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Gigante do setor imobiliário admite dificuldades de honrar dívidas, e temor de calote gera protestos na China

Grupo Evergrande, fundado em 1996, tem mais de US$ 300 milhões em passivo
Autoridades chinesas informam a credores que Evergrande não deve pagar juros de empréstimos na próxima semana Foto: Bloomberg
Autoridades chinesas informam a credores que Evergrande não deve pagar juros de empréstimos na próxima semana Foto: Bloomberg

PEQUIM — O Ministério da Habitação e Desenvolvimento Urbano-Rural da China disse aos principais credores do grupo imobiliário Evergrande que não esperem o pagamento de cerca de US$ 84 milhões em juros sobre títulos que vencem no dia 23, de acordo com fontes familiarizadas com o assunto, aproximando a incorporadora imobiliária em dificuldades financeiras de uma das maiores reestruturações de dívidas do país.

Segundo a agência Bloomberg, em reunião realizada nesta semana, as autoridades chinesas acrescentaram que não está claro se a Evergrande conseguirá fazer o pagamento do principal de pelo menos um empréstimo na próxima semana, de acordo com uma das fontes.

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Por sua vez, a gigante do setor imobiliário está estudando a possibilidade de obter prorrogações e renovar alguns empréstimos, mas admitiu que pode não ter capacidade de assumir suas obrigações, o que gera temor entre compradores, investidores e empreiteiros de uma falência que teria consequências para a segunda maior economia mundial.

A incapacidade de Evergrande de pagar os juros bancários é o sinal mais forte da tensão de liquidez enfrentada pelo incorporador imobiliário mais endividado do mundo, que tem mais de US$ 300 bilhões em passivos.

Possível reestruturação da dívida

Diante deste cenário, as autoridades chinesas já estão se preparando para uma reestruturação da dívida, reunindo especialistas contábeis e jurídicos para examinar as finanças do grupo. As principais autoridades de Pequim não dizem se permitirão que os credores de Evergrande sofram pesadas perdas, de modo que os detentores de títulos descartaram as poucas chances de um resgate.

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A incapacidade do grupo imobiliário chinês de cumprir suas obrigações dentro do prazo vem gerando protestos, que se propagaram a mais cidades, depois que a empresa ofereceu vagas de estacionamento ou propriedades aos investidores que exigem o reembolso do dinheiro.

Dezenas de manifestantes voltaram a protestar pelo terceiro dia consecutivo diante da sede da Evergrande em Shenzhen, sudeste da China. Entre eles estavam compradores de imóveis em construção que já fizeram o pagamento e temem que a propriedade não seja entregue.

O grupo gritou "Evergrande, devolva o nosso dinheiro". Eles estavam irritados depois que a Evergrande aparentemente ofereceu saldar sua dívida com promessas de supostas propriedades, vagas em estacionamento ou unidades de armazenamento.

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"Eles nos ofereceram barracas, creches, vagas de estacionamento... mas não podemos usá-las. Nenhum de nós aceita isso", disse uma mulher que revelou apenas o sobrenome, Wang, e explicou que sua empresa sofre com as dívidas não pagas da imobiliária.

Analistas afirmam que a Evergrande, que tem cotação na Bolsa de Hong Kong, registra mais de um milhão de propriedades pagas por clientes e ainda não construídas, o que aumenta a sensação de pesadelo entre os investidores chineses, muitos deles compradores de seu primeiro imóvel.

Evergrande, uma das maiores empresas privadas da China e uma das líderes internacionais no setor imobiliário, admitiu na terça-feira que enfrenta "enorme pressão", mas descartou o cenário de falência. Procurada pela reportagem nesta quarta-feira, a empresa não fez comentários.

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O grupo, que viu a rápida expansão em 280 cidades chinesas aumentar sua reputação, está à beira do colapso, mas analistas afirmam que o governo chinês não permitirá uma quebra caótica.

"Uma falência da Evergrande poderia prejudicar a confiança dos consumidores se afetar os depósitos pagas pelas famílias por casas que ainda não foram concluídas, mas presumimos que o governo atuará para protegê-los", afirmou a agência de classificação Fitch em um comunicado.

Protestos incomuns

Na província de Jiangsu, no leste do país, investidores nervosos se reuniram nesta quarta-feira diante da sede regional da empresa, na cidade de Taizhou. Protestos similares foram registrados na província de Anhui e trabalhadores reivindicaram os salários na cidade de Ezhou, em Hubei, também no leste do país.

A preocupação aumenta entre os fornecedores que não receberam pagamento — alguns deles em Shenzhen afirmam que a empresa deve quase US$ 1 milhão—, assim como entre os investidores que esperavam os rendimentos de retorno para pagar suas próprias dívidas e os salários de seus funcionários.

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Nesta quarta-feira, uma mulher chorava desesperada diante do edifício da Evergrande em Shenzhen.

"Estão tentando negociar com suas propriedades ruins. São produtos que não conseguem vender", declarou à AFP um investidor que não revelou o nome.

É incomum que as autoridades comunistas da China permitam protestos de qualquer tipo, especialmente em várias cidades ao mesmo tempo. As redes sociais, habitualmente sob rígido controle do governo, estão repletas de imagens das manifestações.

Os analistas afirmam que a abordagem permissiva pode marcar o desejo do governo chinês de mostrar à opinião pública que está a seu lado, enquanto estuda os próximos passos.

A Evergrande foi fundada em 1996 por Xu Jiayin, que se tornou o homem mais rico da China durante o boom imobiliário do país, nos anos 1990.

Durante anos, a empresa investiu em larga escala em projetos em novas cidades. Em 2009, arrecadou US$ 9 bilhões em sua entrada na Bolsa de Hong Kong.