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Economia Investimentos

Resgates de previdência privada batem recorde e chegam a R$ 110 bilhões na pandemia

Montante equivale a mais de 10% das aplicações em planos dos tipos PGBL e VGBL, maior já registrado num período de 14 meses
Em março de 2020, houve recorde de resgates, com a retirada de R$ 10 bilhões dos fundos Foto: Marcello Casal Júnior
Em março de 2020, houve recorde de resgates, com a retirada de R$ 10 bilhões dos fundos Foto: Marcello Casal Júnior

RIO E SÃO PAULO - A crise econômica na esteira da pandemia fez com que os brasileiros recorressem aos recursos da previdência privada — uma poupança voluntária para o futuro — para arcar com as despesas do presente. Dados da Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (Fenaprevi), que representa empresas e entidades do segmento, mostram que, desde março do ano passado até maio deste ano, já foram resgatados R$ 110 bilhões dos fundos de previdência complementar (PGBL e VGBL).

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O valor corresponde a mais de 10% das reservas destas aplicações, que somam R$ 1 trilhão, e é o maior montante já retirado para um período de 14 meses.

Para o diretor executivo da federação, Carlos de Paula, os resgates funcionaram como uma “válvula de descompressão” das finanças das famílias durante a pandemia, em que muitos perderam o emprego ou viram as receitas dos seus negócios despencarem:

— O resgate é sempre a última opção em previdência. Mas neste momento foi o que socorreu muitas famílias.


Outros fatores podem ter influenciado, como o aumento de mortes de titulares, que geram saques por parte dos herdeiros, e a migração de recursos a outras aplicações. Mas, para especialistas, o principal fator vem da falta de reservas financeiras capazes de manter as famílias durante a crise.

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— Embora isso tenha trazido reflexos pontuais ao nosso negócio, mostra o papel social da previdência privada e sobretudo a importância de se acumular recursos para o futuro — disse Ângela Assis, presidente da Brasilprev, que vê o resgate como reflexo da pandemia na saúde financeira das famílias.

Busca por rentabilidade

No primeiro mês de pandemia no país, em março de 2020, houve recorde de resgates, com a retirada de R$ 10 bilhões dos fundos, o maior volume mensal desde o início da série, em janeiro de 2005. Depois, houve alguma desaceleração, embora as retiradas tenham continuado em patamar elevado.

De janeiro a maio deste ano, foram R$ 41 bilhões, alta de 60% em relação a igual período do ano passado e o maior nível para os primeiros cinco meses desde 2016.

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O consultor de investimentos Paulo Bittencourt cita o exemplo de profissionais liberais, como médicos e advogados, que podem ter usado os recursos para complementar a renda e se capitalizar na crise.

Mas ele pondera que há outro movimento em curso: o de aumento da portabilidade, de quem troca um plano de previdência por outro considerado mais vantajoso. Isso não está contabilizado nos saques, pois os recursos continuam no segmento, mesmo que em outro plano da instituição financeira ou de uma concorrente. Mas é sinal de que o investidor está preocupado com rentabilidade.

De janeiro a junho deste ano, segundo dados da Fenaprevi, houve aumento de 39% no número de operações de portabilidade em relação a igual período do ano anterior.

A rentabilidade baixa está associada à concentração de aplicações em renda fixa, que deixou de ser tão atraente em um cenário de juros baixos, embora a Selic em 4,25% tenha agora tendência de alta.

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— Resgatei para um cliente os recursos de um VGBL de renda fixa que teve rendimento nominal de 0,85% em 2020 — citou Bittencourt.

Crise durou mais que as reservas

Para a planejadora financeira Paula Sauer, professora de Economia da ESPM, a duração mais longa que o previsto da crise fez com que até quem tinha planejamento financeiro sentisse os efeitos.

— Muitos viram sua reserva, planejada para durar de seis meses a um ano, se esgotar. Mas investidores com carteiras de longo prazo mais arrojadas sentiram os solavancos da Bolsa, e, ao ver o saldo dos fundos oscilando, sacaram.

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O problema de simplesmente sacar o dinheiro é que resgatar antes do tempo pode representar um valor alto de Imposto de Renda (IR). No modelo regressivo (no qual a alíquota de IR reduz à medida que o prazo de aplicação aumenta), quem retira o dinheiro até dois anos após o início do investimento paga 35% do valor. Para resgates após dez anos, o IR cobrado é de 10%.

— Previdência é um investimento de longo prazo, e se o cliente usa para reserva de emergência, com certeza não é o mais adequado — pondera Gabriel Escabin, diretor de Previdência do BTG Pactual.

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Para Ricardo Scheffel, especialista de Previdência Privada da Ável Investimentos, essa movimentação é típica de momentos de crise, no qual há uma corrida por liquidez motivada pelo medo do futuro.