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Economia

Juros menores que a inflação entram em cena no Brasil

Com retomada ainda frágil e preços sob controle, economistas começam a debater se é possível ter taxa real zero
Economistas já esperam taxas de juros próximas de zero no Brasil Foto: Pixabay
Economistas já esperam taxas de juros próximas de zero no Brasil Foto: Pixabay

RIO - O Brasil sempre foi um país que ocupava as primeiras posições no ranking de juros no mundo. Por décadas foi assim. A situação mudou, a ponto de economistas começarem a ver espaço para termos taxas reais (descontada a inflação) próximas de zero e até menores, o chamado juro real negativo (inferior à inflação). Ele já é realidade para US$ 15 trilhões aplicados no mundo, mas ainda não no Brasil.

Com o novo ciclo de queda da taxa de juros básica da economia, a que remunera os títulos da dívida pública, iniciado mês passado pelo Banco Central (BC), a taxa está em 5,5%, com juro real inferior a 1,5%, o menor patamar histórico. As explicações dadas pelo BC para o último corte de juros jogaram combustível na discussão: as previsões para inflação do BC estão abaixo da meta este ano e no próximo. Há economistas que acreditam que é possível trazer esse juro real a zero ou até menos. Outros dizem que a taxa pode cair mais, porém ficando acima da inflação. E este é mais um ingrediente no debate sobre as formas de acelerar a retomada mais lenta da História brasileira.

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—A política fiscal ainda é contracionista (faz a economia crescer menos), portanto tem que usar basicamente a política monetária para reativar o PIB a curto prazo. Pode cair, gradualmente, até ficar negativo, não vejo contraindicação nesse movimento — afirma o economista da Fundação Getulio Vargas (FGV) Sérgio Werlang, que era diretor do BC em 1999, ano em que foi implantado o sistema de metas de inflação e o uso dos juros para manter os preços sob controle.

Taxas menores estimulam o crédito. Nas empresas, juros mais baixos permitem que se tire do papel projetos de investimento. Nas famílias, as condições melhoram para a compra de bens duráveis. O Brasil está vivendo o segundo ciclo recente de corte de juros. O primeiro começou em 2016 e trouxe a taxa de 14,25% para 6,5%.

Ana Paula Vescovi, economista-chefe do Santander, cargo que assumiu pouco depois de deixar a Secretaria do Tesouro Nacional que ocupou no governo Michel Temer, diz que não há espaço para juro zero no Brasil. Mas ela acredita que eles podem baixar mais, chegando a 4,5%, cerca de um ponto percentual acima da inflação prevista para este ano, por volta de 3,5%. Para ela, seria um impulso adicional, mas o caminho para o crescimento está nas reformas:

— O canal para ativar a economia é persistir nas reformas. O que a política monetária faz é suavizar os ciclos econômicos. Como temos uma inflação razoavelmente abaixo da meta, é possível conviver com taxas de juros de curto prazo mais baixas até que a economia se recupere.

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Werlang afirma que o canal de juros é mais eficiente para estimular a economia. Cita em artigo estudo do Itaú que mostra que, entre 2003 e 2008, uma redução de 1% ao ano nos juros aumentava o PIB em 0,6% no período. Entre 2015 e 2019, o mesmo corte levaria o PIB a crescer mais 1,2% ao ano.

O professor da PUC-Rio Luiz Roberto Cunha também não vê espaço para juro zero:

— Não estamos caminhando para isso. Quando a economia voltar a crescer, a infraestrutura avançar, a pressão inflacionária volta. Não tem como o juro cair para zero nem para 1%, como nos países desenvolvidos.

Semelhança com Europa

Nilson Teixeira, sócio-fundador da Macro Capital Gestão de Recursos, defendeu em artigo no Valor, há duas semanas, juros reais próximos de zero. “Os fundamentos permitem a extensão da redução de juros iniciada no fim de julho para até 4% no segundo trimestre de 2020. Isso corresponderia a juros reais de curto prazo próximos a zero”.

Monica de Bolle, diretora de Estudos Latino-Americanos e Mercados Emergentes da Universidade Johns Hopkins e pesquisadora do Instituto Peterson de Economia Internacional, nos EUA, vê o país cada vez mais perto do juro zero:

— Não é impossível, é uma realidade muito mais concreta hoje do que jamais foi. Sem pressão inflacionária, os juros têm espaço para cair. Mesmo com a desvalorização do real, não há espaço para repasse cambial diante da fraqueza da economia.

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Monica vai mais longe, vê o Brasil vivendo situação semelhante à da Europa, onde a política monetária deixou de ter efeitos para ativar a economia. Naquele continente, os juros estão abaixo da inflação, mesmo assim a região não consegue crescer e aumentar a inflação. O envelhecimento e a baixa produtividade explicam o movimento. As pessoas tendem a poupar mais e deixam de consumir.

—Ultrapassamos o bônus demográfico, a pirâmide etária está mais gorda em cima e mais fina no meio, o espaço fiscal é pouco e essa população que não contribui para a Previdência passará a ser um ônus a longo prazo — diz Mônica.

Ela lembra que a produtividade é baixa e, com o mundo crescendo menos, não é “nada impossível que os juros caiam mais até uma taxa ligeiramente negativa”:

—Tirar o Brasil disso é muito difícil, tem de ter muito investimento em capacidade produtiva e em capital humano.

Ana Paula, do Santander, não vê esse risco. Diz que o envelhecimento é real, mas que ainda há uma população jovem e existe muito o que fazer no país, o que impulsiona o crescimento:

— O Brasil tem tudo para fazer. Sociedades mais desenvolvidas têm uma demanda por reposição de capital diferente da do Brasil, que tem tudo para fazer no saneamento, na infraestrutura... Há uma demanda enorme por investimento e temos um estoque de capital muito baixo.