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Inflação turbina caixa do governo, que abre mão de R$ 40 bi em impostos

Economistas explicam que, na prática, é como se os cidadãos estivessem pagando um tributo a mais, o inflacionário
Mais de 70% das empresas tiveram produção reduzida de eletrodomésticos. Foto: Divulgação Foto: Divulgação

BRASÍLIA - A inflação de dois dígitos tem sido usada pela área econômica do governo para lançar medidas que tentam, em ano eleitoral, aquecer a economia, que deve crescer abaixo de 1% este ano, de acordo com as previsões. Uma das principais apostas é a redução de tributos.

O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), índice oficial de inflação, acima de 10% nos últimos sete meses, abriu espaço para um aumento da arrecadação.

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Na avaliação de especialistas, porém, a renúncia fiscal bilionária deixa uma conta para o próximo governo, à medida que não há garantias de que esse volume crescente de recursos no caixa vá se manter.

Como a arrecadação de tributos consiste, em geral, de um percentual sobre o valor cobrado sobre produtos e serviços, o aumento de preços faz com que o valor levantado pelo governo suba imediatamente. Porém, a maior parte das despesas públicas não tem correção imediata.

Muitas são atreladas ao salário mínimo, corrigido apenas uma vez por ano. É com base nessa defasagem entre os recursos que entram no caixa e os que saem dos cofres públicos que o governo viu espaço para aumentar a concessão de benefícios.

Estimativas do Ministério da Economia apontam que a renúncia fiscal chega a R$ 43,4 bilhões, considerando apenas a redução da alíquota de IPI e PIS/Cofins dos combustíveis. Isso só seria possível graças à elevação da receita decorrente da inflação.

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Segundo cálculos do governo, somente a redução de 35% do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) vai representar uma renúncia fiscal de R$ 23,3 bilhões este ano, chegando a R$ 31,9 bilhões em 2025. Para especialistas, abrir mão de imposto sem garantia de que essa receita continuará a crescer adiante pode agravar mais a situação das contas públicas.

O governo, porém, avalia que os cortes de tributos são feitos de forma sustentável, com uma arrecadação que sobe acima da inflação.

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— Esse fenômeno está na base das crises inflacionárias que já ocorreram aqui e em outros países — ressalta o economista e professor da UnB, Roberto Ellery.

Saídas como esta, lembra a professora de economia do Insper, Juliana Inhasz, levam ao fenômeno que ficou famoso no Brasil dos anos 1980: o imposto inflacionário:

— Não é um imposto que você paga de boleto, como IPTU e IPVA, mas é um imposto que a inflação cria dentro da economia, como se as pessoas estivessem pagando um tributo. Elas são obrigadas a consumir menos, se deparam com um poder de compra menor e não têm como se negar a pagar esse custo maior, porque ele está no caixa do mercado, na hora que paga o produto, embutido no preço. 

Elon Musk, homem mais rico do mundo, compra o Twitter por US$ 44 bilhões, um preço 38% acima do valor em Bolsa da empresa em 1º de abril, antes da proposta do bilionário Foto: Chris Ratcliffe / Bloomberg
Em janeiro deste ano a Microsoft anuncia a compra Activision Blizzard, dos jogos 'Call of Duty' e 'Candy Crush', por US$ 68,7 bi, maior aquisição da história da empresa Foto: Reuters
Em 2016, quando a Microsoft anunciou a compra do LinkedIn por US$ 26,2 bi, era considerado o maior negócio da gigante de tecnologia Foto: David Paul Morris / Bloomberg
Em outubro de 2014, o Facebook oficializa compra do WhatsApp por US$ 21,8 bi, maior negócio da empresa de Zuckerberg Foto: AFP
Em outubro de 2017, os acionistas da varejista Whole Foods Market aprovaram a proposta de venda para a Amazon. O acordo foi avaliado em cerca de US$ 13,5 bilhões Foto: AFP
Steve Ballmer e Tony Bates selam a compra do Skype pela Microsoft por US$ 8,5 bi, em maio Foto: Reuters / Reuters
Em maio de 2021, a Amazon concluiu a compra dos estúdios MGM por US$ 8,5 bilhões Foto: Reprodução
Em outubro de 2006, o Google anunciou a compra do YouTube por US$ 1,65 bilhão, em negócio que envolveu troca de ações Foto: Reprodução

Segundo ela, o poder público se beneficia da inflação alta, porque os preços mais elevados ampliam a base de incidência tributária, o que se reflete na arrecadação.

Para Juliana, a elevação da arrecadação não é sustentável e, em breve, o governo vai se deparar com a elevação dos próprios gastos, também motivada pela alta da inflação, a se refletir no aumento dos custos de compras com novos contratos e reajustes salariais. Mas essa reversão só deve acontecer no próximo governo.

Atualmente, o governo sustenta a redução de impostos em dois pilares. O primeiro é que, a curto prazo, a arrecadação mais alta faz frente a um gasto que não subiu na mesma proporção. O segundo é a alta dos preços das commodities .

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— O ciclo de commodities acontece agora, porque o mundo está em recuperação, mas ele tem um prazo de validade, que não é tão longo —afirma Juliana.

Esse efeito na economia ainda terá reflexos pelo menos até 2023, na avaliação do economista Lucas Dezordi, professor da PUC-PR. Ele alerta para o fato de o aumento da arrecadação em ritmo recorde não ser estrutural, não vai se manter nos próximos anos, e sim conjuntural.

— Contudo, no cenário de inflação elevada e commodities valorizadas, não esperamos uma queda expressiva dessa arrecadação —diz Dezordi.

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Para ele, com a redução da inflação e desaceleração do Produto Interno Bruto (PIB), o ritmo de arrecadação para 2023 tende a cair, mas não acredita que chegue ao ponto de contribuir para um desequilíbrio fiscal.

Mudança no teto de gastos

Roberto Ellery, da UnB, aponta outro “problema grave” relacionado com a inflação: a mudança no teto de gastos — regra que limita o crescimento das despesas à inflação do ano anterior — para permitir aumento de gastos em ano eleitoral. Mudou-se o prazo do cálculo para ter um índice de correção das despesas mais alto, já que o teto de gastos é calculado pela inflação.

Os combustíveis foram os principais vilões da inflação em 2021. O etanol disparou 62,23% no ano passado. Já a gasolina, 47,49%. O gás de botijão subiu 36,99%. São preços que influenciam outros preços na economia Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo
Com a alta nos preços dos combustíveis, o grupo dos transportes teve alta forte em 2021, pesando no bolso dos mais pobres. A alta acumulada foi de 21,03% Foto: Fabiano Rocha / Agência O Globo
Entre os gêneros alimentícios, o café foi um dos que mais encareceram em 2021. Os alimentos formam um dos grupos de maior alta de preços na composição do IPCA: subiram 14% no ano passado. As bebidas ficaram, em média, 7,94% mais caras. Foto: Arquivo
Até mesmo o churrasco, uma das principais escolhas de lazer do brasileiro nas horas vagas, ficou salgado em 2021. As carnes subiram 8,45% em média no ano passado Foto: Fábio Rossi / Agência O Globo
Outro item essencial no orçamento do brasileiro, a energia elétrica disparou em 2021 sob efeito da crise hídrica, que limitou a operação de hidréletricas. No ano, tarifa de eletricidade residencial subiu 21,21% Foto: TINGSHU WANG / Reuters
A inflação fez disparar o IGP-M, índice que reajusta contratos de aluguel, que tiveram alta média de 6,96% segundo o IBGE. Além disso, preços de material de construção encareceram imóveis novos e reformas. Resultado: o grupo habitação acumulou alta de 13,05% em 2021. Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo

— O ponto principal do teto era forçar escolhas no Orçamento. Se o governo quiser atender a um grupo, deve arcar com os custos políticos de contrariar outros grupos. Mudar o teto de forma a permitir aumento de gastos quebra esse princípio. No lugar de escolher quem atender e quem enfrentar, o que deveria ser normal em uma democracia, o governo optou por agradar aos congressistas para aumentar o limite do teto em 2022 e facilitar outras escolhas.

Ellery cita, ainda, o orçamento secreto — emendas do relator nas quais não há transparência e destinadas às regiões que formam a base eleitoral dos parlamentares — para obter o apoio do Legislativo a projetos de seu interesse:

— É o caso clássico de comprar apoio político com recursos do Orçamento. No passado, isso deu processo e até cadeia. Agora querem legalizar.

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Para Juliana Inhasz, o Orçamento é mais um exemplo do uso político da inflação. Ao usar valores baixos para a projeção da inflação, como ocorre na proposta de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2023, o governo acaba reajustando tudo o que tem de pagar a um valor menor, e o que recebe a outro maior, o que não é sustentável.

A proposta de LDO usou um percentual de 6,7% para reajustar o salário mínimo, que tem efeito cascata nas contas públicas. Mas as projeções do Boletim Focus, pesquisa do Banco Central com cem instituições financeiras, apontam inflação de 7,89%.