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Economia Coronavírus

Guinada na política econômica contra a crise do coronavírus veio na base da pressão, dizem especialistas

Medidas como financiamento para empresas manterem salários e auxílio financeiro para informais revelam mudança na postura fiscal do governo, avaliam analistas
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, detalha pacote de financiamento de folha de pagamento de empresas ao lado do presidente Jair Bolsonaro. Foto: Marcos Corrêa/PR
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, detalha pacote de financiamento de folha de pagamento de empresas ao lado do presidente Jair Bolsonaro. Foto: Marcos Corrêa/PR

RIO - Dinheiro direto na conta do trabalhador, crédito para empresas bancado majoritariamente pelo Tesouro Nacional, numa injeção de R$ 40 bilhões. As medidas apresentadas pelo governo nesta última sexta-feira revelaram um Executivo bem diferente daquele que anunciou em 11 de março uma lista de projetos de reformas que tramitam no Congresso como o remédio para enfrentar a paralisação da economia diante dos planos para conter a pandemia de coronavírus no Brasil. O mesmo Executivo que há pouco mais de uma semana chegou a propor a suspensão de contratos de trabalho sem pagamento de salário, mas recuou.

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Para especialistas houve uma mudança clara, e ela veio na base da pressão. Eles afirmam que o governo foi pressionado a tomar medidas mais efetivas para reduzir a recessão causada pelo isolamento e que demorou a agir para proteger empregos e renda nesse momento inédito de crise sanitária e econômica.

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A guinada na política econômica foi até maior no Brasil que no resto do mundo. Por aqui, há um ano e meio, o governo vinha buscando reduzir despesas públicas por meio de reformas. Armando Castelar, economista da Fundação Getulio Vargas (FGV), observa que nos Estados Unidos e Europa, as medidas de estímulos fiscais para reativar a economia já estavam em andamento antes mesmo da crise do coronavírus :

— Toda a política do governo era voltada para se gastar menos. Aqui está sendo exigido agora um cavalo de pau ainda mais forte, contra tudo que a equipe econômica queria fazer. É difícil aceitar uma mudança tão radical. Na Europa, antes da Covid-19, já havia uma demanda do Banco Central (Europeu) de que tivesse mais estimulo fiscal porque a política de juros baixos estava sendo contraproducente. O aumento do gasto público estava fluindo, quando veio a crise também nos Estados Unidos.

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Para Monica de Bolle, diretora de Estudos Latino-americanos e Mercados Emergentes da Johns Hopkins University, o governo não mudou, apenas foi obrigado, pressionado, a tomar as medidas que tomou nesta sexta-feira.

— Foi na força bruta. Até agora, não estavam fazendo nada. Foram pressionados. No começo foram de um preciosismo fiscal, como se o momento não fosse de absoluta emergência. Houve mudança, sim, mas muito tímida, não tão assertiva. Não estou convencida de que eles entendem a gravidade da crise.

Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, avalia que o Ministério da Economia ainda parece um tanto perdido sobre as ações que devem ser tomadas para enfrentar a crise desencadeada pela pandemia:

— Parece que houve um entendimento maior entre Banco Central e Congresso. Mesmo que o presidente ignore o problema, outras autoridades estão lidando da melhor forma com a crise. Mas o Ministério da Economia ainda está um pouco perdido no que precisa ser feito.

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Para a economista Margarida Gutierrez, da UFRJ, não houve mudança na política econômica do governo porque as ferramentas de controle fiscal não foram desmobilizadas. O teto de gastos (que limita o crescimento das despesas à inflação do ano anterior) e as metas fiscais permanecem, essa ressalta:

— Nesses últimos 15 dias, a gente subestimou a crise que vinha por aí. À medida em que vai avançando, todo mundo se dá conta do que é o isolamento social. Houve mudança de percepção da destruição econômica que vai acontecer. Vai pipocar mais uma série de medidas para soltar o dinheiro que for preciso para, não evitar a recessão, mas minimizar a recessão. Com esse guarda-chuva da calamidade pública, o governo tem autorização para gastar o que for necessário.

O economista Marcos Lisboa, presidente do Insper, afirma que o governo demorou a agir:

— Foi um pouco lenta a reação. A crise começou muito antes dos outros países. Aparentemente, o governo minimizou o tamanho do problema e não se preparou para essa crise. As medidas foram atabalhoadas para cuidar da saúde e das necessidades da população.

Para Lisboa, o governo está tentando recuperar o prejuízo, na direção correta, citando principalmente a aprovação pela Câmara de um valor maior de transferência de renda para os mais vulneráveis, os trabalhadores informais, de R$ 600. O governo federal inicialmente tinha previsto transferir R$ 200.

— Sinto falta de um comitê gestor da crise. Tem de informar melhor a população. O nível de desinformação é preocupante. Está faltando liderança. O Executivo tem que liderar, dizer o que vai ter que ficar confinado, o que não pode parar, garantir logística, infraestrutura, energia, fornecimento de água, protocolos médicos para equipes, para elas atuarem da maneira mais segura possível. Essa falta de inteligência e governança está sendo muito prejudicial e preocupante.