RIO - Volta do público aos eventos, retorno presencial aos escritórios e mais gente circulando nas ruas com o avanço da vacinação: o setor de serviços se preparava para ganhar ainda mais fôlego no último trimestre de 2021, depois de um ano e meio de desempenho errático com o abre e fecha da economia durante a pandemia. Mas a disparada da inflação, que acumula alta de 9,68% nos últimos 12 meses, pressionou o custo das empresas e comprimiu o poder de compra das famílias, reduzindo o ímpeto dos serviços, setor que responde por mais de 70% do PIB brasileiro.
Avanço: Serviços crescem 1,1% em julho e atingem maior nível desde março de 2016
Pelas contas do professor de Economia da UFRJ Roberto Ivo da Rocha, a expansão do setor deve cair pela metade, de 2,5% estimados no início do ano, para 1,2% em 2021. E, em 2022, a expectativa é de estagnação.
O economista sênior da Confederação Nacional do Comércio (CNC) Fabio Bentes calcula que, a cada 10% de aumento da inflação, o setor de serviços repassa 5,5% para o consumidor, tentando evitar uma redução maior nas vendas, que ainda não voltaram ao patamar de antes da pandemia. Ele cita um fator particularmente preocupante desta inflação: a pressão nas tarifas.
— Nos últimos anos, já vimos no Brasil a inflação dos alimentos, mas o que está pressionando os índices hoje são a energia elétrica e os combustíveis. Isso cria um efeito duplo no setor produtivo ligado ao consumo: aumento de custos para o setor e redução da demanda por parte do consumidor — explica Bentes.
Open delivery: Bares e restaurantes lançam sistema que padroniza dados dos estabelecimentos nas plataformas de entrega
Negócios fechados
Essa é uma das dificuldades enfrentadas por Darli Lozano, dona de um salão de beleza na Tijuca, na Zona Norte do Rio, que perdeu 85% do faturamento desde março de 2020. No começo da pandemia, ela teve que enxugar 70% do quadro de funcionários e mudar para um ponto menos competitivo, para cortar custos. Agora, sofre com insumos mais caros:
— Quando questionamos os fornecedores dos produtos, eles falam que têm que repassar o aumento, mas eu não posso fazer o mesmo com os meus clientes. Meus serviços têm preço de antes da pandemia, mas os produtos que eu uso já sofreram dois aumentos nesse período.
A inflação de cada um: com índice perto de 10% no país, veja quanto subiu a sua cesta de compras em um ano
Economistas reforçam que, em momentos de aperto econômico, os serviços não essenciais, como cinema, salão de beleza e restaurantes, são os primeiros a serem cortados dos gastos mensais.
— Muitos negócios estão fechando porque se tornaram insustentáveis, foram obrigados a fechar por muitos meses e, depois que foram autorizados a funcionar presencialmente, a estrutura de custo não era a mesma — explica o economista da Fundação Getulio Vargas (FGV) André Braz.
Em julho, segundo dados do IBGE, o setor de serviços cresceu 1,1% e, com isso, está 3,9% acima do patamar de fevereiro de 2020. Mas, quando se considera apenas os serviços prestados às famílias (ou seja, sem incluir os serviços industriais), o patamar ainda é 23% inferior ao período pré-pandemia.
Orçamento das famílias: Banho cronometrado, troca de cardápio e fim do delivery
O economista Alberto Ramos, do Goldman Sachs, acredita que o avanço da vacinação vai ajudar na retomada. Mas alerta que a aceleração da inflação, a perspectiva de alta de juros e as incertezas políticas podem frear o movimento.
Sílvia Matos, também da FGV, diz que é um momento difícil para o setor que deveria estar crescendo muito mais, ao ter, ao mesmo tempo, aumento de custo e redução de demanda por parte das famílias que estão com o orçamento mais comprometido com energia e alimentos.
— Num cenário razoável, deveríamos estar crescendo muito acima de 5%.
A designer Ilana Alves, moradora da Zona Oeste do Rio, parou de frequentar academia em abril. Ela pagava metade da mensalidade pelo plano da empresa, e reduziu idas ao salão de beleza de mensais para trimestrais. A quantia poupada foi para arcar com o aumento de R$ 90 na conta de luz e de R$ 250 no supermercado:
Combustíveis: ICMS não aumentou nos últimos 12 meses, afirmam governadores sobre preço
— O salão custa quase R$ 240, o valor da conta de luz. Não posso ter esse custo, eu tive que cortar. Eu tive que passar a escolher as coisas com as quais posso gastar. Não sei quando voltarei usar esses serviços como antes.
Colaborou Cássia Almeida
*Estagiária supervisionada por Luciana Rodrigues