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Economia

Livraria Cultura, em situação crítica, não consegue pagar credores mesmo após pedir recuperação judicial

Pendências somavam R$ 3,7 milhões no final de setembro
 Livraria Cultura da Rua Senador Dantas, quando fechou as portas. Foto: Alexandre Cassiano / Agência O Globo
Livraria Cultura da Rua Senador Dantas, quando fechou as portas. Foto: Alexandre Cassiano / Agência O Globo

SÃO PAULO — Apesar de ter conseguido uma decisão provisória na Justiça que na prática lhe dá mais tempo para cumprir seu plano de recuperação judicial , a Livraria Cultura está em situação crítica.

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Nem mesmo os credores chamados de incentivadores, que toparam continuar fornecendo produtos e serviços à empresa depois de seu pedido de proteção contra a falência, em 2018, têm sido pagos, segundo manifestações registradas no processo de recuperação judicial.

Pelo plano vigente, quem topasse continuar tendo relação comercial com a Cultura passaria a receber pagamentos trimestrais a partir de maio deste ano. A consultoria Alvarez & Marsal, administradora judicial da recuperação judicial (uma espécie de síndica do processo) afirmou nos autos do processo, em 28 de setembro, que a Cultura não cumpria as obrigações previstas em seu plano de recuperação. As pendências somavam R$ 3,7 milhões.

Segundo a administradora judicial, nenhuma das duas parcelas que a livraria deveria ter pago aos incentivadores foi quitada. Os credores de pequeno e médio porte também não receberam os valores previstos.

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A maior parte da dívida de R$ 2,3 milhões, porém, é relacionada aos créditos trabalhistas. A dívida total da empresa no momento em que pediu recuperação judicial era de aproximadamente R$ 285 milhões.

Entre os credores incentivadores está, por exemplo, o grupo gaúcho Zaffari, que em setembro afirmou à Justiça que a Cultura não havia pago a primeira parcela trimestral referente aos aluguéis e encargos de suas livrarias nos shoppings Bourbon Pompéia, em São Paulo, e Country, em Porto Alegre.

O depósito deveria ter sido feito em maio. Segundo a Alvarez & Marsal, a parcela que venceu em agosto também não havia sido paga até o fim de setembro. Procurado, o Zaffari não se manifestou.

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Essas dívidas são posteriores ao pedido de recuperação judicial, e não fazem parte da ação judicial de insolvência. Pessoas familiarizadas com o caso afirmam que outros fornecedores que continuaram vendendo à Cultura também têm sido lesados.

Como os imóveis das lojas são alugados e os estoques, em sua maioria, são de propriedade das editoras, a Cultura praticamente não tem ativos para liquidar as dívidas. Uma falência neste momento, portanto, faria com que a maioria dos credores ficasse sem receber.

Impacto do coronavírus

A Cultura ficou próxima de ter a falência decretada depois de não ter conseguido aprovar junto a credores um aditivo ao plano de recuperação judicial que, na prática, aumentava os descontos das dívidas a serem pagas em até 80%.

A proposta em questão foi a terceira apresentada pela Cultura desde 2018. A empresa afirma que precisa rever suas obrigações devido ao impacto negativo da pandemia do coronavírus em seu negócio, que derrubou a receita em 73%, segundo a empresa.

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Relatório elaborado pela Alvarez & Marsal, referente a julho, mostra que a empresa teve prejuízo de R$ 6,5 milhões no mês. O faturamento no período foi de R$ 4,7 milhões, ante R$ 10,96 milhões em janeiro.

Na assembleia de credores, o grupo formado por pequenas e médias empresas rejeitou  próximo r dois votos. Dos 45 votantes desse porte, 24 (53,3%) votaram contra a nova oferta. A Cultura recorreu à Justiça sob o argumento de que dois deles — Estação Liberdade e JBQ Consultoria — manifestaram posteriormente que erraram na hora do voto eletrônico.

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O juiz Marcelo Sacramone rejeitou o argumento da Cultura e determinou que a rede de livrarias demonstrasse que cumpria o plano vigente, sob pena de decretar a falência. A empresa conseguiu, em 25 de setembro, uma liminar que revertia a decisão de Sacramone até que o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) decida se aprova ou não o novo plano. A expectativa de credores e da empresa é que o julgamento ocorra até o fim do mês.

Política de convencimeto

Para Ronaldo Vasconcelos, professor de insolvência do Mackenzie e sócio do escritório VH, embora Sacramone possa decretar a falência da Cultura pelo não pagamento a credores incentivadores, o mais provável é que o juiz aguarde manifestação do TJ-SP sobre o caso.

Segundo ele, a tendência do tribunal tem sido preservar as atividades das empresas em recuperação judicial, o que pode favorecer a Cultura. No entanto, a empresa precisará que fornecedores topem continuar a relação comercial para poder sobreviver.

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O caso lembra o da companhia aérea Avianca, que também não tinha ativos. A empresa conseguiu que o TJ-SP revertesse decisão que sacramentaria a falência da companhia, mas faliu depois porque não tinha meios para cumprir o plano.

Regularização de pagamentos

A advogada Fabiana Solano, sócia do escritório Felsberg, que representa a Livraria Cultura na recuperação judicial, diz que a empresa tem buscado regularizar os pagamentos na medida em que a atividade de suas lojas retoma.

— No momento, aguardamos o julgamento do recurso para aprovar o aditivo ao plano no TJ-SP — diz ela.