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Por que analistas falam em risco de estagnação depois de indústria crescer 3,9% em 2021, após dois anos em queda

Setor teve alta de 2,9% em dezembro, acima da previsão do mercado, mas acumulado no ano passado não recupera todas as perdas na pandemia
Fábrica da Volks em São Bernardo do Campo (SP): setor automotiva puxa recuperação da indústria Foto: Agência O Globo
Fábrica da Volks em São Bernardo do Campo (SP): setor automotiva puxa recuperação da indústria Foto: Agência O Globo

RIO – A produção industrial brasileira cresceu 2,9% em dezembro, segundo dados divulgados pelo IBGE nesta quarta-feira.

Em 2021, a indústria avançou 3,9%, após dois anos seguidos de queda, mas ainda não foi suficiente para compensar a perda de 2020, quando o setor foi fortemente afetado pela pandemia e recuou 4,5%.

O crescimento de dezembro foi o primeiro desde maio deste ano, colaborando para eliminar parte da perda registrada entre junho e outubro, que foi de 3,3%. Em novembro, houve estabilidade.

Antes da divulgação, analistas ouvidos pelo Valor Data estimavam alta de 1,6% em dezembro e de 3,8% no ano.  Após os resultados, especialistas ouvidos pelo GLOBO previram um ano difícil para a indústria, com risco de estagnação.

Em 2022: Serviços, TI e agronegócio darão impulso ao PIB no Brasil

O patamar do último mês de 2021, porém, ainda está 0,9% abaixo do registrado em fevereiro de 2020, portanto antes da pandemia. Ficando ainda 17,7% aquém do ponto mais alto da série, em maio de 2011.

— Dezembro traz uma sinalização positiva. O crescimento de 2021 interrompe dois anos seguidos de resultado negativo, com -1,1% em 2019 e -4,5% em 2020. Então, o avanço de agora se dá sobre uma perda muito grande nos anos anteriores, e ainda não recuperamos essa perda. Houve melhora, mas o quadro geral (decrescente) permanece — avalia André Macedo, gerente da PIM do IBGE.

Produção de máquinas e equipamentos avançou 1,2% em dezembro

Em dezembro, houve avanço nas quatro categorias econômicas, com crescimento em 20 dos 26 segmentos que englobam.

Entre as quatro categorias, houve alta de 4,4% em bens de capital (máquinas e equipamentos); de 1,2% em bens intermediários; de 3,1% em bens de consumo; e de 6,9% em duráveis.

Na comparação com dezembro de 2021, porém, só houve avanço em bens de capital (5,8%), enquanto intermediários (-3,9%), bens de consumo (-9,4%) e duráveis (-16,8%) foram na direção oposta.

Setor com maior recuperação é o de bens de capital

Dentre as atividades analisadas, há nove em patamar superior ao anterior à pandemia, numa lista encabeçada por máquinas e equipamentos, que está 16,5% acima de fevereiro de 2020, seguida de produtos de madeira (14,4%).

Outras 16 atividades estão abaixo do nível pré-Covid, com manutenção, reparação e instalação de máquinas e equipamentos (-24,9%) e móveis (-17,8%) na lanterna.

Ainda é cedo, avalia Macedo, para dizer que a indústria inicia uma trajetória de retomada do crescimento.

— Apesar do crescimento de 3,9% no ano, ainda permanece em trajetória decrescente. A indústria retomou o fôlego no início de 2021, crescendo 13% no primeiro semestre. Mas recuou 3,4% no segundo. O resultado acumulado dos últimos meses mostra que o setor vem perdendo intensidade. Há uma interrupção nessa trajetória, mas não há leitura que permita colocar que se está iniciando outra.

Agravamento da pandemia é desafio em 2022

Na comparação entre os meses de dezembro de 2021 e de 2020, a indústria recuou 5%.

Rafael Cagnin, economista do Instituto de Estudos para o desenvolvimento industrial (Iedi), destaca que a comparação com o fim do primeiro ano de pandemia demonstra a perda de dinamismo do setor.

No fim de 2020, diz ele, a indústria estava 3% acima do patamar pré-pandemia, expansão que foi perdida.

'Eventual estagnação'

Com isso, 2022 poderá ser um ano de estagnação na produção industrial:

— Sem os efeitos estatísticos que favoreceram a alta de 2021 (pela base de comparação enfraquecida), devemos ter um baixíssimo dinamismo em 2022, podendo vir uma eventual estagnação. Vai se tornando claro que o PIB praticamente não vai crescer. Há uma deterioração do quadro da pandemia que prolonga a desorganização das cadeias globais, o que deve ser um problema ao menos no primeiro semestre deste ano — diz Cagnin. — E, no mercado interno, o quadro é dramático, com desemprego de dois dígitos e inflação.

Silvio Campos Neto, da Tendências Consultoria, vai além, já prevendo retração:

— Temos em 2022 um quadro bastante desafiador e revisamos nossa estimativa para a produção industrial para -1,4% contra 2021. Existe a perspectiva positiva de que problemas com as cadeias globais sejam reduzidos ao longo do ano. De outro lado, com alta de juros, incertezas econômicas e políticas, cresce a incerteza e investimentos são postergados, a população segue com baixo poder de compra.

Cagnin pontua que a indústria enfrenta dificuldade para crescer desde 2014. De lá para cá, registrou expansão apenas em 2017 (2,5%) e 2018 (1%), além do ano passado. Haveria duas questões a serem levadas em conta:

— Existe um problema que é a perda de faturamento, margem, lucro acumulado da indústria, que são a base de financiamento do investimento privado no país. Em paralelo, o resto do mundo avança numa sistematização do setor, se modernizando, digitalizando, com apoio de políticas públicas. Corremos o risco de ficar de fora dessa nova indústria emergindo no mundo — alerta o economista.

O cenário de eleições presidenciais, diz ele, também pode funcionar como freio. Com o quadro de incerteza, “diante de programas de governo muito distintos”, o setor produtivo tende a ficar em compasso de espera, mais uma vez prejudicado pela incerteza, frisa Cagnin.

No ano, indústria automobilística se destacou

No acumulado do ano, a indústria teve resultados positivos em 18 das 26 atividades investigadas, com destaque para veículos automotores, reboques e carrocerias (20,3%), máquinas e equipamentos (24,1%) e metalurgia (15,4%). Notícias em imagens nesta quarta-feira pelo mundo

O crescimento de 3,9% foi o maior desde 2010, quando houve avanço de 10,2%.

Melhora na produção de veículos

O panorama da indústria em 2022 ainda reflete problemas enfrentados pelo setor desde o início da pandemia. Com a Covid-19, houve uma completa desorganização da cadeia produtiva global, levando fábricas a fechar devido ao desabastecimento de componentes importados.

O problema foi mais grave no primeiro ano da pandemia, mas se manteve em 2021.

No geral, um conjunto de fatores freia o desempenho da produção industrial, explica Macedo.

— A demanda doméstica está sob efeito negativo do período de inflação mais elevada, que reduz a renda das famílias. A alta de juros encarece o crédito e seguimos com um contingente elevado de mais de 12 milhões de pessoas fora do mercado de trabalho. Há alguma recuperação, mas a massa salarial não avança. Tudo isso afeta a decisão de consumo das famílias e de investimento pelas empresas, estando na base do que afeta a economia e a produção industrial.

A falta de peças afetou particularmente o setor automotivo, que havia registrado queda de 27,9% em 2020. Segundo Macedo, o crescimento do setor neste ano também não reverte as perdas do ano anterior. Em 2021, o destaque foi a produção de caminhões.

Com o aumento de 12,2% em veículos automotores, reboques e carrocerias em dezembro, a atividade foi a que mais puxou o crescimento da insútria em dezembro e demonstrou recuperação importante em produção, encerrando o ano 3,4% abaixo do patamar de fevereiro de 2020. Um mês antes, essa diferença era de -13,9%.

Dezembro foi o quarto mês consecutivo de crescimento do setor, num período em que teve ganho acumulado de 17,4%.

Outro segmento que puxou o desempenho no último mês do ano foi o de produtos alimentícios, com crescimento de 2,9%, embora desalerando na comparação com novembro (7,1%).

Indústria de alimentos ajudou a puxar alta

A alta foi puxada pelo aumento da produção de açucar e pela reativação das exportações de carne bovina para a China. Fica ainda 4,1% abaixo do patamar pré-Covid.

O resultado de dezembro é a primeira alta depois de cinco meses de queda e um novembro de variação nula, diz o IBGE.