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Entre altos e baixos, Ibovespa avançou 6,54% no 1º semestre. Até onde ela pode chegar?

Para analistas, alta das commodities, alívio fiscal e investidor estrangeiro podem ajudar. Política, energia e cenário externo estão entre os riscos
Desde o final de maio, Ibovespa renovou seu recorde histórico por seis pregões consecutivos. Foto: Marco Ankosqui / Agência O Globo
Desde o final de maio, Ibovespa renovou seu recorde histórico por seis pregões consecutivos. Foto: Marco Ankosqui / Agência O Globo

RIO — Nos primeiros seis meses do ano a Bolsa de São Paulo, a B3, viveu muitas emoções. Já nas primeiras semanas de 2021, o Ibovespa, principal índice do mercado acionário brasileiro, chegou a renovar seu recorde histórico em pontos. Foi uma festa. Mas, depois disso, foram longos meses patinando até que um novo embalo voltasse no final de maio.

O índice chegou a registrar oito dias consecutivos de alta, seis deles com renovação de recordes . Mas entrou em um período de correção de lucros ao longo de junho, andando praticamente de lado.

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Terminou o mês com alta de 0,46% , pouco para quem quase alcançou o patamar de 131 mil pontos. No pregão de quarta-feira, o último do primeiro semestre, fechou aos 126.802 pontos, afastado dos 130.776 pontos da máxima histórica.

No acumulado do ano, a alta é de  6,54%. Nada mau após o baque da pandemia em 2020. Mas até onde a Bolsa brasileira pode ir neste segundo semestre, que começa nesta quinta-feira sob a sombra das propostas da reforma tributária que tributam dividendos, aos abalos políticos da CPI da Covid e a pandemia ainda limitando atividades econômicas?

Em busca de sinais

Investidores tentam mirar em sinalizações mais fortes da retomada econômica, após um resultado positivo do PIB no primeiro trimestre, ao mesmo tempo em que acompanham as movimentações dos bancos centrais no exterior, sobretudo o americano Fed, que podem optar por uma retirada de estímulos da economia mundial antes do esperado e afetar o fluxo de capital para o Brasil.

Para analistas ouvidos pelo GLOBO, fatores como a alta do preço das commodities, redução do risco fiscal e participação do investidor estrangeiro ajudaram nas altas vistas nos últimos meses.

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Para o segundo semestre, eles ainda são otimistas quanto ao desempenho do índice, mas ponderam que elementos como a crise hídrica, a antecipação do cenário eleitoral e a própria reforma tributária podem atrapalhar, sem falar na inflação em alta que pressiona os juros.

Veja abaixo o que ajudou a Bolsa brasileirao longo do primeiro semestre e o que pode influenciar o comportamento do mercado no segundo:

Melhora no cenário fiscal

O ministro da Economia, Paulo Guedes Foto: Edu Andrade / Ministério da Economia
O ministro da Economia, Paulo Guedes Foto: Edu Andrade / Ministério da Economia

Muito da arrancada da Bolsa brasileira se baseou em perspectivas mais positivas para a recuperação da economia brasileira. O resultado do PIB do primeiro trimestre acima das expectativas e as contas públicas ajudaram.

Depois de superar o nível recorde em fevereiro, a dívida pública brasileira caiu pelo terceiro mês seguido em maio , atingindo 84,5% do PIB, segundo dados do BC. No mesmo mês, a arrecadação de impostos e contribuições federais somou R$ 142,1 bilhões , alta real de 69,88% na comparação com maio de 2020.

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O fim da novela sobre o Orçamento para 2021 também aliviou o cenário.

— Antes, a gente tinha um risco fiscal agudo por causa das dúvidas que estavam no ar. Esse risco agudo nos últimos meses se reduziu, mas a gente ainda permanece com um risco crônico – disse o especialista de alocação da Avel Investimentos, Gustavo Maders.

Cenário externo e commodities

Alta no preço das commodities é um dos fatores que ajudaram na queda do dólar Foto: Fotoarena / Agência O Globo
Alta no preço das commodities é um dos fatores que ajudaram na queda do dólar Foto: Fotoarena / Agência O Globo

O cenário externo também ajudou no avanço do mercado brasileiro. A política monetária estimulativa, por meio de juros baixos, adotada pelo Federal Reserve, o banco central americano, incentiva os investidores a  buscarem alternativas mais rentáveis em mercados emergentes, como o brasileiro, mesmo que elas apresentem maiores riscos.

Outro fator positivo é o rali dos preços das commodities . Boa parte das empresas listadas na B3 é associada a matérias-primas como minério, aço, petróleo e alimentos.

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Entre janeiro e junho, por exemplo, as ordinárias da Vale (VALE3) tiveram valorização de 37,96%, no ano. As da Siderúrgica Nacional (CSN3), de 39,97%. Os papéis ON (PETR3) e PN (PETR4) da Petrobras subiram 8,56% e 7,34%.

— O peso das commodities é muito alto dentro do Ibovespa vemos diferenças entre os setores. Tivemos um avanço significativo em commodities metálicas, enquanto empresas mais ligadas à celulose ficaram zeradas e têm espaço para subir — destaca Gabriela Joubert, líder de Equity Research do Banco Inter.

Presença do investidor estrangeiro

Investidores estrangeiros supriram a saída de pessoas físicas na B3 e ajudaram na valorização do real Foto: Patricia Monteiro / Bloomberg
Investidores estrangeiros supriram a saída de pessoas físicas na B3 e ajudaram na valorização do real Foto: Patricia Monteiro / Bloomberg

Quem também vem colaborando com o Ibovespa este ano é o investidor estrangeiro. No acumulado do ano até o dia 28 de junho, esse tipo de investidor injetou R$ 47,6 bilhões no segmento secundário da B3, aquele que negocia ações já listadas.

Em junho, o saldo até esta data é positivo em R$ 16,224 bilhões.

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Esse aporte vem compensando a saída dos investidores pessoas físicas, que aumentaram sua presença de forma considerável na Bolsa, em 2020.

Em junho, até o dia 28 de junho, o saldo desse tipo de investidor é negativo em R$ 3,2 bilhões. No ano, o saldo ainda é positivo de R$ 5,839 bilhões, mas vem caindo.

O fato da Bolsa brasileira ter papéis baratos para o estrangeiro e a melhora nas perspectivas para o país atraem.

— Se pudesse fazer uma escala, creio que 80% da explicação para essa alta recente deve-se ao retorno do estrangeiro — afirma o economista-Chefe da Órama, Alexandre Espirito Santo, ponderando que fatores como a política monetária americana e problemas domésticos podem ditar o rumo que esse tipo de investidor vai tomar.

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O analista da Guide Investimentos, Henrique Esteter, complementa:

— É sempre bom olhar para o que os estrangeiros estão fazendo, pois eles têm a opção de investir em todos os países do mundo. Se ele está vindo para o Brasil, é porque ele está enxergando algo interessante. Além disso, a Bolsa aqui está barata, comparado com os mercados lá fora.

O que mais pode ajudar o Ibovespa?

Andamento da vacinação poderá ajudar a manter o bom desempenho da Bolsa no segundo semestre. Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo
Andamento da vacinação poderá ajudar a manter o bom desempenho da Bolsa no segundo semestre. Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo

Claramente, a subida do índice não ocorrerá em linha reta. Junho já demonstrou isso com muito sobe e desce. Quanto mais alto é o patamar alcançado, fica mais difícil transpor novos recordes.

Mas fatores como a aceleração da campanha de vacinação, o andamento de reformas, como a administrativa, e a permanência de uma política monetária de estímulo no exterior devem ajudar o índice.

— O cenário ainda é desafiador, mas a sensação que fica é que o pior já ficou para trás. O primeiro trimestre foi de muitos desafios e ainda assim os resultados das empresas já vieram acima das expectativas — disse Joubert, destacando que as projeções no Inter são para Ibovespa a 142 mil pontos até o fim do ano, o que seria um novo recorde.

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O andamento da vacinação e a maior expectativa para a retomada econômica ainda podem ajudar papéis que ficaram muito descontados ao longo da pandemia.

Boa parte do Ibovespa é carregado de ações mais sensíveis à retomada econômica, como varejistas, administradoras de shopping e empresas da área de educação, que podem avançar na segunda parte do ano.

Para Alexandre Espírito Santo, especialista da Órama, mesmo com a queda vista no decorrer de junho, o semestre pode ser considerado positivo:

— O Ibovespa está com ganhos de 6% no ano e o dólar em queda de quase 4%. Logo o Ibovespa, em dólares, está com ganhos perto de 10%, o que é muito bom. Cabe lembrar que até abril nossa bolsa estava com retorno negativo e era uma das piores no ano.

E o que mais pode atrapalhar?

Jerome Powell, presidente do Fed, o banco central dos EUA Foto: Kevin Dietsch / Bloomberg
Jerome Powell, presidente do Fed, o banco central dos EUA Foto: Kevin Dietsch / Bloomberg

Uma das maiores preocupações na economia e que pode respingar para o mercado de renda variável é a inflação, tanto a brasileira quanto no exterior. Isso porque, a inflação alta incentiva os bancos centrais a aumentarem as taxas de juros, como já ocorre no Brasil.

Uma possível mudança na atual política de juros baixos nos EUA antes do esperado deve atrapalhar os mercados emergentes, pois faz com que o investidor estrangeiro se torne mais seletivo na hora de fazer suas alocações.

O próprio Ibovespa passou a ter seu fôlego reduzido, após o Fed indicar uma alta de juros para 2023 , antes do esperado pelo mercado.

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Outro ponto que entrou no radar na semana passada, foi a apresentação da segunda fase da reforma tributária pelo governo. A proposta prevê, entre outros pontos, a tributação de dividendos e o fim do instrumento de juros sobre o capital próprio (JCP) .

Desde sexta-feira, setores que são bons pagaores de proventos como os bancos e o elétrico sofreram perdas. Esse último, ainda sofre o impacto da crise hídrica, que eleva o custo da geração de energia com o acionamento de termelétricas para compensar reservatórios vazios nas hidrelétricas.

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Para Esteter, o mercado ainda deve levar algum tempo para digerir as medidas devido à incerteza que ainda paira sobre que mudanças serão de fato efetuadas:

— É difícil para o mercado calibrar o que vai acontecer e as medidas apresentadas têm forte impacto nos resultados das empresas. Quando tiver uma definição mais clara, o mercado deve estabilizar e voltar para as questões operacionais das companhias.

Além disso, variáveis como a antecipação do cenário eleitoral de 2022 para o segundo semestre e notícias negativas para as contas públicas também podem cobrar seu preço.

A eterna instabilidade

Painel de ações na sede da Bolsa no centro de São Paulo Foto: Pedro Kirilos / Agência O Globo
Painel de ações na sede da Bolsa no centro de São Paulo Foto: Pedro Kirilos / Agência O Globo

Os analistas seguem com um sentimento mais otimista em relação ao Ibovespa até o fim do ano, mesmo reconhecendo que as mudanças tributárias aliadas a uma renda fixa mais atrativa com juros mais altos podem afastar investidores da Bolsa.

Ponto pacíifco é que não é possivel fazer apostas firmes, devido à volatilidade estrutural brasileira dos últimos tempos.

— Ainda vemos uma forte perspectiva de alta para o segundo semestre. Dado o contexto e as informações que temos hoje, ainda sigo otimista. Devemos ter um conflito entre questões inerentes às operações das empresas e o caráter político e da pandemia no país — disse Esteter.

O economista-chefe da Órama resume a situação:

— Creio que termos muita volatilidade nos próximos meses.