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Economia

Inflação em alta freia reação mais forte do setor de serviços

Previsão de crescimento é reduzida à metade e, em 2022, pode haver estagnação com preços pressionados pela energia mais cara
Custos maiores: Darli Lozano, dona de salão de beleza na Tijuca, diz que não conseguiu repassar a alta dos insumos Foto: Leo Martins / Agência O Globo
Custos maiores: Darli Lozano, dona de salão de beleza na Tijuca, diz que não conseguiu repassar a alta dos insumos Foto: Leo Martins / Agência O Globo

RIO - Volta do público aos eventos, retorno presencial aos escritórios e mais gente circulando nas ruas com o avanço da vacinação: o setor de serviços se preparava para ganhar ainda mais fôlego no último trimestre de 2021, depois de um ano e meio de desempenho errático com o abre e fecha da economia durante a pandemia. Mas a disparada da inflação, que acumula alta de 9,68% nos últimos 12 meses, pressionou o custo das empresas e comprimiu o poder de compra das famílias, reduzindo o ímpeto dos serviços, setor que responde por mais de 70% do PIB brasileiro.

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Pelas contas do professor de Economia da UFRJ Roberto Ivo da Rocha, a expansão do setor deve cair pela metade, de 2,5% estimados no início do ano, para 1,2% em 2021. E, em 2022, a expectativa é de estagnação.

O economista sênior da Confederação Nacional do Comércio (CNC) Fabio Bentes calcula que, a cada 10% de aumento da inflação, o setor de serviços repassa 5,5% para o consumidor, tentando evitar uma redução maior nas vendas, que ainda não voltaram ao patamar de antes da pandemia. Ele cita um fator particularmente preocupante desta inflação: a pressão nas tarifas.

— Nos últimos anos, já vimos no Brasil a inflação dos alimentos, mas o que está pressionando os índices hoje são a energia elétrica e os combustíveis. Isso cria um efeito duplo no setor produtivo ligado ao consumo: aumento de custos para o setor e redução da demanda por parte do consumidor — explica Bentes.

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Negócios fechados

Essa é uma das dificuldades enfrentadas por Darli Lozano, dona de um salão de beleza na Tijuca, na Zona Norte do Rio, que perdeu 85% do faturamento desde março de 2020. No começo da pandemia, ela teve que enxugar 70% do quadro de funcionários e mudar para um ponto menos competitivo, para cortar custos. Agora, sofre com insumos mais caros:

— Quando questionamos os fornecedores dos produtos, eles falam que têm que repassar o aumento, mas eu não posso fazer o mesmo com os meus clientes. Meus serviços têm preço de antes da pandemia, mas os produtos que eu uso já sofreram dois aumentos nesse período.

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Economistas reforçam que, em momentos de aperto econômico, os serviços não essenciais, como cinema, salão de beleza e restaurantes, são os primeiros a serem cortados dos gastos mensais.

— Muitos negócios estão fechando porque se tornaram insustentáveis, foram obrigados a fechar por muitos meses e, depois que foram autorizados a funcionar presencialmente, a estrutura de custo não era a mesma — explica o economista da Fundação Getulio Vargas (FGV) André Braz.

Em julho, segundo dados do IBGE, o setor de serviços cresceu 1,1% e, com isso, está 3,9% acima do patamar de fevereiro de 2020. Mas, quando se considera apenas os serviços prestados às famílias (ou seja, sem incluir os serviços industriais), o patamar ainda é 23% inferior ao período pré-pandemia.

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O economista Alberto Ramos, do Goldman Sachs, acredita que o avanço da vacinação vai ajudar na retomada. Mas alerta que a aceleração da inflação, a perspectiva de alta de juros e as incertezas políticas podem frear o movimento.

Sílvia Matos, também da FGV, diz que é um momento difícil para o setor que deveria estar crescendo muito mais, ao ter, ao mesmo tempo, aumento de custo e redução de demanda por parte das famílias que estão com o orçamento mais comprometido com energia e alimentos.

— Num cenário razoável, deveríamos estar crescendo muito acima de 5%.

A designer Ilana Alves, moradora da Zona Oeste do Rio, parou de frequentar academia em abril. Ela pagava metade da mensalidade pelo plano da empresa, e reduziu idas ao salão de beleza de mensais para trimestrais. A quantia poupada foi para arcar com o aumento de R$ 90 na conta de luz e de R$ 250 no supermercado:

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— O salão custa quase R$ 240, o valor da conta de luz. Não posso ter esse custo, eu tive que cortar. Eu tive que passar a escolher as coisas com as quais posso gastar. Não sei quando voltarei usar esses serviços como antes.

Colaborou Cássia Almeida

*Estagiária supervisionada por Luciana Rodrigues