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Economia Imóveis

Com renda em baixa, mais brasileiros atrasam prestação da casa própria e buscam juro menor

Desemprego em alta eleva a inadimplência no financiamento imobiliário. Portabilidade vira saída para mutuários em dificuldades
Prédios em Jacarepaguá, no Rio: crise aumenta peso da prestação da casa própria no orçamento Foto: Guilherme Pinto / Agência O Globo
Prédios em Jacarepaguá, no Rio: crise aumenta peso da prestação da casa própria no orçamento Foto: Guilherme Pinto / Agência O Globo

BRASÍLIA E RIO - Com níveis recordes de desemprego e perda da renda, mais brasileiros — principalmente os mais pobres — passaram a ter dificuldade para pagar financiamentos imobiliários neste ano.

Veja: Difícil pagar financiamento imobiliário? Veja quando a portabilidade vale a pena

Segundo dados do Banco Central, o índice de inadimplência nos contratos que usam recursos do FGTS, majoritariamente voltados para moradia popular, subiu de 1,69% em dezembro para 2,27% em março.

O aperto nas contas fez mais pessoas recorrerem à portabilidade, a transferência de dívida para outra instituição, em busca de juros menores. A procura por esse serviço aumentou bastante nos últimos meses.

Em março do ano passado, foram 3.606 pedidos de portabilidade de crédito imobiliário somando Sistema Financeiro Habitacional (SFH), com juros limitados, e Sistema Financeiro Imobiliário (SFI) — bancado com recursos próprios dos bancos e taxas definidas pelo mercado. Já no mesmo mês de 2021, foram 8.803 pedidos, um aumento de 144,1%.

Renegociação com banco

A portabilidade é uma das formas recomendadas pela planejadora financeira e professora da FGV Myrian Lund para enfrentar as dificuldades nos pagamentos das parcelas, além da renegociação com o próprio banco.

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Ela destaca que a inadimplência deve cair quando o mercado de trabalho melhorar. O aumento do número dos que não conseguem pagar a prestação vem depois de queda histórica nos índices no ano passado, resultado de reduções de pagamento e períodos de carência instituídos pelos bancos, inclusive pela Caixa, responsável por programas como o Minha Casa Minha Vida.

Financiamento imobiliário Foto: Agência O Globo
Financiamento imobiliário Foto: Agência O Globo

— Onde a inadimplência está realmente assustando e os créditos estão problemáticos é na classe mais baixa, que é a que mais sofreu com a pandemia, porque é a que perde o emprego mais rápido e não tem especialidade, então é a última que volta também — destacou a professora.

Desempregada, a assistente administrativa Mônica da Silva, de 38 anos, conseguiu desde junho do ano passado uma redução de 50% na prestação de R$ 560 do financiamento imobiliário da Caixa.

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Antes disso, ela teve por três meses a suspensão da cobrança por causa da pandemia. Moradora de Jaboatão dos Guararapes, Pernambuco, Mônica obteve o financiamento em 2016, com entrada de R$ 6 mil em recursos do FGTS.

Ela conta que a interrupção e a diminuição das parcelas foram essenciais para a família:

— Recebo o auxílio emergencial. As coisas estão bem apertadas aqui em casa. Todas essas iniciativas estão ajudando a arcar com as despesas, e, também, a conseguir cumprir com o financiamento, caso contrário nem isso conseguiria pagar.


Inflação também influencia

Para o economista Miguel de Oliveira, da Associação Nacional de Executivos (Anefac), o aumento da inadimplência está relacionado a fatores como alta do desemprego, queda na renda e comportamento da inflação.

— O momento é de cautela. Mesmo com as condições do crédito mais facilitadas, somente quem se planejou e tem uma reserva deve assumir dívida de longo prazo, como financiamento habitacional — afirmou Oliveira

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Outro índice que levanta um alerta é o de ativos problemáticos, que são créditos em inadimplência ou reestruturados com maior risco de calote. De março de 2020 para o mesmo mês deste ano, os ativos problemáticos imobiliários financiados pelo FGTS subiram 29%, para R$ 28,4 bilhões.

— Embora a gente tenha visto nos últimos meses uma tendência de pequena elevação na inadimplência, na série maior você ainda não vê uma luz vermelha aqui, mas é pra gente acompanhar em questão de todo o contexto de aumento da desigualdade na pandemia, que empobreceu as famílias — explicou Ana Castelo, coordenadora de Projeto da Construção na FGV.

Crédito com IPCA

Outro tipo de financiamento que está registrando alta na inadimplência é o de home equity — quando quem está pegando o empréstimo oferece a casa própria como garantia.

O índice subiu de 3,18% em outubro para 4,23% em março deste ano. Como a garantia é forte, os juros tendem a ser mais baixos, mas é necessário fazer os cálculos para saber se o financiamento cabe no orçamento da família.

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Com a inflação chegando a 8,06% nos 12 meses terminados em maio, os financiamentos atrelados ao IPCA também têm ficado mais caros. A inadimplência no segmento cresce mês a mês: em dezembro era de 0,04% e chegou a 0,2% em abril.

Ana Maria ressalta que quando o modelo foi lançado, em 2019, parecia interessante porque o índice de inflação era baixo na época:

— As famílias foram atraídas pela inflação, que era baixa, com taxa de juros baixa, o que tornou o crédito acessível. Agora, você tem elevação da inflação, aumentando o custo e o risco de inadimplência desse tipo de financiamento.

(*) Estagiário sob supervisão de Danielle Nogueira .