Economia

Governo lança série de 'bondades' econômicas que podem ajudar a recuperar popularidade de Bolsonaro

Em meio à piora das expectativas, todas têm em comum um forte apelo popular
Energia: A tarifa social para a baixa renda, além da isenção da bandeira tarifária de escassez hídrica, dá descontos de 10% a 65% Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo
Energia: A tarifa social para a baixa renda, além da isenção da bandeira tarifária de escassez hídrica, dá descontos de 10% a 65% Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo

BRASÍLIA — Menos de uma semana após Paulo Guedes ser cobrado por Jair Bolsonaro, em reunião ministerial, a apresentar resultados positivos na economia, uma série de medidas de aprimoramento da chamada microeconomia — ou seja, que beneficiam grupos específicos, não toda a sociedade — começa a sair do papel.

Outras, como novas linhas de crédito com juros reduzidos, serão apresentadas ainda esta semana. Todas têm em comum um forte apelo popular, o que pode ajudar eleitoralmente o governo em um cenário de piora das expectativas macroeconômicas e a sepultar a crise do 7 de Setembro, como mostra a colunista Malu Gaspar .

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Na noite de domingo, o governo sancionou a lei que deve mais que dobrar o número de beneficiários do programa de tarifa social de energia, que garante desconto de até 65% na conta de luz e isenção da bandeira de escassez hídrica.

Na segunda-feira, aumentou os limites do Casa Verde e Amarela , para a baixa renda, e editou a medida provisória do Habite Seguro, programa habitacional subsidiado para policiais. Essas medidas têm grande impacto para grupos específicos, em um momento em que a popularidade de Bolsonaro cai.

E ocorrem em meio à piora das expectativas econômicas. O Boletim Focus, apurado pelo Banco Central junto ao mercado financeiro, divulgado ontem, mostra que a previsão do crescimento do PIB em 2022, ano eleitoral, recuou a 1,72%. Há um mês, era de 2,04%.

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Já a estimativa para a inflação deste ano atingiu 8%, mais que o dobro do centro da meta do BC, de 3,75%. Segundo fontes do governo, a piora das condições econômicas foi o principal argumento para convencer Bolsonaro a, na última quinta-feira, escrever uma carta de recuo em relação aos ataques que fez ao Judiciário nos atos antidemocráticos de Sete de Setembro.

Caixa quer baixar juros

Outras medidas virão esta semana. Nessa segunda-feira, o presidente da Caixa Econômica Federal,  Pedro Guimarães, afirmou, em evento no Palácio do Planalto, que o banco irá anunciar na quinta-feira uma redução da taxa de juros para financiamento da casa própria — apesar de a taxa básica de juros (Selic), hoje em 5,25%, estar em trajetória de alta por causa da inflação.

— A Caixa vai reduzir os juros. Não está aumentando a Selic? Então a Caixa, com o lucro que nunca teve, sem roubar, vai diminuir os juros da casa própria — afirmou.

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A Caixa também deve anunciar, nesta semana, o que Guimarães tem chamado de “ maior programa de crédito do mundo ”.

Segundo fontes do governo, seriam oferecidos empréstimos, com taxas baixas, a todos os 105 milhões de brasileiros com conta no Caixa Tem. Muitos deles, porém, só tiveram relacionamento com o banco na pandemia, para receber o auxílio emergencial ou fazer os saques do FGTS.

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Além disso, aumenta a pressão para que o governo amplie por mais dois meses o auxílio emergencial, previsto para terminar em outubro. Isso porque o Auxílio Brasil, substituto turbinado do Bolsa Família, até o momento não avançou no Congresso, não tem fonte de renda no Orçamento e nem mesmo parâmetros econômicos.

Uma das medidas que mais devem afetar as classes mais pobres, contudo, já está garantida: a ampliação da tarifa social de energia, que proporciona descontos de 10% a 65%, dependendo da faixa de consumo.

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Conta do subsídio

Com a entrada em vigor em 120 dias, ou seja, já em 2022, ano eleitoral, a conta do subsídio será repassada aos consumidores em 2023.

A ampliação da tarifa social de 12,2 milhões de pessoas para até 25 milhões de pessoas vai impactar os demais consumidores de energia, já que o benefício é bancado com recursos da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), um fundo formado a partir de encargos cobrados de todos os consumidores

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Em 2020, a CDE transferiu R$ 21,67 bilhões, dos quais R$ 2,7 bilhões foram para a tarifa social.

Esse fundo também cobre ações como programas de universalização de acesso à energia, o custo da geração a diesel no Norte, nos sistemas que não são interligados, e benefícios para, entre outros, carvão mineral e irrigação agrícola.

É a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) que determina anualmente os valores dessas cotas, que serão pagas às distribuidoras e, consequentemente, repassadas nas tarifas dos consumidores.

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Na prática, a nova regra estabelece que os brasileiros que estejam no Bolsa Família e no Cadastro Único, ou que recebem o Benefício de Prestação Continuada (BPC), com renda per capita inferior a meio salário mínimo (atualmente equivalente a R$ 550) serão automaticamente incluídos na tarifa social, sem precisarem recorrer às empresas de energia.

Faixa tem consumo baixo

Especialistas ouvidos pelo GLOBO defendem a medida. Para eles, há outros benefícios que podem ser cortados para compensar esse auxílio, como subsídios para grandes consumidores e para a agricultura.

Autor da proposta, o deputado André Ferreira (PSC-PE) diz que a ideia do projeto nasceu a partir do exemplo da cidade de Jaboatão dos Guararapes (PE), onde a prefeitura firmou um convênio com a companhia de energia para retirar os entraves burocráticos para incluir famílias na tarifa social.

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— Não mudamos nada na lei, só simplificamos. É um ganho social para essas famílias carentes muito grande, em momento de desemprego e recessão — afirmou.

Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura, ressalta que o consumo de eletricidade dessas famílias é tão baixo que dificilmente elas entrariam em um esquema de racionamento de energia.

— Ampliar o acesso de quem está cadastrado nos programas sociais faz todo sentido. O consumo desse pessoal é muito baixo — explicou Pires, dizendo ver espaço para a revisão dos benefícios a indústrias e propriedades agrícolas.

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Para o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a medida não vai prejudicar os esforços do país para lidar com os efeitos da crise hídrica, pois só entrará em vigor em 2022, quando se espera que a situação esteja melhor.

E afirmou que “no atual cenário de crise econômica, os recursos economizados com a conta de luz certamente serão destinados a cobrir outros gastos do orçamento doméstico”.

A Aneel foi perguntada sobre os impactos da medida, mas não respondeu até o fechamento desta edição. ( Colaboraram Geralda Doca e Jussara Soares)