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Economia Macroeconomia

O país que queremos: Teto deve ser mantido, extinto ou revisto?

Em 2016, foi aprovado o teto de gastos, impondo um limite às despesas públicas. O mecanismo foi flexibilizado em outubro passado e esquentou o debate sobre mudanças na atual âncora fiscal
. Foto: Criação O GLOBO
. Foto: Criação O GLOBO

RIO - O economista Fabio Giambiagi dedicou sua coluna da última sexta-feira à regra do teto de gastos, que impede que as despesas públicas cresçam acima da inflação. Aprovada em 2016, previa uma revisão em 2026. Giambiagi diz que essa revisão vai ter que acontecer antes e que é impossível não mexer na regra antes do prazo.

No debate que ele considera o mais importante em 2023, propõe subtetos para pessoal, um crescimento real que poderia chegar até 1,5% ao ano e proibir exceções, despesas fora da regra fiscal. Ele defende uma “grande pactuação”, fruto de um acordo politico para chegar a uma revisão da atual ou a uma nova regra.

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E mais, diz que será difícil sem aumento de impostos. Em outubro, o governo mudou a maneira de calcular o reajuste dos gastos para abrir espaço no Orçamento para mais despesas.

Esther Dweck, professora da UFRJ e ex-secretária do Orçamento Federal, Mansueto Almeida, um dos arquitetos da regra, ex-secretário do Tesouro Nacional e economista-chefe do BTG, e Tony Volpon, estrategista de investimentos Wealth High Governanceag e ex-diretor do Banco Central entram no debate com visões diferentes de como deve ser a politica fiscal no país.

Regra gerou desmonte geral do Estado

Esther Dweck, professora da UFRJ e ex-secretária do Orçamento Federal Foto: Criação O GLOBO
Esther Dweck, professora da UFRJ e ex-secretária do Orçamento Federal Foto: Criação O GLOBO

Há uma multiplicidade de regras fiscais. O teto de gastos veio em cima de outras como a regra de ouro (país só pode se endividar se for para fazer investimento) e as metas de resultado primário da LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal). O teto veio coroar uma sobreposição de regras que já eram anacrônicas, quando o mundo está mudando para regras de segunda geração, menos rígidas.

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A tese que a expansão da despesa foi descontrolado é equivocada. Ele veio pela Constituição que trazia novas exigências de um Estado de bem-estar social com saúde e Previdência públicos, que levariam ao aumento do Estado. Não era um problema, era parte de um projeto. Nos EUA, no pós guerra, o gasto saiu de 5% para mais de 30% do PIB com queda da dívida.

A expansão dos gastos vinha caindo após 2011. O teto vem de um diagnóstico errado, impondo queda do gasto per capita, que já é muito inferior ao dos países da OCDE. Neste governo, ficou claro que o teto não evitou despesas não necessárias, como as emendas do relator.

Temos de refazer o arcabouço fiscal, com alguns princípios, como não determinar o tamanho do estado. Isso é uma decisão política. A taxa de crescimento deve ser positiva e revisada a cada Plano Plurianual. Outro princípio é ter flexibilidade para períodos de baixo crescimento, abaixo de 1%, para preservar investimento e custeio da máquina.

O investimento público precisa de regras próprias e não ser a variável de ajuste. Tem que mexer no lado da arrecadação. Nesse ponto, eu concordo com Fabio Giambiagi, com uma recomposição da carga tributária que poderia até aumentar dentro de um pacto social, de forma progressiva (taxando mais conforme aumenta a renda).

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O teto gerou um desmonte geral. O orçamento da Ciência e Tecnologia caiu 50%. A Cultura quase desapareceu, a promoção de igualdade de gênero e raça, habitação, foi tudo sumindo. Não tem dinheiro para gasolina dos carros do Ibama.

Essa combinação de regras está gerando um problema social, pelos sucessivos cortes, e econômico, porque o governo não pode atuar para recuperar o crescimento. É um sistema disfuncional, que precisa ser modernizado.

*Esther Dweck é professora do Instituto de Economia da UFRJ e foi secretária de Orçamento Federal

Não se sabe quando a dívida vai começar a cair

Mansueto Almeida é economista-chefe do BTG e foi secretário do Tesouro Nacional Foto: Criação O GLOBO
Mansueto Almeida é economista-chefe do BTG e foi secretário do Tesouro Nacional Foto: Criação O GLOBO

Os parâmetros da Lei de Diretrizes Orçamentárias, divulgadas há uma semana, mostrou que o país chegará em 2025 com superávit primário (receita menos despesa antes dos juros) de R$ 33 bilhões, 0,3% do PIB, muito baixo, não põe a dívida pública em clara trajetória de queda, mesmo com teto de gastos.

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A despesa com pessoal ativo está em 3,5% do PIB, menor desde 1991. O investimento público, com as emendas parlamentares chega a R$ 67 bilhões, é muito baixo. Não dar aumento salarial e controlar o investimento já foi feito.

Para mudar a regra antes de 2026 e não cortar investimento, tem que olhar a arrecadação. Mas a carga tributária de 33,9% é a maior em dez anos, e o ajuste fiscal não está completo. Aumentar a carga vai impactar crescimento.

Temos os regimes especiais tributários. Alguns são bons, outros não. É um benefício de R$ 300 bilhões. O ideal seria mexer em algum, com alguma arrecadação a mais e preservar o teto de gastos. Mesmo com a regra, vai ter que olhar para arrecadação. Se flexibilizar, vai ter que olhar ainda mais para arrecadação.

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O que é importante é ter âncora fiscal, esse foi o benefício do teto em 2016, saber a partir de qual ano a dívida vai começar a cair. Ele nos forçou a rever gastos que cresciam 6% ao ano e passaram a crescer 2%, que é o caso da Previdência (INSS).

Estudos mostraram que é possível limitar o abono salarial, que tem pouco impacto redistributivo, para quem ganha até um salário mínimo (hoje é até dois). O programa pode ser mais focalizado.

O investimento público federal está  em 0,3% do PIB (no máximo 0,6% do PIB contando com emendas parlamentares). É pouco, mas parte dele passou para o setor privado. Em aeroportos, que era 100% público, agora 100% do investimento vêm da concessionária. É mesmo no caso do saneamento. E os estados podem aumentar o investimento, por estarem com dinheiro em caixa.

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O teto é importante porque, mesmo com a surpresa na arrecadação, o gasto ficou travado. Saímos de déficit de mais de R$ 700 bilhões em 2020 para R$ 65 bilhões. Apesar disso, a credibilidade diminuiu com o teto sob ataque.

O mercado se assustou muito, viu que era relativamente fácil mudar a Constituição para voltar a abrir exceções. Hoje, ninguém consegue responder a partir de qual ano a dívida vai começar a  cair.

*Mansueto Almeida é economista-chefe do BTG e foi secretário do Tesouro Nacional

Mecanismo cada vez menos eficaz

Tony Volpon é estrategista de investimentos Wealth High Governance e foi diretor do Banco Central Foto: Criação O GLOBO
Tony Volpon é estrategista de investimentos Wealth High Governance e foi diretor do Banco Central Foto: Criação O GLOBO

Como mecanismo de disciplina de crescimento de gastos, o teto tem sofrido várias flexibilizações e tem se demonstrado um mecanismo cada vez menos eficaz. Isso é em parte é consequência do desenho. Por ser muito inflexível, vai acabar sendo relativizado. Política fiscal, como nome diz, é política. Não é meramente técnico.

O teto atuou sobre o crescimento do gasto num período onde havia dúvidas sobre a questão. Pela falta de flexibilidade, entre a regra do teto e a necessidade política, venceria a necessidade política e o mercado reagiu de maneira muito violenta. Em outubro do ano passado, com o recálculo de teto, a alta de juros foi até maior do que em 2015 e 2016, ano do impeachment da presidente Dilma Rousseff.

Gosto de várias propostas do Fabio Giambiagi. Vão na direção certa, se a ideia é tentar voltar a ter superávit primário e começar a estabilizar o crescimento da dívida, que não cresceu tanto hoje por fatores temporários. A indexação do nível de despesa poderia ser o PIB per capita, temos o crescimento populacional e a população envelhecendo. Deveria ter algum tipo de reconhecimento dessa realidade. Só fixar indexação pela inflação não parece muito inteligente.

Concordo também que tem de rever um mantra de não poder aumentar imposto. Temos que pôr na mesa a reforma tributária para aumentar a arrecadação sem penalizar as pessoas de menor renda. Um aumento temporário para não distorcer a economia ainda mais.

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Dentro de reforma tributária, conseguir um processo de controle de despesa que seja totalmente crível, que abaixasse a dívida lentamente, que é o objetivo do teto. Não estamos num mar de lama, fizemos progressos, e a regra do teto contribuiu para isso. Mas essa regra está exaurida, velha, machucada, sangrando.

Podemos ter subtetos, mais de um teto, com indexações diferentes. Estou idealizando dentro da nossa realidade política, para ser viável politicamente. Brasil não é Suíça.

O teto funcionou durante um tempo, mas não está muito bem amado. Uma nova regra talvez tenha mais apoio, mais credibilidade política e que mercado aceite também.

*Tony Volpon é estrategista de investimentos Wealth High Governance e foi diretor do Banco Central