Economia Macroeconomia

Inflação em janeiro tem alta de 0,54%, maior para o mês desde 2016

Indicador desacelerou ante dezembro, mas segue em dois dígitos no acumulado em 12 meses. Custo da alimentação no domicílio pressiona índice
Problemas na safra elevam preço dos alimentos no Brasil Foto: André Coelho / Infoglobo
Problemas na safra elevam preço dos alimentos no Brasil Foto: André Coelho / Infoglobo

RIO - Puxada pela alta dos preços dos alimentos, a inflação medida pelo IPCA avançou 0,54% na passagem de dezembro para janeiro e acumula alta de 10,38% em 12 meses, segundo dados divulgados pelo IBGE nesta quarta-feira. É o maior patamar para o mês de janeiro desde 2016, quando chegou a 1,27%.

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O resultado veio em linha com o esperado. Analistas econômicos ouvidos pela Reuters projetavam alta de 0,55% para a inflação em janeiro e 10,39% para o IPCA em 12 meses.

A composição do indicador, porém, enseja cautela entre economistas. O índice de difusão - que mede a quantidade de itens que tiveram aumento de preços -, recuou de 75% em dezembro para 73% em janeiro, mas indica que a inflação está mais disseminada em janeiro do que na maior parte do ano passado, quando ficou na casa dos 60% por dez meses.

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Em um contexto de pressões inflacionárias disseminadas e riscos altistas adiante, economistas avaliam que o cenário requer uma postura austera do Banco Central de manter os juros em nível elevado por um período mais longo do que o esperado anteriormente.

O Credit Suisse mantém a expectativa de que o Copom elevará a taxa Selic para 12,25%, com aumentos de 100 pontos-base em março e 50 pontos-base na reunião de maio. A dinâmica da inflação apontada hoje, porém, levou economistas do banco a pontuarem que o cenário desafiador para os preços ao longo do ano exigirá que a taxa de juros permaneça no patamar restritivo por mais tempo, até que se prove que a inflação voltou à meta de inflação.

“Vemos espaço limitado para um ciclo de flexibilização este ano”, disseram Solange Srour e Lucas Vilela, economistas do banco, que projetam inflação de 6,2% em 2022 e de 3,8% em 2023.

Mirella Hirakawa, economista sênior da AZ Quest, destaca que o resultado do IPCA de janeiro apresentou preços ainda mais pressionados dos itens automóveis novos e usados em relação ao IPCA-15, considerado prévia a inflação, por conta dos gargalos sofridos pela indústria automotiva.

A defasagem de cerca de 15% da gasolina também é um risco altista para a inflação no ano, bem como os possíveis impactos climáticos sobre as safras nos próximos três a quatro meses, diz:

—  O número de hoje mostra que possivelmente a gente está ainda num dos piores momentos desses gargalos na economia. A inflação corrente incomoda e está vindo pior do que o BC esperava justamente nos itens que eles estão olhando com mais atenção.  Vemos pouco espaço para o BC desacelerar o ritmo de elevação dos juros para menos de 1 p.p.  — diz Mirella, que prevê IPCA em 5,8% este ano e aposta na Selic em 12,25%, com uma alta de 1 ponto percentual na reunião de março e mais duas altas de 0,50 p.p. e 0,25 p.p. nas reuniões de maio e junho, respectivamente.

Café acumula alta de 56,78% em 12 meses

Dos nove grupos de produtos e serviços pesquisados, oito apresentaram alta em janeiro. O resultado da inflação em janeiro foi influenciado, principalmente, pelo grupo Alimentação e bebidas, que subiu 1,11%.

Diante do excesso de chuvas no Sudeste e no Centro-Oeste e estiagem nos estados do Sul do país, os preços dos alimentos seguem pressionados e não dão trégua ao consumidor. Os preços do café moído, por exemplo, subiram 4,75% no mês - o 11º avanço seguido - e acumulam alta de 56,87% em 12 meses.

As carnes também subiram, com alta de 1,32%, e os preços das frutas avançaram 3,40% no período.

— Os fatores climáticos acabam influenciando. Isso ocorre com todos os produtos in natura cuja oferta pode ser influenciada pelas chuvas intensas, como as que ocorreram nas últimas semanas, o que pode prejudicar a produção nas lavouras, reduzir a oferta e fazer o preço subir — explica o analista da pesquisa, André Filipe Almeida.

Combustíveis devem pressionar indicador

Único a apresentar queda, o grupo Transportes puxou para baixo o índice do mês ao recuar 0,11%, após subir 0,58% em dezembro. Os preços das passagens aéreas, que historicamente recuam em relação a dezembro, tiveram queda de 18,35%.

Outros destaques foram os transportes por aplicativo, com queda de 17,96%, e o aluguel de veículo, com recuo de 3,79%. O maior impacto individual veio de automóvel novo, cujo preço subiu 2,19% e respondeu por 0,07 ponto percentual do indicador em janeiro.

Os combustíveis, item de grande peso no IPCA, recuaram 1,23% diante do reajuste negativo concedido pela Petrobras em dezembro.

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André Filipe Almeida, analista do IPCA, avalia, porém, que a deflação de combustíveis poderá ser revertida em fevereiro, dado que a Petrobras já reajustou a gasolina em 4,85% e o óleo diesel em 8,08% para as distribuidoras no dia 12 de janeiro.

— Até esse reajuste de preços chegar ao consumidor final pode ter algum gap , por isso observamos queda nos combustíveis (em janeiro).

O grupo Habitação avançou 0,16%, indicando uma desaceleração frente o mês anterior quando subiu 0,74%. O resultado se deu principalmente por conta do recuo da energia elétrica (-1,07%), embora ainda permaneça em vigor a bandeira Escassez Hídrica, que acrescenta R$ 14,20 na conta de luz a cada 100 kWh consumidos.

Preço do gás de botijão recua após 19 meses de alta

Os preços do gás de botijão, que haviam apresentado alta nos últimos 19 meses, recuaram 0,73% em janeiro. Em 12 meses, o item acumula alta de 31,78%.

Entre os demais grupos, a maior variação veio do grupo Artigos de residência (1,82%), com destaque para eletrodomésticos e equipamentos (2,86%), mobiliário (2,41%) e TV, som e informática (1,38%), cujos preços aceleraram em relação a dezembro.

Os grupos Vestuário e Comunicação avançaram 1,07% e 1,05%, respectivamente. Já Educação e Despesas Pessoais subiram 0,25% e 0,78%, respectivamente.

Perspectivas

Economistas avaliam que a inflação deverá perder força após ter alcançado o patamar de dois dígitos no em 2021. Ainda assim, a avaliação é de que o IPCA deve seguir pressionado, encerrando 2022 acima do teto da meta de 5%. Se confirmado, será o segundo descumprimento consecutivo da meta de inflação pelo Banco Central.

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Enquanto o ciclo de aperto monetário e a normalização das cadeias produtivas globais tendem a fazer o indicador desacelerar, as incertezas fiscais e a inércia inflacionária não devem permitir que a inflação ceda tão rapidamente.

Na ata divulgada terça-feira, o Comitê de Política Monetária (Copom) enfatizou que políticas fiscais que tenham efeitos baixistas sobre a inflação no curto prazo podem causar deterioração nos prêmios de risco, aumento das expectativas de inflação e, consequentemente, um efeito altista sobre os preços adiante .

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Economistas associaram esse trecho da ata à PEC dos Combustíveis, e bancos e gestoras passaram a prever um ciclo de aperto monetário mais contracionista - com a Selic possivelmente chegando até 12,5%, ante expectativa majoritária de 11,75% - e mais longo, ficando em patamar elevado por mais tempo.

Para Tatiana Nogueira, economista da XP, a alta acentuada no preço de commodities, em especial no preço do petróleo, pode elevar a projeção de inflação de 2022 da corretora para acima de 5,2%. Dado o espalhamento da inflação, há também possibilidade de o coeficiente inercial ser maior do que o projetado para este ano.

— A abertura do IPCA de hoje se mostrou pior. Estamos revendo o nosso cenário de Selic, mas achamos que a taxa deve ficar acima de 12% ao longo de todo o ano de 2022, só sendo possível só cortar juros em 2023, onde vai ser possível levar a inflação para perto da meta, apesar de os riscos altistas para esse cenário serem cada vez mais maiores.