato Grosso do Sul e Pará, que vem sendo contestada pelo Tribunal de Contas da União e pelo Ministério Público. Os dois pedem estudos de viabilidade econômica.
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Eles avaliam que a MP deve estimular projetos menores, envolvendo empresas donas da carga ou de portos.
— A MP e o PL foram propostas pouco discutidas. O regime de autorização deve e pode destravar investimentos, mas é necessário um esclarecimento maior em relação à necessidade de aprimorar o planejamento atual das malha ferroviária, como os dois modelos vão conviver e também como ficará a relação entre governo federal e estados. A MP centraliza novamente o poder de planejamento e de políticas do setor — avalia Cláudio Frischtak, sócio da consultoria Inter B.
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Segundo Marcos Ganut, diretor de Infraestrutura da Alvarez & Marsal, o setor ferroviário sempre andou de lado no planejamento do governo:
—A MP vai fomentar a conversa entre governo federal e estados. Vários estados estão criando suas leis e tudo precisa estar coordenado de forma que a competição não gere desequilíbrio regulatório, o que pode afugentar investidores.
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Marcos Ludwig, sócio de infraestrutura da Veirano, acredita que o governo se inspirou no movimento que foi feito com os portos, setor que hoje convive com modelo de concessão e autorização:
— A autorização pode trazer mais investimentos, já que a iniciativa privada pode propor projetos além dos planejados pelo governo federal. Mas haverá uma necessidade de adaptação regulatória.É preciso ainda, a depender da aprovação do Congresso, esperar pelas regulamentações. Como base de comparação, o do saneamento vai levar dois anos.