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Economia

Governo está no caminho certo, mas medidas econômicas ainda são 'tímidas', dizem analistas

Suspensão temporária de contratos de trabalho é opção para evitar desemprego. Retomada após fim da crise deve ser planejada desde já
Ministério da Economia tenta conter impacto da pandemia de coronavírus Foto: Adriano Machado / Reuters
Ministério da Economia tenta conter impacto da pandemia de coronavírus Foto: Adriano Machado / Reuters

SÃO PAULO – As medidas anunciadas nesta quinta-feira pelo governo para bancar parte do salário de empregados do setor privado que venham a ter sua jornada de trabalho reduzida foram bem recebidas por analistas. Os especialistas consultados pelo GLOBO destacam que as ações estão com o foco correto: evitar um caos social. Mas ponderam que outras medidas podem ser aplicadas, como as suspensões temporárias de contratos de trabalho, conhecidas como lay-off . Os especialistas ponderam ainda que é necessário começar a planejar, desde já, medidas para reaquecer de fato a economia quando a crise do coronavírus for deixada para trás.

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Adriano Laureno, economista sênior da Prospectiva Consultoria, acredita que todas as medidas anunciadas estão no caminho correto de tentar evitar que as empresas quebrem e mitigar os efeitos sociais da crise. Ele acredita, contudo, que elas ainda são tímidas, mas há uma evolução diária dos anúncios no caminho certo. Contudo, ele teme a falta de estratégia, até o momento, para a economia após o fim do problema de saúde causado pelo coronavírus:

— Não estamos tratando de aquecer a economia agora, isso não seria possível até pelas restrições sociais impostas pela doença. Acho que as medidas ainda são tímidas, vai precisar de mais, mas está indo no caminho certo — disse Laureno, que não vê apenas nas reformas material suficiente para aquecer a economia.

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Parte das medidas antecipam gastos futuros, como de abono salarial e seguro-desemprego, trazendo para o momento um potencial de consumo que seria necessário na retomada após o ápice do coronavírus, afirma o professor Paulo Vicente, da área de estratégia pública da Fundação Dom Cabral. Entretanto, ele afirma que as medidas têm de ser nesta linha e devem continuar a serem anunciadas:

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— Vemos isso em todo mundo, como uma estratégia: o mercado está tão sem parâmetros que só age em função de sustos, positivos e negativos. Como infelizmente deveremos ter notícias ruins diárias da área de saúde, faz sentido os governos irem preparando medidas para serem anunciadas diariamente, para se contrapor ao cenário ruim da doença — avaliou Vicente. — Em crises assim pouco importa sua orientação ideológica, a calamidade te atropela.

Suspensão temporária do contrato

Para o economista e professor do Insper, Sergio Firpo, especializado em economia do trabalho, a decisão do governo de cobrir com recursos do seguro-desemprego os 25% de redução do salário para trabalhadores que ganham até dois salários mínimos faz todo sentido no momento grave que vivemos.

— Faz todo o sentido que o Estado intervenha para conter a perda de renda. É como se o trabalhador estivesse 'parcialmente' desempregado usando parte de seu seguro-desemprego. Pior seriam as demissões levando todo mundo a usar o seguro-desemprego na totalidade — disse Firpo.

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Ele lembra que há outros mecanismos que poderiam ser usados, como o lay-off , que é a suspensão temporária do contrato de trabalho, com redução de salário. Em 2016, as montadoras de veículos utilizaram esse instrumento durante a recessão. Os trabalhadores foram enviados para requalificação profissional. Parte do salário do metalúrgico em lay-off passou a ser paga com recursos do FAT, até o limite do teto do seguro-desemprego. Se o salário excedesse o teto, cabia à empresa pagar a diferença:

— É um instrumento pouco usado, mas interessante em momentos de crise. Na prática, a empresa demite temporariamente, enquanto há queda de receitas. Também há o uso do banco de horas, mas acredito que poderiam ser criadas linhas de empréstimo com juro baixo para que as empresas pudessem continuar pagando os salários — afirmou.

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Firpo observa que o valor de R$ 2.090,00, limite para a medida, é quase a média do que ganha um trabalhador brasileiro, de R$ 2.340,00, segundo o IBGE. Portanto, acaba garantindo renda a muita gente, evitando que a economia entre em colapso.

Ele avalia que o pagamento a pessoas que tiverem o coronavírus pelo INSS, nos primeiro 15 dias da doença , é importante, mas se a doença conseguir ser freada pelas medidas que estão sendo tomadas pelos governos, o impacto nas contas públicas não deve ser grande.

— Não se espera que milhões de pessoas sejam infectadas, principalmente se forem seguidas as recomendações dos governos — afirmou.

Servidores públicos

Ele observa que enquanto os trabalhadores do setor privado podem ser atingidos pela redução dos salários, os servidores públicos continuam ganhando salário integral, sem redução de carga de trabalho, e têm estabilidade mesmo com queda da demanda de serviços, exceto os serviços de saúde.

— O governo vem adiando a reforma administrativa e situações como essa mostram claramente para o restante da população que se trata de uma elite, que não é afetada nesses momentos de crise — diz.