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Economia

Indústria supera bancos e vira 'alvo' predileto de hackers, aponta relatório

Levantamento da IBM indica que manufatura foi alvo de 20% dos ataques no Brasíl, sendo o setor mais afetado
Ataques cibernéticos são cada vez mais frequentes. Foto: Pixabay
Ataques cibernéticos são cada vez mais frequentes. Foto: Pixabay

BRASÍLIA — Em junho do ano passado, a gigante da área de alimentos JBS precisou interromper o funcionamento de frigoríficos no Brasil e em outros lugares do mundo por alguns dias após ser alvo de um ataque hacker. Foi um caso conhecido como ransomware , no jargão tecnológico, de um vírus que entra no sistema e "tranca" o acesso a todos os dados que estavam armazenados lá.

Neste tipo de caso, a liberação só acontece após a vítima pagar uma recompensa aos criminosos virtuais. Na época, a empresa divulgou que preferiu aceitar a extorsão ao arcar com os custos de paralisar sua produção por mais tempo.

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O ataque sofrido pela multinacional brasileira, contudo, não foi um caso isolado. É o que mostra um relatório divulgado pela IBM no fim de fevereiro e que aponta o setor de manufatura como o mais atingido por hackers criminosos em 2021, superando o setor de finanças, que normalmente fica no topo desse tipo de lista. Isso vale tanto na análise global como na realidade brasileira.

Especialistas ouvidos pelo GLOBO apontam como principal fator a situação delicada vivida por indústrias em meio à pandemia, pressionadas pela diminuição de estoques e insumos causadas pela pandemia. Com isso, esse setor se tornou alvo fácil para a pressão de criminosos que invadem o sistema e cobram uma recompensa para liberar o acesso novamente.



No Brasil, 20% dos ataques foram no setor de manufatura, refletindo uma tendência global. Como padrão de comparação, em 2019, essa área da economia mundial era o oitavo mais atacado, de acordo com o mesmo relatório da IBM.

— A manufatura é tudo que cria bens de consumo. O que os atacantes perceberam é que é um setor que está com uma tolerância muito baixa para indisponibilidades operacionais. Se a indústria parar de produzir, isso pode causar um impacto muito grande para toda a cadeia — afirma Guilherme Messora, head da IBM Security na América Latina.

E os ataques não miram apenas os sistemas das grandes empresas, mas também de seus fornecedores. No início de março, uma fábrica da Toyota, em Sorocaba, parou por falta de insumos. O alvo dos hackers não foi um sistema da própria montadora, mas da Kojima Industries, que abastece a subsidiária da empresa japonesa no Brasil com peças.

O ataque impactou diretamente a cadeia de suprimentos da montadora, diminuindo em até 8% sua produção mensal.

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A possibilidade de que toda a cadeia de produção seja interrompida, explica Messora, ocorre em meio à transformação digital pelas quais muitas industrias vem passando, com a automação quase que total de seu funcionamento. Nesses casos, um ataque em um dos pontos da cadeia produz um efeito dominó, ou endêmico.

Os ataques, entretanto, não são isolados. Em junho de 2020, fábricas da Natura e da Honda no Brasil também tiveram suas operações impactadas por causa de ataques cibernéticos.

— A gente trabalhou em um caso em que o fornecedor sofreu um ataque e ele prestava serviços para várias empresas grandes. É muito difícil que uma só empresa consiga ficar auditando todos os fornecedores, então os criminosos se aproveitam. Quanto maior é a superfície de ataque, maiores são os pontos de vulnerabilidade — explica a advogada Poliana Szernek, especialista em cibersegurança.

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O advogado Carlos Eduardo Gonçalves, especialista em crimes digitais, lembrou que o pagamento do resgate, decisao tomada por muitos empresários sob o temor de problemas na cadeia produtiva pode ser uma saída mais fácil, mas nao é certeza de sucesso e pode causar mais problemas.

— Quando o empresário faz uma análise econômica da situação, parece compensar o pagamento do resgate em vez de acionar imediatamente a justiça, diante da morosidade do sistema e da dificuldade nas investigações. Preciso ressaltar, no entanto, que quando o empresário faz esse pagamento, ele atrapalha o avanço das autoridades na busca e captura dos criminosos — afirmou.

Segundo Messara, da IBM, o direcionamento para o setor de manufatura é uma tendência mundial, com o setor de finanças ficando em segundo plano. Contudo, além disso, existe também uma mudança no foco geográfico: a América Latina, que antes respondia por 9% dos ataques, agora responde por 13%, segundo o relatório.

No Brasil, a maturidade tecnológica está sendo obtida aos poucos. A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que entrou em vigor em 2019, apenas permitiu sanções a empresas que deixam de cumprir regras de privacidade em agosto do ano passado, explica o advogado Ricardo Caiado Lima.

— Apesar desses avanços, ainda é novidade para algumas empresas a necessidade de investir. Por mais que elas saibam que têm que se adaptar à LGPD, existe uma resistência em investir em segurança cibernética — diz.

Em âmbito criminal, criminosos podem responder por invasão de dispositivo e por extorsão, caso cobrem resgate, explica o criminalista Caio Padilha. No caso da lei brasileira, isso se aplica até mesmo a ataques praticados por estrangeiros. Segundo especialistas, há registros de ataques de países como Estados Unidos, Turquia, Rússia, Irã e China no Brasil.

— Desde dezembro de 2021, o Brasil é signatário da Convenção de Budapeste sobre o Crime Cibernético, que é um tratado internacional que traz diversas medidas para acelerar a persecução penal nesses tipos de crimes, inclusive a criação de uma rede com funcionamento 24/7 para assegurar a assistência imediata às investigações tornando as mais ágeis — afirmou.