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Economia

Franquias cortam taxas e viram opção para quem perdeu emprego e quer empreender. Veja riscos e oportunidades

Marcas dão descontos de até 70% durante a pandemia para atrair novos franqueados, mas momento é mais arriscado para iniciar negócio próprio
O motorista de aplicativo Henrique Teixeira viu na redução de taxas de uma franquia de marmitas de comida natural a chance de começar o próprio negócio em casa com investimento baixo Foto: Fábio Rossi / Agência O Globo
O motorista de aplicativo Henrique Teixeira viu na redução de taxas de uma franquia de marmitas de comida natural a chance de começar o próprio negócio em casa com investimento baixo Foto: Fábio Rossi / Agência O Globo

RIO - Em momentos de desemprego alto como o atual, muitos demitidos ficam atraídos pela ideia de usar os recursos da rescisão de contrato para virar seu próprio patrão, ainda mais quando a disputa por uma nova vaga é cada vez mais acirrada.

Só que a pandemia também causou um estrago grande em pequenos negócios como as franquias, geralmente a porta de entrada do empreendedor de primeira viagem.

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Na tentativa de conter o encolhimento de suas redes, as principais marcas reagem com cortes de até 70% nas taxas e começam a transformar a crise em oportunidade para a entrada de novos franqueados, ainda que num momento arriscado para iniciar um negócio.

O segmento mais atraente é o de microfranquias, com investimento de até R$ 90 mil. A maioria permite que o empreendedor atue em casa, ambiente de trabalho para muita gente que já vêm enfrentando a crise com pequenos negócios familiares, sem franquias.

Abrir um estabelecimento com uma marca conhecida na porta e formatos já testados reduz riscos, mas as taxas cobradas pelas franquias pelos pacotes com padrões, cadeia de suprimentos, marketing e direito de uso da marca limitam a entrada de muita gente.

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Mas a longa quarentena criou uma dissonância no setor: enquanto franqueados são expulsos pela crise, melhoram as condições para quem entra.

Pesquisa feita pela consultoria Praxis Business estima que entre 10% e 15% das 161 mil unidades franqueadas no país não voltarão a operar este ano, mesmo com a reabertura das atividades econômicas nas cidades.

Essa realidade obrigou as redes a abrir mão de ganhos para não encolher. Quase 48% das franqueadoras mantiveram ou ampliaram metas de expansão, segundo a pesquisa. Para socorrer franqueados e atrair novos, as redes enxugaram custos, trocaram fornecedores e reduziram as taxas.

— Algumas isentaram os franqueados do repasse das taxas, pois as lojas estavam fechadas. Se não tem faturamento na loja, não tem na rede — afirma Adir Ribeiro, presidente da Praxis Business.

Contratos em plena crise

Sem emprego formal, o motorista de aplicativo Henrique Teixeira, de 29 anos, viu nos descontos a oportunidade de fechar contrato com a Mr.Fit, de comidas saudáveis, em que o franqueado vende marmitas fitness congeladas.

O investimento do modelo micro, em home office, caiu de R$ 17 mil para R$ 6,2 mil, incluindo estoque inicial de refeições e material de divulgação.

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— Vi o potencial do mercado de comida fitness e do delivery, ainda mais neste momento de isolamento. Já trabalhei de carteira assinada, e não é o que quero mais. Prefiro focar em um negócio meu para crescer e prosperar — diz ele, que pretende continuar dirigindo até conseguir viver só da franquia.

Camila Miglhorini, presidente da Mr. Fit, diz que a rede fechou 93 contratos de microfranquias desde março, sendo que 20% dos novos franqueados optaram pela marca após ficarem desempregados.

A engenheira Juliana Andreoni, de 36 anos, desistiu de procurar um novo emprego e aderiu a uma franquia de consultoria em marketing digital Foto: Acervo pessoal
A engenheira Juliana Andreoni, de 36 anos, desistiu de procurar um novo emprego e aderiu a uma franquia de consultoria em marketing digital Foto: Acervo pessoal

A engenheira Juliana Andreoni, de 36 anos, fechou contrato com a Guia-se, uma rede de franquias de marketing digital, no final de junho. Com experiência em plataformas de petróleo, ela foi demitida em maio do posto de coordenadora de projetos em uma prestadora de serviços da Petrobras.

Seu trabalho será bem diferente agora: captar clientes para prestar consultorias na criação de sites, desenvolvimento de lojas virtuais, links patrocinados e mídias sociais.

— Não aguentava mais a instabilidade do mercado, estava esgotada. Aproveitei para investir em um negócio próprio com franquia, que dá mais segurança pelo suporte — diz.

Na pandemia, a Guia-se fechou mais de 30 novos contratos. O investimento inicial no modelo home office é de R$ 28,9 mil. Para atrair gente como Juliana, a rede intensificou a publicidade digital com lives sobre o mercado, diz o diretor executivo José Rubens Oliva.

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As redes que não diminuíram o investimento inicial passaram a oferecer parcelamentos e novas condições. Os juros baixos e a possibilidade de uma boa negociação no desconto do aluguel de estabelecimentos também criam um cenário mais atrativo para novos empreendedores.

— É histórico. Franquias tendem a crescer após crises. As pessoas perdem o emprego e buscam modelos já testados, com menos risco que um voo solo — diz Beto Filho, presidente da Associação Brasileira de Franchising (ABF) no Rio.

Feira virtual

Em 2019, o setor de franquias faturou R$ 186,7 bilhões, alta de 6,8% em relação a 2018. Na tentativa de minimizar o estrago deste ano, a ABF do Rio planeja uma feira virtual para setembro e uma física ainda este ano para unir franquias e novos franqueados.

No levantamento da Praxis, 66% das redes esperam queda nas receitas este ano. Estudo da ABF nacional mostrou que, só em abril, o faturamento caiu 48,2%. Os segmentos mais afetados são turismo, entretenimento, alimentação, saúde, beleza e bem-estar.

Diogo Santos, de 37, decidiu empreender após perder o emprego, mas dispensou a franquia. Preferiu criar a própria marca de doces Foto: Foto de acervo pessoal.
Diogo Santos, de 37, decidiu empreender após perder o emprego, mas dispensou a franquia. Preferiu criar a própria marca de doces Foto: Foto de acervo pessoal.

Beto Filho acredita que o impacto da crise sobre as franquias será ainda maior após o fim do programa que permite suspensão de contratos de trabalho ou redução de jornada e de salário, em agosto. Mas isso deve favorecer mais descontos aos novos empreendedores.

Vice-presidente da ABF nacional, Antonio Moreira Leite, avalia que a procura pelas franquias neste momento se dá tanto por quem perdeu o emprego quanto por quem busca melhores oportunidades de investimentos.

Nesse sentido, vê as marcas mais preparadas para a nova realidade do consumo, com foco no e-commerce e delivery, em vantagem.

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O aumento das vendas por delivery na quarentena fez o RapidãoApp, um aplicativo de delivery desenvolvido para pequenas e médias cidades, fechar 124 contratos de novas franquias de março até junho.

Com investimento inicial baixo, a partir de R$ 16,7 mil, a empresa oferece ainda três meses de isenção de royalties e parcelamento da taxa de franquia em até 12 vezes no cartão.

Padrão não é para todos

Apesar dos atrativos, investir as economias num negócio em meio a uma crise sem precedentes tem alto risco. Luiz Barbieri, coordenador do MBA de Gestão de Processos do Ibmec RJ, observa ainda que o empreendedor precisa avaliar se vai se encaixar no sistema padronizado das marcas:

— A vantagem da franquia é ser um investimento que já tem um retorno calculado. Isso minimiza os riscos. No entanto, se o candidato tem um perfil mais criativo ou já vem de uma experiência empreendedora, os padrões e regras impostos limitam.

Esse foi um dos motivos que fizeram Diogo Santos, de 37 anos, descartar franquias e investir no próprio delivery de doces. Formado em Relações Públicas, ele atuava há dois anos como gestor de uma unidade de uma universidade privada quando a pandemia esvaziou salas de aula.

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Ele foi dispensado e recorreu ao hobby da confeitaria para iniciar um negócio em casa. Começou as entregas em maio e já tem como renda mensal um terço do que ganhava na universidade.

— Não adianta procurar emprego enquanto as coisas não voltarem ao normal — diz Santos, que investiu R$ 3 mil em serviços de marketing e no registro da própria marca, a Doce Copa, para entregas de tortas na Zona Sul do Rio. — Não quis franquia porque as pessoas buscam produtos diferenciados, com essência, não um padrão. Já tinha noção de administração, tenho todos os custos em planilhas. Este mês, atingi 113% de lucro. Prefiro continuar pequeno e focar na qualidade.

Redes de alimentação se modernizam

O setor de alimentação sofreu muito com o fechamento das lojas físicas e precisou ser reinventar. As redes que não tinham o delivery no centro da estratégia sofreram um baque no faturamento.

Para tentar uma recuperação, grandes franqueadoras criaram novos modelos de negócio, observa Umberto Papera Filho, sócio-diretor da GSPP, grupo formatador de franquias por trás do formato de cozinhas franqueadas para entrega adotado pela tradicional doceria carioca Lecadô.

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No Grupo Trigo (das marcas Spoleto, Koni e Lebonton), foram 11 unidades fechadas, principalmente por um endurecimento na negociação junto a locadores e dificuldades para franqueados acessarem crédito rápido, explica o diretore executivo Antonio Moreira Leite.

Segundo ele, a rede se mobilizou rápido para antecipar projetos que estavam no papel. Abriu em Copacabana, na Zona Sul do Rio, a Room Service, serviço de delivery que pretendem expandir por meio de novos franqueados.

Na Casa da Empada, a taxa de franquia de R$ 40 mil caiu para R$ 20 mil, com contrapartidas em produtos. Foram reduzidas cobranças de royalties e de publicidade durante a pandemia.

O investimento mínimo total para abrir um quiosque da marca de lanches, incluindo equipamentos, está agora em torno de R$ 120 mil. Um novo projeto de identidade visual reduziu os custos.

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A rede de lanchonetes Megamatte resolveu abrir mão de metade dos seus recebíveis e se empenhou na negociação dos parceiros com aluguéis e fornecedores, intensificando o apoio operacional para que os franqueados resistissem à crise. Acabou atraindo novos franqueados nos meio do furacão.

Um dos novos empresários da rede é o advogado Luiz Eduardo Bastos. Dono de uma loja de chocolates, sofreu com as vendas fracas na Páscoa, mas não desistiu do novo investimento diante das facilidades oferecidas:

— Desistir não passou pela minha cabeça, mas pensei em postergar — confessa Bastos. — O cenário era muito favorável até março, a previsão para o ano era de forte crescimento, mas tudo mudou. O importante é acreditar, pensar que tudo vai passar.

Cuidados na hora de investir

Autoconhecimento

O primeiro passo é saber se o seu perfil vai se adequar ao sistema de franchising, afirma Luiz Barbieri, professor de Administração e coordenador do MBA de Gestão de Processos do Ibmec-RJ. Ele explica que a vantagem é que o negócio já foi testado, é um investimento com retorno calculado e riscos menores. Mesmo assim, isso não significa que o modelo seja para todos. Interessados com perfil mais criativo podem considerar as regras impostas por uma franqueadora restritivas.

Taxa reduzida

Escolher uma franquia com base na taxa reduzida para novos interessados pode não ser a melhor opção. Claudio Tieghi, da Kick Off Consultores, alerta que as taxas iniciais representam o custo de transferência de know-how para o novo franqueado, o que inclui orientação jurídica, consultoria para procura do ponto e treinamento. Descontos muito grandes podem acender o sinal de alerta.

Valor do investimento

Não basta ter preço que caiba no bolso, é preciso ter afinidade com o setor, destaca Barbieri. Na fase de seleção do negócio, a recomendação é conversar com outros franqueados e ex-franqueados para saber se a empresa cumpre o que promete. Por lei, dados de contrato dos franqueados atuais e antigos são informados na Circular de Oferta de Franquia, entregue durante o processo seletivo. Segundo Thelma Valeria Rocha Rodrigues, professora do Programa de Pós-Graduação em Administração da ESPM, o mais importante é saber como será o acesso à franquia, se haverá proximidade com o negócio e quais serviços estão no contrato.

(Colaboraram Alexandre Rodrigues e Sergio Matsuura)