Economia Imóveis

Governo quer permitir que um único imóvel seja usado como garantia em vários empréstimos

Projeto de lei também vai regulamentar o uso do celular como garantia e prevê o fim do monopólio da Caixa no penhor
Imóveis poderão ser usados como garantia de mais de um financiamento Foto: Arquivo
Imóveis poderão ser usados como garantia de mais de um financiamento Foto: Arquivo

BRASÍLIA — O governo anunciou nesta quinta-feira novas regras que flexibilizam o uso de garantias na concessão de crédito para estimular a retomada da economia. Se o projeto de lei que será encaminhado ao Congresso for aprovado, um único imóvel poderá ser usado como garantia para vários empréstimos.

Com um sistema de garantia mais eficiente, o mercado de crédito se expande e a taxa de juros cai naturalmente. O canal de crédito ganha força para auxiliar na retomada econômica no próximo ano e nos demais — disse o secretário de Política Econômica, Adolfo Sachsida.

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A medida vai permitir, por exemplo, que um proprietário que comprou um imóvel financiado possa fazer um novo crédito imobiliário mesmo que não tenha terminado ainda de quitar sua última prestação.

Ou, ainda, que um proprietário de imóvel comprado à vista ou já quitado use este patrimônio como garantia para dois ou mais empréstimos - hoje o limite é de um financiamento por imóvel.

— Nós estamos devolvendo ao dono da garantia o seu direito de usá-la porque onde não é assim. Você vai a um banco, por exemplo, você tem uma casa de R$ 1 milhão, você pega R$ 100 mil emprestado e a casa inteira fica para o banco, está errado isso. A garantia é do trabalhador, é do empreendedor – disse Sachsida.

Redução de juros

O secretário citou outro exemplo para explicar como a medida pode reduzir os juros:

— Você tem uma casa de R$ 100 mil. Pega R$ 10 mil emprestado. Os outros R$ 90 mil são seus. Quando você pode pegar empréstimo com base nessa garantia, a taxa de juros cai de 3, 4, 5% ao mês para 0,8, 0,9, 1% ao mês — afirmou Sachsida.

De acordo com estimativas do Ministério da Economia, as novas regras têm potencial para movimentar R$ 10 trilhões só no crédito imobiliário.

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O novo Marco de Garantias, como foi batizado o projeto de lei, também prevê o fim do monopólio da Caixa no penhor. As novas medidas constam de um projeto de lei encaminhado pelo Executivo ao Congresso Nacional, em regime de urgência.

— Que tal pensarmos numa empresa? Quantos empresários estão precisando de crédito e não conseguem pegar crédito barato porque não têm a garantia? O novo mercado de garantias torna o crédito mais barato para todos os empresários, principalmente os pequenos.

A proposta permite que qualquer tipo de bem possa ser oferecido como garantia na obtenção de empréstimos, como e imóveis, veículos, máquinas, equipamentos, crédito a receber e cria novos agentes financeiros chamados Instituições Gestoras de Garantias (IGG).

Os interessados deverão procurar essas empresas para registrar suas garantias. Elas serão fracionadas a fim de permitir várias operações de crédito em bancos credenciados. No caso de financiamento de imóvel, por exemplo, haverá limites para números de novos contratos. As IGG serão regulamentadas e poderão cobrar taxas pelo serviço.

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Durante o anuncio da medida, Sachsida destacou que o uso de celulares como garantia de empréstimos. Mas esta já é uma prática no mercado, e algumas fintechs oferecem crédito deste tipo.

Crédito mais popular

— O trabalhador, o empresário...agora ele pode usar por exemplo, o celular em garantia. Você pode ir em qualquer lugar (...) Quanto vale seu celular? R$ 700, eu pego isso em garantia. A taxa de juros cai de 5% ao mês para 1,3%, 1,4% aproximadamente. É isso que estamos fazendo no novo marco de garantias — disse o secretário.

Sachsida citou como exemplo de popularização do crédito o saque aniversário do FGTS, uma nova modalidade que permite ao trabalhador oferecer aos bancos os recursos do Fundo como garantia.

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Segundo ele, 16 milhões de trabalhadores optaram por esse tipo de empréstimo, o que representa um total de operações de R$ 20 bilhões. O total de operações chegou a R$ 20 bilhões, com taxa média de 1,1% ao mês.

O secretário lembrou missão dada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes em 2019:

— Ele falou: foca nas garantias, que esse é o caminho para o trabalhador brasileiro.

O projeto permite também que estados e municípios possam usar bancos privados para pagar professores e profissionais da educação, mesmo que os recursos tenham origem no Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), que precisam ser mantidos no Banco do Brasil ou na Caixa Econômica.

Na avaliação de Sachsida, a licitação da folha poderá gerar R$ 4 bilhões aos estados e municípios nos próximos quatro anos:

— Hoje, da maneira como está a legislação, está dando monopólio a bancos públicos. Nós estamos permitindo competição. Da mesma maneira que quebramos o monopólio da Caixa no penhor, nós estamos tirando o monopólio de bancos públicos sobre a folha diretamente dos docentes, recursos direcionados ao Fundeb. Em outras palavras, é uma a plataforma de governo nossa: mais Brasil, e menos Brasília.

Sachsida acrescentou:

— São mais de 5 mil municípios brasileiros beneficiados com essa medida. Afinal de contas, a folha de pagamentos do município é uma garantia do município. Estamos devolvendo ao dono da garantia.

Novas medidas de acesso ao crédito

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, afirmou que há espaço para outras medidas no sentido de facilitar o acesso ao crédito:

— Estamos no começo. Temos muitas medidas para melhorar a eficiência do sistema financeiro — afirmou Campos Neto.

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Ele disse ainda que o governo vê grande potencial na medida:

— Um dos primeiros temas que trabalhamos fazendo o programa do governo foi perceber que o Brasil tem um estoque enorme de imóveis. Tem um grande percentual já está pago, ou seja, tem um volume de ativo fixo na mão das pessoas que não é usado para alavancar crédito, não é usado para gerar recursos. Esse é um instrumento que pode ser usado e que gera crédito, gera dinheiro na economia, sem contrapartida fiscal.

Especialistas elogiam a medida

Para o economista Miguel de Oliveira, da Associação Nacional dos Executivos em Finanças (Anefac), o projeto do governo está em linha com o padrão internacional e pode beneficiar o consumidor. No entanto, ele alerta que a medida pode levar ao endividamento das famílias e perda do imóvel, por exemplo.

- A medida é importante do ponto de vista do consumidor porque as operações com garantia possibilitam prazos de pagamento mais longos e taxas de juros mais baixas já que o risco fica reduzido. É importante que o consumidor  tenha essa alternativa senão ele é obrigado a ir para uma linha mais cara – disse Oliveira, acrescentando:

- À medida em que você abre um espaço para quem já tem um financiamento de imóvel possa fazer um segundo, um terceiro, há risco de perda do imóvel. A questão da educação financeira é importante. Por outro lado, acredito que os bancos serão rigorosos porque eles terão a garantia, mas haverá também outros credores, se a pessoa não pagar,  não vai conseguir receber todo o valor.

Para Marcelo Valença, especialista em direito imobiliário, sócio da Valisa Business Intelligence, a medida não deverá ter impacto significativo para quem ainda está pagando o financiamento habitacional. Mas é positiva para quem já quitou o imóvel.

Ele explicou que o crédito imobiliário tem regras específicas, como isenção de Imposto sobre Operações Financeiras, exige contratação de seguro, avaliação criteriosa do imóvel e entrada nos empréstimos, o que dificulta a operacionalização. No caso de imóvel quitado, isso não acontece e o bem poderá ser usado para obtenção de empréstimos para qualquer finalidade.

- Com um imóvel avaliado em R$ 1 milhão, por exemplo, o tomador poderá pegar empréstimos em vários bancos até o valor do bem. Você não trava seu imóvel em um financiamento especifico – afirmou.

Em nota, o presidente da Federação Brasileira de Bancos, Isaac Sidney, disse que a medida vai tornar o sistema de crédito mais eficiente.

“A Febraban recebe com otimismo o conjunto de medidas anunciadas pelo governo para aperfeiçoar o marco legal de garantias. De acordo com dados do Banco Central, cerca de 32% do spread bancário decorre dos custos da inadimplência, o que significa que o arcabouço legal vigente proporciona pouca efetividade das garantias”, diz a nota.

A entidade considera fundamental que os bancos tenham acesso a garantias que tenham liquidez e baixo custo de recuperação.

“No Brasil recuperamos muito pouco das garantias dos empréstimos, demoramos muito tempo para recuperar e gastamos muito para fazer isso. A consequência imediata é que os custos do crédito sobem e os juros ficam mais altos para os tomadores, tanto as famílias como as empresas”.