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Economia Investimentos

Metade das empresas que fizeram IPO em 2021 já valem menos que na estreia na Bolsa

Das 46 que abriram capital neste ano, 24 viram seu valor de mercado cair. Alta de juros e ambiente econômico ruim estão entre os fatores para a desvalorização
Paínel da Bolsa de Valores de São Paulo, a B3 Foto: Patricia Monteiro / Bloomberg
Paínel da Bolsa de Valores de São Paulo, a B3 Foto: Patricia Monteiro / Bloomberg

RIO - O salto no número de investidores na Bolsa, em um ambiente de juros baixos, levou muitas empresas a buscarem o mercado de renda variável para obter recursos. No meio do caminho, porém, estavam uma inflação persistente, turbulências políticas sem fim, um meteoro em dívidas judiciais a serem pagas — e até aqueles juros baixos passaram a subir.

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Foi uma combinação para as novatas da Bolsa. Segundo levantamento da Economatica feito a pedido do GLOBO, das 46 companhias que fizeram ofertas públicas iniciais de ações (IPO, na sigla em inglês) este ano, 24 tiveram redução em seu valor de mercado, quando se compara o fechamento de ontem com o dia da abertura de capital.

O próprio Ibovespa, principal índice da B3, está bem longe do patamar de 130 mil pontos, registrado no início de junho: ontem, encerrou aos 114.064 pontos .

Novatas acabam punidas

O cenário macroeconômico ruim é o principal motivo citado, pois tende a punir empresas com pouca liquidez no mercado, isto é, com poucos papéis em circulação, e que ainda precisam convencer investidores sobre seu modelo de negócios.

Em momentos de instabilidade, como o atual, esses ativos são os primeiros a serem descartados por fundos e investidores.

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— Tivemos algumas reversões de expectativas do cenário macroeconômico. E o mercado não está esperando mais grandes reformas que impactem a atividade econômica. Os gestores começam a ficar mais inseguros e não querem correr o risco de estar em papéis que, se precisarem vender, terão de dar grande desconto — diz Gustavo Miranda, responsável pela área de Investment Banking do Santander.

Um desses casos é o da varejista de itens para casa Mobly. Ela estreou na Bolsa em fevereiro, obtendo R$ 933 milhões e atingindo valor de mercado de R$ 2,23 bilhões. Os papéis, no entanto, não tiveram o desempenho esperado, e hoje a companhia é avaliada em R$ 905 milhões, um recuo de R$ 1,32 bilhão.

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Para o CEO e fundador da Mobly, Victor Noda, o ambiente econômico negativo, com o novo ciclo de alta dos juros, é um dos responsáveis:

— Óbvio que ninguém gosta de ver as ações caindo, mas não chega a tirar o nosso sono. Apesar da queda, os fundamentos da empresa estão até melhores. A gente conhece o Brasil e sabe que, uma vez aberto o capital, estaríamos mais expostos.

Setor de tecnologia

Juros elevados tendem a prejudicar empresas do setor de tecnologia — a Mobly tem forte atuação on-line —, que precisam levantar capital para garantir seu crescimento no longo prazo, mesmo que tenham prejuízo nos primeiros anos.

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Além dos juros, a base de comparação com 2020, quando as vendas saltaram devido ao home office, e a redução das restrições do varejo físico também atrapalharam o faturamento da empresa.

A GetNinjas, plataforma on-line que conecta profissionais de variadas áreas a potenciais clientes, também passou por isso. Seu IPO, em maio, levantou R$ 482 milhões. Desde então, seu valor de mercado caiu de R$ 1 bilhão para R$ 652,92 milhões.

O fundador e presidente da GetNinjas, Eduardo L’Hotellier, ressalta que empresas jovens correm mais riscos em momentos de turbulência. Mas diz que o começo desafiador já era esperado:

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— O investidor de tecnologia tem que estar preparado para ter volatilidade e fazer uma cesta de empresas que ele acredita que terão lucros no futuro.

Analistas citam ainda, como motivo para as quedas, o fato de que muitas dessas empresas ou abrem os caminhos para um setor no mercado de capitais ou são de mercados com pouca representatividade. É o caso das empresas do agronegócio, setor com forte presença no Produto Interno Bruto (PIB) do país, mas com poucas listadas na Bolsa.

Integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) na B3, em protesto contra a inflação e o desemprego. Com faixas com dizeres como 'Sua ação financia nossa miséria', eles disseram que a Bolsa sintetiza a desigualdade do país Foto: Amanda Perobelli / Reuters
Integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) na B3, em protesto contra a inflação e o desemprego. Com faixas com dizeres como 'Sua ação financia nossa miséria', eles disseram que a Bolsa sintetiza a desigualdade do país Foto: Amanda Perobelli / Reuters

O diretor financeiro de uma empresa do agronegócio, que não quis ser identificado, lembra que setores mais maduros normalmente sofrem menos:

— As empresas novas não tiveram chance de mostrar seus resultados e acabam sofrendo mais por uma visão dos investidores de mitigação de riscos. Seus papéis são os primeiros a serem vendidos.

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Em julho, abriram capital 3Tentos e Agrogalaxy. A primeira atingiu valor de R$ 6,05 bilhões, e a segunda, de R$ 2,30 bilhões. Pelo fechamento de ontem, agora valem R$ 4,84 bilhões e R$ 1,54 bilhão, respectivamente.

— O mercado nacional é muito emocional no curto prazo, mas racional no longo prazo. As empresas novas na Bolsa têm dificuldades a mais para enfrentar — diz João Daronco, analista da Suno Research.

Otimismo se mantém

As empresas ainda asseguram que fundos e investidores que ajudaram a ancorar os IPOs permanecem, e alguns até aumentaram sua participação, apesar da turbulência.

Elas também não se arrependem de ter aberto capital. O dinheiro obtido nos IPOs permitiu a expansão dos negócios de forma acelerada em setores onde a competição é cada vez mais forte.

— Foi muito importante para que acelerássemos a implementação de nossa estratégia. Antes do IPO tínhamos que fazer escolhas, mas agora podemos desenvolver a Mobly em diversas frentes — diz Noda.

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A Mobly pretende aumentar o número de suas lojas físicas e ampliar a oferta de produtos disponíveis em seu site para cerca de 300 mil itens até o fim do ano.

Na GetNinjas, também há otimismo. No primeiro semestre, o número de novos profissionais cadastrados cresceu 3,5 vezes em relação ao mesmo período de 2020.

— Aceleramos as contratações e investimentos em tecnologias — diz L’Hotellier, destacando que cerca de 80% do valor arrecadado no IPO ainda não foram gastos.

Miranda, do Santander, ainda vê um cenário favorável para novos IPOs, já que em 2022, por causa das eleições, espera-se volatilidade:

— Ofertas com boas histórias vão ter suporte. IPOs menores podem ter um pouco mais de desafio, mas temos 20% mais empresas listadas do que em 2019.