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Economia Coronavírus

Governo tem o desafio de fazer auxílio de R$ 600 para informais chegar a 'novo pobre'

Para especialistas, maior dificuldade será preencher lacuna do Cadastro Único para chegar a quem viu renda desaparecer por causa da pandemia
Quatro estados admitem descumprir limite com folha de pessoal Foto: Arquivo
Quatro estados admitem descumprir limite com folha de pessoal Foto: Arquivo

RIO - A decisão do governo de distribuir R$ 600 para cada trabalhador informal como forma de proteção aos efeitos causados pela pandemia de coronavírus embute o desafio de encontrar o melhor caminho para o dinheiro chegar aos que realmente precisam da ajuda. O Cadastro Único (CadÚnico), do Ministério da Cidadania, principal fonte de informações sociais do país e usado pelo Bolsa Família, contempla mais de 28,8 milhões de famílias, mas apenas parte dos 46,8 milhões de informais do país estão nessa base de dados.

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Especialistas ouvidos pelo GLOBO afirmam que o grande desafio é identificar o “novo pobre”, aquele que não está presente no CadÚnico, mas se tornou vulnerável agora. Muitos possuíam ocupação anterior à pandemia, e hoje estão em situação de renda suprimida. No entanto, economistas são categóricos em afirmar que é necessário trabalhar novas estratégias em paralelo à injeção de recursos para todos os brasileiros cadastrados no sistema social.

Em nota técnica divulgada na sexta-feira, pesquisadores do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) sugerem que o CadÚnico seja utilizado para distribuição de um benefício extraordinário de pelo menos R$ 450 por família, por um período de seis meses, prorrogáveis, para todas as famílias inscritas no sistema com renda de até meio salário mínimo por pessoa, incluídos beneficiários do Bolsa Família.

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Segundo Luiz Henrique Paiva, um dos autores do estudo, cerca de  30% da população, concentrados entre os mais pobres, teriam algum nível de proteção contra a crise associada à Covid-19, de modo quase imediato. Trata-se, segundo ele, do caminho mais rápido para distribuir os recursos, uma vez que os mecanismos são os mesmos de distribuição do Programa Bolsa Família, só que em maior escala, utilizando-se da estrutura da Caixa e do Ministério da Cidadania.

Hoje, o Bolsa Família contempla cerca de 13,1 milhões de famílias.

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- É um meio de chegar nos 30% mais pobres em algumas semanas. Existe uma parcela que é bancarizada, basta incluir na folha de pagamento. Se não for, é preciso criar um cartão social. Isso acontece todos os meses (com Bolsa Família), mas a escala é diferente. A situação tem que ser tratada como uma situação de guerra - explica.

No documento, os pesquisadores afirmam que qualquer medida emergencial que seja feita para além dos limites do modelo atual de funcionamento do Bolsa Família enfrentará, muito provavelmente, dificuldades operacionais, que precisam ser consideradas em sua implementação, sob o risco de pouca efetividade na situação de enfrentamento da Covid-19.

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Uma alternativa sugerida por Paiva é a utilização de bases já existentes para identificação do público fora do CadÚnico, como registros de microemprendedores individuais (MEI) e de contribuintes autônomos no sistema da previdência. No entanto, ele alerta ser necessário trabalhar essas alternativas de forma paralela com as ações por meio do sistema já existente.

- O fato de não termos de forma muito clara o que fazer para incluir os novos não isenta formas que contemplem de forma imediata muitos dos que já estão precisando. Se parar tudo pra esperar até que tenha uma resposta para o novo grupo, perdemos a oportunidade de chegar de forma imediata a quem precisa.

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Para o pesquisador Marcelo Neri, diretor da FGV Social, a falta de critérios para definir quem está elegível para receber o “coronavoucher” deve gerar uma corrida desenfreada na busca de recursos, sob custo de penalizar a focalização aos mais necessitados. Ele defende que o governo utilize as bases já existentes, além do Cadastro Único, como Imposto de Renda e Caged/Rais, para filtrar o público, a partir das informações coletadas.

Para Neri, a busca ativa por meio de ONGs e líderes comunitários, sugerida pelo economista Ricardo Paes e Barros, foi experimentada no passado e mostrou-se pouco eficiente:

- A sequência das coisas importa. Você está saindo de uma situação de governo "pão-duro" na crise para uma situação que está jogando dinheiro pela janela. Está faltando critério. As coisas não estão sendo pensadas na sequência correta. Precisamos fazer o cadastro do cadastro.

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Para Tatiana Roque, professora da UFRJ e vice-presidente da Rede Brasileira de Renda Básica, a demora na definição das estratégias pode fazer com que o recebimento do benefício, hoje previsto por três meses, seja prejudicado:

- Só para o cadastramento dos novos, vamos perder um mês, e a maior dificuldade é o tempo. Um dos grandes defeitos da medida aprovada é só serem três meses (de pagamento). Essa crise não vai durar isso, precisamos de estímulos de maior duração.