Economia Macroeconomia

BC sobe Selic para 10,75% e indica que vai continuar alta dos juros em ritmo menor

Taxa básica alcança dois dígitos pela primeira vez desde 2017. Com inflação alta, Copom decidiu subir taxa em 1,5 ponto porcentual pela oitava reunião seguida, mas vai desacelerar
Banco Central sobe os juros para tentar cumprir a meta de inflação de 3,5% este ano Foto: Cristiano Mariz / Agência O Globo
Banco Central sobe os juros para tentar cumprir a meta de inflação de 3,5% este ano Foto: Cristiano Mariz / Agência O Globo

BRASÍLIA — O Banco Central (BC) elevou a taxa básica de juros, a Selic, de 9,25% para 10,75% ao ano nesta quarta-feira. É a primeira vez que a Selic chega ao patamar de dois dígitos desde julho de 2017, quando estava em 10,25%.

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A decisão não surpreendeu o mercado. O BC já havia sinalizado uma possível alta na reunião passada e os juros vêm na mesma trajetória desde o início de 2021, quando a Selic estava no menor nível da história, em 2% ao ano.

No comunicado que divulgou a decisão, o Comitê de Política Monetária (Copom) sinalizou que vai continuar subindo os juros, mas em um ritmo menor do que os 1,5 p.p que vem adotando nas últimas reuniões.



"Essa sinalização reflete o estágio do ciclo de aperto, cujos efeitos cumulativos se manifestarão ao longo do horizonte relevante", apontou o texto e continuou:

"O Copom enfatiza que os passos futuros da política monetária poderão ser ajustados para assegurar a convergência da inflação para suas metas, e dependerão da evolução da atividade econômica, do balanço de riscos e das projeções e expectativas de inflação para o horizonte relevante da política monetária".

Alessandra Ribeiro, sócia-diretora de Macroeconomia e análise setorial da Tendências Consultoria, diz que com essa sinalização de redução de ritmo, o ponto é saber se é para 1 p.p ou 0,75 p.p.

A economista acredita que a alta para 10,75% é adequada neste momento considerando as seguidas revisões para cima das expectativas de inflação e o quadro inflacionário, além das incertezas do cenário econômico.

— Diante dos riscos, principalmente para atividade econômica,  acho que o ritmo de 1,5 p.p é bom. Não digo só para nossos riscos aqui. Há um contexto internacional que traz vários elementos que poderiam colocar um cenário um pouco mais desafiador em termos de atividade econômica, o que nos levaria a ter um certo excesso de taxa de juros — apontou.

Oito elevações

Foram oito elevações seguidas em pouco mais de um ano em uma tentativa do Banco Central de controlar a inflação de 2021, que fechou em 10,06% , praticamente o dobro do teto da meta estipulada, e de 2022 que, segundo o mercado, também deve estourar o teto da meta.

No cenário de referência do Copom, a inflação ficaria acima do teto da meta em 2022, em 5,4% e cairia para 3,2% para 2023. Os juros chegariam a 12% no primeiro semestre deste ano e terminariam em 11,75%, em seguida se reduzindo para 8% no final de 2023.

Na projeção anterior, feita em dezembro, a inflação de 2022 ficaria em 4,7% e em 2023, 3,2%.

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Andrea Damico, economista-chefe da Armor Capital, ressaltou que mesmo com a piora da inflação corrente, a contínua alta das projeções de inflação do mercado e o próprio Banco Central projetando inflação acima do teto da meta este ano, a decisão foi por sinalizar diminuição no ritmo dos juros e, com isso, que o fim do ciclo de aumento está próximo.

— Acho que essa pode ser até uma armadilha para o BC mesmo porque a gente já viu tantas vezes ele sinalizar e não conseguir entregar a sinalização. A gente tem o mês de março que promete ser bastante, no mínimo, desafiador para as economias emergentes porque vai ter inicio da alta de juros pelo Fed — explicou.

Damico projeta que a Selic aumente em 1 p.p na próxima reunião, chegando em 12,25%. Depois disso, a economista ainda espera uma nova alta de 0,5 p.p e que os juros continuem nesse patamar de 12,25% até o final do ano. Para a inflação, a expectativa é que fique em 5,6% e estoure novamente a meta em 2022.

De acordo com o Copom, a estratégia é de subir os juros "significativamente" para um território contracionista, que tende a ter efeitos negativos na atividade econômica, para controlar a inflação.

"O Comitê enfatiza que irá perseverar em sua estratégia até que se consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas", mostra o documento.

Inflação e risco fiscal

Apesar da desaceleração da inflação em janeiro em comparação com o mês anterior, o IPCA-15 veio acima do projetado pelo mercado e mostrou uma resiliência da alta nos preços neste ano.

Para este ano, a meta de inflação é de 3,5% com intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual. O piso é de 2% e o teto de 5%. A expectativa do mercado, publicada no relatório Focus, é que a inflação fique em 5,38% em 2022.

Caso a projeção se concretize, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, deverá escrever uma nova carta ao ministro da Economia para explicar as razões do descumprimento, assim como fez no início deste ano.

No comunicado,  o BC disse que há riscos para a inflação em dois sentidos, mas os fatores que poderiam levar os preços para cima pesam mais.

Os preços podem ser impactados para baixo caso haja uma reversão do aumento do preço das commodities em moeda local. Já para cima, o BC alertou para políticas fiscais que deem um impulso para a demanda e piorem a trajetória fiscal do país.

"Apesar do desempenho mais positivo das contas públicas, o Comitê avalia que a incerteza em relação ao arcabouço fiscal segue mantendo elevado o risco de desancoragem das expectativas de inflação e, portanto, a assimetria altista no balanço de riscos. Isso implica maior probabilidade de trajetórias para inflação acima do projetado de acordo com o cenário de referência", diz o documento.

No cenário brasileiro, o BC vê que indicadores de atividade econômica vieram "ligeiramente" melhor que o esperado no final do ano passado, principalmente os sobre mercado de trabalho. O Caged mostrou criação de 2,7 milhões de vagas com carteira assinada em 2021.

O Copom ainda vê o cenário externo como menos favorável para o país, com persistência inflacionária nos EUA que aumenta risco de alta nos juros por lá. Além disso, o Comitê citou a nova onda da Covid-19 que traz incertezas para a economia e pode "postergar a normalização das cadeias globais de produção".

Na leitura de Cecilia Machado, economista-chefe do banco BOCOM BBM, o Banco Central alongou o período em que está mirando para controlar a inflação. No comunicado, o Copom fala em um peso em “grau maior” para 2023.

A economista espera uma alta de 1 p.p para a próxima reunião, um ritmo ainda alto, ressalta. A sinalização de diminuição das altas seria para dar mais flexibilidade de atuação em um período de muitas incertezas.

— Todos os bancos centrais estão sendo muito cuidados com os dados, o que a gente vê no mercado de trabalho, de inflação, o cenário externo ainda tem muita certeza então olhar os dados e tomar essa decisão, não se amarrar tanto, é importante — apontou.

Projeções para o ano

O relatório Focus também mostra que o mercado espera uma nova alta na próxima reunião marcada para março. Seria uma alta de 1 p.p, seguida de uma elevação de 0,25 p.p em maio, o que levaria a Selic para 12% ao ano.

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Segundo o Focus, a Selic permaneceria nesse patamar até o final do ano, quando o Copom decidiria por uma redução de 0,25 p.p. Assim, a Selic terminaria 2022 em 11,75%. A trajetória de queda seguiria até chegar em 8% ao final de 2023.