BRASÍLIA E RIO - Com níveis recordes de desemprego e perda da renda, mais brasileiros — principalmente os mais pobres — passaram a ter dificuldade para pagar financiamentos imobiliários neste ano.
Veja: Difícil pagar financiamento imobiliário? Veja quando a portabilidade vale a pena
Segundo dados do Banco Central, o índice de inadimplência nos contratos que usam recursos do FGTS, majoritariamente voltados para moradia popular, subiu de 1,69% em dezembro para 2,27% em março.
O aperto nas contas fez mais pessoas recorrerem à portabilidade, a transferência de dívida para outra instituição, em busca de juros menores. A procura por esse serviço aumentou bastante nos últimos meses.
Em março do ano passado, foram 3.606 pedidos de portabilidade de crédito imobiliário somando Sistema Financeiro Habitacional (SFH), com juros limitados, e Sistema Financeiro Imobiliário (SFI) — bancado com recursos próprios dos bancos e taxas definidas pelo mercado. Já no mesmo mês de 2021, foram 8.803 pedidos, um aumento de 144,1%.
Renegociação com banco
A portabilidade é uma das formas recomendadas pela planejadora financeira e professora da FGV Myrian Lund para enfrentar as dificuldades nos pagamentos das parcelas, além da renegociação com o próprio banco.
Crise da pandemia: Senado aprova suspensão de despejo de imóveis alugados até o fim de 2021
Ela destaca que a inadimplência deve cair quando o mercado de trabalho melhorar. O aumento do número dos que não conseguem pagar a prestação vem depois de queda histórica nos índices no ano passado, resultado de reduções de pagamento e períodos de carência instituídos pelos bancos, inclusive pela Caixa, responsável por programas como o Minha Casa Minha Vida.
— Onde a inadimplência está realmente assustando e os créditos estão problemáticos é na classe mais baixa, que é a que mais sofreu com a pandemia, porque é a que perde o emprego mais rápido e não tem especialidade, então é a última que volta também — destacou a professora.
Desempregada, a assistente administrativa Mônica da Silva, de 38 anos, conseguiu desde junho do ano passado uma redução de 50% na prestação de R$ 560 do financiamento imobiliário da Caixa.
Financiamento imobiliário: Veja qual linha de crédito é o melhor 'match' para você chegar à casa própria
Antes disso, ela teve por três meses a suspensão da cobrança por causa da pandemia. Moradora de Jaboatão dos Guararapes, Pernambuco, Mônica obteve o financiamento em 2016, com entrada de R$ 6 mil em recursos do FGTS.
Ela conta que a interrupção e a diminuição das parcelas foram essenciais para a família:
— Recebo o auxílio emergencial. As coisas estão bem apertadas aqui em casa. Todas essas iniciativas estão ajudando a arcar com as despesas, e, também, a conseguir cumprir com o financiamento, caso contrário nem isso conseguiria pagar.
Inflação também influencia
Para o economista Miguel de Oliveira, da Associação Nacional de Executivos (Anefac), o aumento da inadimplência está relacionado a fatores como alta do desemprego, queda na renda e comportamento da inflação.
— O momento é de cautela. Mesmo com as condições do crédito mais facilitadas, somente quem se planejou e tem uma reserva deve assumir dívida de longo prazo, como financiamento habitacional — afirmou Oliveira
Veja: Caixa reduz juros da casa própria e anuncia outras medidas para beneficiar mutuários
Outro índice que levanta um alerta é o de ativos problemáticos, que são créditos em inadimplência ou reestruturados com maior risco de calote. De março de 2020 para o mesmo mês deste ano, os ativos problemáticos imobiliários financiados pelo FGTS subiram 29%, para R$ 28,4 bilhões.
— Embora a gente tenha visto nos últimos meses uma tendência de pequena elevação na inadimplência, na série maior você ainda não vê uma luz vermelha aqui, mas é pra gente acompanhar em questão de todo o contexto de aumento da desigualdade na pandemia, que empobreceu as famílias — explicou Ana Castelo, coordenadora de Projeto da Construção na FGV.
Crédito com IPCA
Outro tipo de financiamento que está registrando alta na inadimplência é o de home equity — quando quem está pegando o empréstimo oferece a casa própria como garantia.
O índice subiu de 3,18% em outubro para 4,23% em março deste ano. Como a garantia é forte, os juros tendem a ser mais baixos, mas é necessário fazer os cálculos para saber se o financiamento cabe no orçamento da família.
Alívio para o contribuinte: Governo entrega nesta sexta projeto para elevar isenção do IR para até R$ 2.500
Com a inflação chegando a 8,06% nos 12 meses terminados em maio, os financiamentos atrelados ao IPCA também têm ficado mais caros. A inadimplência no segmento cresce mês a mês: em dezembro era de 0,04% e chegou a 0,2% em abril.
Ana Maria ressalta que quando o modelo foi lançado, em 2019, parecia interessante porque o índice de inflação era baixo na época:
— As famílias foram atraídas pela inflação, que era baixa, com taxa de juros baixa, o que tornou o crédito acessível. Agora, você tem elevação da inflação, aumentando o custo e o risco de inadimplência desse tipo de financiamento.
(*) Estagiário sob supervisão de Danielle Nogueira .