Com o presidente Joe Biden fora da disputa pela presidência dos Estados Unidos, economistas apostam que a guinada democrata pode ter impacto capaz de arrefecer a valorização do dólar globalmente.
Outros ativos do mercado financeiro que ganharam fôlego baseados em um possível retorno do ex-presidente Donald Trump à Casa Branca também poderiam “devolver” um pouco dos ganhos que vinham aferindo ao longo das próximas semanas. Mas ainda deve haver instabilidade até que a nova candidatura democrata seja formalizada.
Tony Volpon, ex-diretor do Banco Central e professor da Georgetown University, em Washington, alerta que uma série de informações precisam ainda ficar claras, sobretudo se a vice-presidente Kamala Harris será confirmada pelo Partido Democrata como a candidata oficial nas eleições de novembro nos Estados Unidos.
— Kamala Harris, na minha visão, é estruturalmente fraca. Trump ainda é favorito. Mas ela é mais forte que o Biden. Acredito que os próximos dias terão muito “oba-oba” em torno dos pontos ainda indefinidos, mas os trades pró-Trump tendem a devolver, ao longo das próximas semanas, um pouco dos ganhos que vinham tendo — avalia ele.
O peso da confirmação de Kamala
O comportamento dos mercados financeiros, continua Volpon, deve variar conforme chances reais de que Kamala Harris possa vencer Donald Trump se confirmem, lembrando ainda que o nome a ser escolhido como candidato a vice-presidente nessa nova composição de chapa dos democratas terá grande peso nesse cenário.
O debate realizado entre os dois candidatos à presidência americana no último dia 27 de junho foi interpretado como uma espécie de chancela a Trump, diante do péssimo desempenho de Biden, de 81 anos, o que levantou dúvidas sobre seu estado de saúde e se teria condições de governar o país por mais um mandato.
A reação vinda do mercado financeiro na sequência derrubou as chances do atual chefe da Casa Branca seguir no cargo.
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Via de regra, as negociações nesses mercados se beneficiaram dos pilares centrais do discurso de Donald Trump, que defende uma política fiscal mais frouxa, o aumento de tarifas comerciais, principalmente sobre produtos chineses, e regulamentações mais fracas.
Efeito Trump no dólar
O reflexo disso veio na valorização do dólar globalmente, no aumento dos rendimentos dos títulos do Tesouro americano (Treasuries), na alta dos ganhos de ações de bancos, favorecendo ainda os setores de saúde e de energia, além do Bitcoin.
Ou seja, quanto mais provável uma vitória de Trump, mais o dólar deve ganhar impulso. É que, a política defendida pelo republicano, que combina baixos impostos e tarifas de importação mais altas, é vista como impulsionadora da inflação. Daí o maior apelo pela moeda americana. E, em meio a um cenário global de incerteza, o dólar também se torna mais atrativo por oferecer mais segurança aos investidores.
— Vimos os movimentos dos Treasuries, bitcoins, mudanças (de ações) na liderança do mercado americano que vinham precificando pelo mercado em favor de uma potencial vitória de Trump. Há bancos que montaram cestas de empresas que se beneficiariam de uma vitória do republicando, e estavam com desempenho muito positivo — observou ele.
Volpon destaca, porém, que as reações, como ocorreu logo na sequência à tentativa de assassinato de Trump na Pensilvânia, no dia 13 de julho, têm sido extremas:
— Depois do atentado, se achava que Trump iria certamente vencer. Agora, acham que ele vai perder. Tudo tem tido muito impacto do momento. É preciso observar melhor os fatos.
Sem surpresa, mas decisivo
Otaviano Canuto, ex-vice-presidente do Banco Mundial e membro sênior do Policy Center for the New South, destaca que, ainda que a desistência de Joe Biden da corrida presidencial fosse esperada, a notícia tem um peso no comportamento do mercado, que deve reagir hoje.
Para ele é cedo para dizer se Kamala Harris ou outro candidato concorrendo pelo Partido Democrata teria vitória garantida, sobretudo porque as pesquisas têm trazido dados contraditórios quando avaliam a vice-presidente contra Trump.
— Quero crer que ela será confirmada (como candidata), e a manifestação de Biden em apoio a Kamala Harris será muito importante — destaca Canuto. — Quanto maior a probabilidade de derrota do Trump, melhor é a perspectiva em atenuar o que ele promete em termos de barreiras tarifárias e redução de impostos.
Ele destaca que o elemento central da subida do dólar tem sido a crescente atratividade de ações de grandes companhias de tecnologia, polo de atração de capital de investidores.
— A desistência de Biden pode segurar os ânimos do mercado, do dólar. E se realmente entrar na corrida eleitoral, com o apoio do atual presidente, Kamala Harris pode usar os recursos já existentes em doações de campanha, o que é importante.
A visão no exterior
A menos que haja uma mudança relevante nas chances de Trump, diz Marck Cranfield, estrategista da Markets Live, ouvido pela agência de notícias Bloomberg, os tranders provavelmente vão se posicionar para enfraquecer o dólar, porque “pode haver mais ataques verbais contra moedas estrangeiras fracas na medida em que nos aproximamos de novembro”.
— Enquanto isso, os Treasuries terão uma perspectiva mais sutil. A inclinação da curva provavelmente se estenderá em meio a preocupações sobre déficits maiores, mas dentro de um quadro de queda nos rendimentos à medida que o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) se move em direção ao seu primeiro corte de taxa de juros este ano —complementou.
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Outros fatores devem influenciar no comportamento do mercado esta semana. Nos EUA, serão divulgados os números preliminares do Produto Interno Bruto no segundo trimestre do ano, além dos dados de inflação considerados pelo Fed.
No Brasil, Volpon destaca que há o cenário político, a depender de falas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de decisões da equipe econômica, o dólar pode responder com maior ou menor força. Sai também o IPCA-15 de julho, a prévia da inflação oficial do mês, medida pelo IBGE.