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Economia Investimentos start-ups

Ganho de escala: a nova rotina das start-ups após a enxurrada de aquisições por gigantes do varejo

Empresas se adaptam ao mundo corporativo, mas sem deixar de lado inovação e agilidade na tomada de decisões
Marco Zolet, CEO da plataforma SuperNow, uma start-up comprada recentemente pela B2W Digital, dona das marcas Americanas.com e Submarino Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo
Marco Zolet, CEO da plataforma SuperNow, uma start-up comprada recentemente pela B2W Digital, dona das marcas Americanas.com e Submarino Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo

RIO - A enxurrada de aquisições de start-ups por grandes varejistas já muda a rotina destas pequenas empresas de tecnologia inovadoras. Em um universo em expansão, que já reúne 13.813 start-ups no país, ao menos 26 foram alvo de aquisições de companhias como B2W, Magalu e Via (antiga Via Varejo, dona de Casas Bahia e Ponto Frio) desde o ano passado.

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Da noite para o dia, a dezena de funcionários passou a fazer parte de uma equipe de milhares. O que era decidido em minutos agora precisa ser comunicado a várias diretorias ou debatido em reuniões. Em compensação, a infraestrutura e a rede de contatos se multiplicaram.

Executivos de start-ups que se juntaram a grandes nomes do comércio afirmam que, passado o choque inicial de culturas, o caminho é mesmo manter o espírito de empresa de tecnologia. O boom do e-commerce na pandemia fez com que o consumidor deixasse de lado o hábito de flanar entre vitrines e decidisse em segundos a oferta certa para clicar e comprar.

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A competição entre varejistas impôs um senso de urgência na busca por soluções inovadoras. O caminho foi aglutinar quem tinha respostas prontas e não para de correr atrás de novas formas de solucionar problemas.

Marco Zolet, CEO do SuperNow, plataforma de marketplace de supermercados, conta que o match com a cultura da B2W foi importante na decisão de vender a empresa em janeiro do ano passado. Integrar as atividades exigiu adequação a uma série de processos internos da varejista. A empresa passou para o escritório físico da companhia em São Paulo, embora o home office ainda seja adotado pela maior parte da equipe.

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— Éramos uma empresa pequena passando a fazer parte de um grande grupo. Tivemos um tempo para integrar os sistemas e entender a forma de pensar da companhia. Mas mantemos nossa velocidade e cultura de start-up, vendo oportunidades de crescimento dentro dos ativos da B2W — diz o fundador, que também é head da Americanas Mercado, voltada para compra e entrega de produtos do dia a dia.

Zolet diz que o negócio foi benéfico para as duas partes. A tecnologia e a expertise da start-up possibilitaram a criação da Americanas Mercado, que integra o app da varejista. E a start-up ganhou capilaridade com a logística e o atendimento da B2W. Ela cresceu oito vezes desde a aquisição.

Rafael Mendes, CEO da ASAP Log Foto: Agência O Globo
Rafael Mendes, CEO da ASAP Log Foto: Agência O Globo

Depois da venda, é preciso reconhecer a vocação e delimitar a atuação de cada parte envolvida no negócio. Foi assim com a ASAP Log, empresa de logística criada em 2014 por Rafael Mendes.

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A start-up foi vendida para a Via em abril do ano passado. Cresceu o time de TI no escritório em Curitiba e manteve a oferta de serviços a outros 8 mil clientes além da Via. O crescimento foi de 36 vezes em oito meses.

— A Via é um transatlântico e a ASAP é uma lancha. E a gente tem que usufruir do benefício de ser uma lancha porque assim conseguimos ser mais rápidos— conta Mendes. — Nessa sinergia conseguimos otimizar e evoluir mais rápido na hora de criar e testar produtos. Quando vejo que está burocrático demais, mudamos a forma de fazer as coisas. Se eu estiver em reunião toda hora, que horas vou trabalhar?

Ganhar escala e simplificar processos continua sendo uma preocupação da SmartHint, plataforma de busca inteligente para e-commerce criada por Rodrigo Schiavini e Marlon Korzune em 2017. Ela foi comprada pelo Magalu em abril e, de lá pra cá, manteve o escritório em Curitiba e o serviço aos mais de 1,1 mil clientes em nove países.

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No contrato, temos a liberdade de atuar no mercado e, inclusive, de poder vender a nossa tecnologia para concorrentes. Nada foi bloqueado. A concepção do Magalu não é uma estratégia destruidora, é uma estratégia agregadora conta Schiavini.

Liberdade de atuação

Na avaliação de Alexandre Pierantoni, diretor da consultoria financeira Duff & Phelps no Brasil, os investidores devem ter a mentalidade de que comprar uma empresa inovadora está mais ligado a oferecer o suporte financeiro do que comandar a inovação:

— Grande parte do conhecimento, da inovação e da tecnologia está na mão de quem está criando (soluções). Mesmo na transação de grandes empresas de tecnologia, a parte da gestão das pessoas é muito importante.

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Na Estante Virtual, parte das atividades administrativas e burocráticas passou para o Magalu, que comprou a empresa em janeiro. O time de TI da empresa migrou para o LuizaLabs, laboratório de tecnologia e inovação da varejista. O próximo plano é dividir o escritório com o Magalu e Época Cosméticos quando o modelo presencial for retomado:

— Houve muita troca e integração de serviços. Somos a primeira marca do grupo a trazer produtos seminovos e usados ao ecossistema. Isso traz desafios na integração dos catálogos e na apresentação dos produtos — conta Erica Cardoso, gerente de comunicação e marketing da Estante Virtual.

Em 2020, segundo a consultoria PWC, foram feitas 1.038 fusões e aquisições, o maior patamar desde 2002. Só no primeiro trimestre deste ano foram 333.

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— Os investidores buscam oportunidades nos segmento de tecnologia, saúde, logística e as de impacto nas chamadas ESG (sigla em inglês para ambiental, social e governança)— diz Gualtiero Schlichting, CBO da Stark, plataforma que liga investidores a empresas.