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Economia Coronavírus

Governo prepara medidas que podem elevar volume de crédito a empresas em R$ 50 bi

Na prática, o plano da equipe econômica é assumir uma fatia maior do risco das operações
Fachada do Ministério da Economia (ME) Foto: Geraldo Magela / Agência O Globo
Fachada do Ministério da Economia (ME) Foto: Geraldo Magela / Agência O Globo

BRASÍLIA - Preocupado em fazer com que o dinheiro disponível nos bancos se transforme em crédito para empresas de pequeno e grande porte, o governo resolveu montar uma engenharia financeira para destravar empréstimos a companhias que enfrentam dificuldades para obter recursos no mercado.

Na prática, o plano da equipe econômica é assumir uma fatia maior do risco das operações, por meio de fundos de bancos públicos e mais recursos do Tesouro Nacional. Dessa forma, seria possível movimentar cerca de R$ 50 bilhões em operações.

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A proposta começou a ganhar forma  na segunda-feira, depois de o ministro da Economia, Paulo Guedes, ter admitido no fim de semana que recursos disponibilizados pelo Banco Central às instituições financeiras estão “empoçados” . Ou seja, o bancos têm recursos, mas não emprestam.

A principal razão é o medo do calote. Para firmar operações de crédito, bancos costumam exigir de empresas a apresentação de garantias. Ou seja, dinheiro em caixa ou outro tipo de contrapartida que dê a segurança de que, caso a dívida não seja paga, a instituição não ficará totalmente no prejuízo.

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Em tempos de pandemia, oferecer essas garantias é cada vez mais difícil. E é nessa etapa que o governo quer entrar. A ideia é reunir ao menos quatro fundos que, juntos, têm R$ 5,2 bilhões. Dois deles são geridos pelo Banco do Brasil: o Fundo de Aval para Geração de Emprego e Renda (Funproger) e o Fundo de Garantia de Operações.

Um terceiro é o Fundo Garantidor para Investimentos (FGI), do BNDES. Entraria ainda o Fundo de Aval para Micro e Pequenas Empresas (Fampe), do Sebrae.

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Nas contas de um técnico do governo, os recursos dos fundos podem dar aval para empréstimos de até dez vezes o volume de dinheiro que têm disponíveis. Por isso, os R$ 5,2 bilhões dariam suporte a R$ 50 bilhões em operações de crédito. A tarefa da equipe, até esta segunda, era trabalhar em uma regulamentação para que a ideia saia do papel, informou a fonte.

A ideia é que os recursos sejam destinados a empresas pequenas, médias e grandes. No fim de semana, Guedes falou em companhias com faturamento anual de até R$ 300 milhões.

— Vamos dobrar e continuar expandindo isso, o dinheiro é na veia. Quando dobrarmos (o crédito), vamos ter que incluir empresas maiores, de R$ 100 milhões, R$ 200 milhões, R$ 300 milhões em faturamento, que é o que faremos agora — disse o ministro a empresários do varejo.

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Mirando os pequenos

Não é a primeira medida do governo voltada para a concessão de garantias a empresas. Na semana passada, o presidente Jair Bolsonaro assinou medida provisória (MP) para viabilizar a concessão de R$ 40 bilhões em empréstimos para o pagamento dos salários de funcionários.

A medida, no entanto, é focada em companhias que faturam entre R$ 360 mil e R$ 10 milhões por ano, consideradas pequenas e médias.

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A medida foi regulamentada nesta segunda pelo Banco Central (BC), o que significa que as empresas já podem procurar os bancos para tomar o crédito. Nessa regulamentação, a autoridade monetária tomou mais uma medida para buscar aumentar o volume de recursos disponíveis para empréstimos: permitiu que as instituições financeiras possam deduzir o valor financiado do volume que precisam depositar na conta do BC, os chamados recolhimentos compulsórios. O volume pode chegar a R$ 6 bilhões, 5% do montante atual.

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Em outra frente, o BC estuda cobrar diretamente crédito de bancos para garantir que o dinheiro chegue aos setores para os quais os bancos não querem emprestar.

O presidente do BC, Roberto Campos Neto, disse no último fim de semana, em videoconferência com executivos do mercado financeiro, que essa possibilidade seria aberta pela proposta de emenda à Constituição (PEC) que estabelece o chamado 'Orçamento de guerra'.

A PEC foi aprovada na semana passada pela Câmara dos Deputados, mas enfrenta resistências no Senado, justamente por causa do trecho que trata da mudança nas regras de atuação do BC. Por isso, o texto pode não avançar nesta semana, à espera de um acordo entre líderes.

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O governo também preparou uma medida específica para pequenas empresas. O Conselho Monetário Nacional (CMN) autorizou ontem a criação de uma linha de crédito de até R$ 6 bilhões voltada para o comércio e serviços de municípios que tenham declarado estado de calamidade pública por causa da pandemia de coronavírus.

A linha de crédito vai fazer uso dos Fundos Constitucionais de Financiamento do Norte (FNO), do Nordeste (FNE) e do Centro-Oeste (FCO). Os recursos serão voltados para os setores produtivos, industrial, comercial e de serviços.

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A ideia é atingir pequenos empreendedores, cooperativas e trabalhadores informais. Segundo a resolução do BC, o objetivo da medida é “promover a recuperação ou a preservação” das atividades produtivas não rurais nessas regiões.

A informação foi antecipada pelo GLOBO na quinta-feira. O Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) enviou um ofício ao Ministério da Economia com a proposta na semana passada.

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Segundo o MDR, dos R$ 6 bilhões, metade será destinada ao Nordeste, R$ 2 bilhões ao Norte e R$ 1 bilhão, ao Centro-Oeste. A expectativa é que sejam 85 mil operações contratadas, com um custo, para o Tesouro, de R$ 439,6 milhões.

O Banco da Amazônia, o Banco do Nordeste e o Banco do Brasil, que administram esses fundos constitucionais, ficarão responsáveis pela concessão dos empréstimos.

Remuneração nos bancos

A orientação do governo é que os recursos atinjam o maior número possível de beneficiários e cidades. Os juros ficarão em 2,5% ao ano, abaixo da taxa básica (Selic), hoje em 3,75%. A carência máxima será até 31 de dezembro de 2020. Os recursos poderão ser destinados a capital de giro e investimentos, e podem ser tomados por pessoas físicas ou jurídicas, incluindo cooperativas.

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Para o capital de giro, o limite de financiamento é de R$ 100 mil, para bancar despesas de custeio e salários, por exemplo. O prazo máximo de pagamento é de 24 meses. Para investimentos, o limite é de R$ 200 mil, e os recursos devem ser usados no combate às consequências econômicas da pandemia.

O CMN também anunciou uma medida para que bancos mantenham recursos voltados apenas para o setor produtivo e proibiu a antecipação ou aumento de remuneração a seus dirigentes . O objetivo é evitar que as instituições financeiras usem os recursos disponíveis para outras ações que não a manutenção do crédito.

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A medida vale até 30 de setembro deste ano e inclui salários, bônus e participação nos lucros. A resolução determina ainda que os recursos retidos neste momento não podem ser pagos depois. Ou seja, as instituições financeiras não podem simplesmente adiar os pagamentos.

A medida também engloba os pagamentos de juros sobre capital próprio e dividendos acima do mínimo estabelecido no estatuto social de cada instituição. O CMN é formado por Guedes, Campos Neto e o secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues.

Na nota em que divulgou a medida, o BC ressaltou que os bancos têm níveis confortáveis de capital e de liquidez, mas acredita que, neste momento de incerteza, são necessárias ações mais conservadoras.

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Medidas do governo para dinheiro chegar ao setor produtivo

Garantia do Tesouro

  • O Tesouro vai garantir empréstimos do setor financeiro às empresas, com recursos de fundos existentes, como o Fundo de Garantia de Operações e o Garantidor para Investimentos, entre outros. Somados, eles têm uma capcidade de crédito de R$ 50 bilhões.

Aumento da garantia

  • Para pequenas e médias empresas, o Tesouro deverá dar garantias também para empréstimos obtidos, e não apenas para a folha de pagamento, como já anunciado. São R$ 40 bilhões para pagar funcionários, sendo R$ 34 bilhões garantidos por recursos públicos.

Contrapartidas aos bancos

  • Para estimular a concessão de crédito, o Banco Central permitirá que as instituições financeiras deduzam o valor financiado dos recolhimentos compulsórios. Esses recursos ficariam, então, liberados para empréstimos. O volume pode chegar a R$ 6 bilhões.

Fundos constitucionais

  • O CMN autorizou uma linha de crédito de até R$ 6 bilhões para comércio e serviços de cidades que decretaram calamidade pública. Os recursos virão dos Fundos Constitucionais de Financiamento do Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

Limite a bônus de banqueiros

  • O governo proibiu que bancos elevem ou antecipem a remuneração dos dirigentes, como salários, bônus e participação nos lucros. O objetivo é evitar o uso de recursos que poderiam ser direcionados ao crédito. Valerá até 30 de setembro.

*Colaborou Amanda Almeida