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Com pressão da inflação e risco fiscal, BC sobe Selic para 7,75%, a maior alta desde 2002

Copom decidiu pela alta de 1,5 p.p em linha com a expectativa do mercado; BC sinaliza nova alta do mesmo tamanho na reunião de dezembro
O Copom subiu os juros para controlar a inflação de 2022 Foto:
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Agência O Globo
O Copom subiu os juros para controlar a inflação de 2022 Foto: / Agência O Globo

BRASÍLIA — O Banco Central (BC) considerou a continuidade da inflação alta e a “licença” para furar o teto de gastos na decisão de subir a taxa básica de juros, a Selic, de 6,25%  para 7,75% ao ano.

A alta de 1,5 ponto percentual (p.p) é a maior já feita em uma única reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), do BC, desde dezembro de 2002, quando os juros subiram de 22% para 25%, pouco antes de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumir a Presidência.

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Com a nova alta da Selic os juros, que começaram o ano no menor nível histórico, voltam ao patamar do governo Temer , anulando toda a redução que houve no governo Bolsonaro, que iniciou com a Selic em 6,5%. A taxa chegou à mínima histórica de 2% ao ano em agosto de 2020.

O movimento de 1,5  p.p do Copom veio em linha com o que o mercado esperava após a decisão do governo de pagar parte do Auxílio Brasil fora do teto de gastos , que foi vista como uma mudança na política fiscal que afeta a inflação.

Mercado cogitou alta de até 3 pontos percentuais

Apesar de o BC ter ficado na média das previsões, houve quem no mercado previsse uma subida de até 3 pontos percentuais de uma vez na Selic, dada a preocupação com a inflação.

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Além disso, a prévia da inflação de outubro veio acima do esperado e pressionou os juros.  Na semana passada, o ministro da Economia, Paulo Guedes afirmou que não poderia tirar nota 10 no fiscal sempre e sugeriu que cabe ao BC usar o instrumento dos juros para combater a inflação.

Alexandre Espírito Santo, economista-chefe da Órama Investimentos, estava projetando uma alta de 1,25 p.p, mas considerou que a decisão do BC foi adequada. Ele ressaltou que altas maiores, como eram esperadas por alguns atores do mercado, poderiam ser até negativas para a inflação.

— Está muito claro que ele precisa ir para uma política restritiva diante do desequilíbrio fiscal que a gente está vivendo, mas também não é de uma forma tão acelerada que ensejasse que a situação estava saindo do controle. Ele está dando uma sinalização de que está vigilante, agindo tempestivamente e tentando entregar a meta do ano que vem e 2022 e 2023 — disse.

'Questionamentos' às regras fiscais: teto furado na linguagem do BC

No comunicado da decisão, o BC ressaltou os recentes "questionamentos" em relação ao arcabouço fiscal que elevaram os riscos para a inflação.

"Apesar do desempenho mais positivo das contas públicas, o Comitê avalia que recentes questionamentos em relação ao arcabouço fiscal elevaram o risco de desancoragem das expectativas de inflação, aumentando a assimetria altista no balanço de riscos. Isso implica maior probabilidade de trajetórias para inflação acima do projetado de acordo com o cenário básico", diz o documento.

Com isso, o BC ainda sinalizou que na próxima reunião, em dezembro, os juros terão uma nova alta de 1,5 p.p, chegando a 9,25%.

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"O Copom considera que, diante da deterioração no balanço de riscos e do aumento de suas projeções, esse ritmo de ajuste é o mais adequado para garantir a convergência da inflação para as metas no horizonte relevante", aponta o BC, que levaria a taxa de juros para um nível "ainda mais" contracionista.

Paloma Brum, economista da Toro Investimentos, entende que o Banco Central deve continuar aumentando os juros até março do próximo ano, quando devem chegar a 11%. Com isso, a inflação ficaria em 4,5%, dentro do intervalo de tolerância da meta, mas ela ressalta que os riscos fiscais ainda existem.

— Se nós observarmos novos gastos públicos fora do teto, além desses R$ 30 bilhões que estão previstos para cobrir o novo Auxilio Brasil aí podemos ter que buscar uma Selic mais alta, porque automaticamente isso vai traduzir em inflação — disse.

Inflação elevada

O Copom ainda aponta que no cenário básico, as inflação deve ficar em 9,5% em 2021, 4,1% em 2022 e 3,1% em 2023.

O objetivo do BC é manter a inflação de 2022 e 2023 dentro da meta. Depois da semana passada, as projeções do mercado subiram para 4,40%, contra expectativa anterior de 4,18% , segundo o relatório Focus.

As metas são, respectivamente, de 3,75%, 3,5% e 3,25%, com intervalo de tolerância de 1,5 p.p para cima ou para baixo

Para que a inflação chegue nos números do cenário básico, a projeção leva em conta os juros em 8,75% este ano, 9,75% durante 2022, terminando o ano em 9,5% e uma redução para 7% em 2023.

O economista-chefe da Daycoval Asset, Rafael Cardoso, acredita que a alta não é suficiente para fazer com que as expectativas de inflação deixem de subir, mas pode tirar o ímpeto das revisões de mais longo prazo.

— Acho que é o suficiente pra gente talvez estancar um pouco a piora e mesmo assim desconfio que tem alguma coisa para se materializar de inflação um pouco mais alta do que está no Focus principalmente pelo fato do câmbio estar em patamar bem mais depreciado e isso pode levar a mais inflação no ano que vem — explicou.

Segundo o Copom, o ambiente no cenário externo tem se tornado "menos favorável" e a reação de outros bancos centrais com a alta da inflação deve levar um cenário mais desafiador para economia emergentes.

"A inflação ao consumidor continua elevada. A alta dos preços veio acima do esperado, liderada pelos componentes mais voláteis, mas observam-se também pressões adicionais nos itens associados à inflação subjacente", aponta o comunicado.