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Prévia da inflação desacelera para 0,58% em janeiro, mas ainda está em dois dígitos em 12 meses

Alimentos pressionam indicador, que ficou acima da expectativa de mercado e deve levar BC a anunciar nova alta de juros na semana que vem
Preços dos alimentos pressionam prévia da inflação Foto: Arquivo
Preços dos alimentos pressionam prévia da inflação Foto: Arquivo

RIO — O Índice de Preços ao Consumidor Amplo-15 (IPCA-15), considerado uma prévia da inflação, desacelerou em janeiro. A variação foi de 0,58% ante dezembro, refletindo, por um lado, a queda no preço dos combustíveis e, por outro, o aumento dos alimentos.

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Em 12 meses, o indicador acumula alta de 10,2%, segundo dados divulgados nesta quarta-feira pelo IBGE. O número surpreendeu negativamente analistas do mercado, que previam variação entre 0,42% e 0,44%.

A divulgação de hoje é a primeira do ano e sinaliza que os brasileiros vão continuar a conviver com preços altos em 2022, apesar de o ritmo de alta ser menor que no mês anterior. Em dezembro, o IPCA-15 subiu 0,78%. Em 2021, o índice fechou em 10,42% , maior patamar em seis anos.

Com o avanço da inflação, a tendência é que o Banco Central (BC) amplie a alta dos juros e que brasileiros endividados acabem atrasando as contas. O endividamento das famílias já está em nível recorde, segundo o BC, e especialistas apontam que deve piorar ao longo do ano, com juros subindo a 10,75%.

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Alta na alimentação surpreende

Oito dos nove grupos de produtos e serviços pesquisados pelo IBGE tiveram alta em janeiro. Alimentos e bebidas puxaram a inflação no mês, com expansão de 0,97%, e foi a grande surpresa do índice em janeiro.

A alta é explicada principalmente pelo aumento de chuvas no final de 2021 e da seca na região Sul, que afetaram colheitas importantes, como o café (6,5%). Além disso, houve valorização de insumos usados na produção agrícola, como fertilizantes, nos Estados Unidos e na Europa, que exportam para o Brasil.

A economista da XP, Tatiana Nogueira, explica que há reflexo na safra de grãos e produção de gado.

— Estamos sob o efeito do La Niña, que traz mais chuvas para Norte e Nordeste e menos, no Sul. Isso acabou impactando a safra de grãos, como soja e milho, e se refletiu também no preço de proteína animal, por causa da ração mais escassa e cara — afirma a economista, que projetava variação de 0,44% e espera fechar o ano com inflação de 5,2%.

Gasolina e GNV caem

Aluguel (1,55%) e gás encanado (8,4%) também pressionaram o índice. A energia elétrica, que tem forte peso no indicador e foi uma das vilãs em 2021, contribuiu pouco desta vez, com alta de 0,03%, variação que é considerada estabilidade pelo IBGE.

Entre os grupos pesquisados, a exceção foram os Transportes, cujos preços recuaram 0,41%, após a alta de 2,31% em dezembro.

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Isso aconteceu porque o preço da gasolina caiu neste mês, após reajuste para baixo anunciado pela Petrobras. E também porque houve queda nos preços das passagens aéreas de quase 20%, freando uma alta maior do índice.

Na avaliação do professor de Economia do Ibmec, Thiago Moraes, o recuo nos combustíveis e a estabilidade na energia elétrica mostram que os preços administrados terão menos impacto na inflação de 2022.

— Já vemos melhora nas condições hídricas, que aliviou o setor elétrico e deve levar à redução de tarifas durante o ano. Para os combustíveis, houve retração do preço do barril no começo do ano por temores do avanço da Ômicron — afirma.

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Etanol e GNV também registraram queda nos preços, freando uma alta maior do indicador. O preço de automóveis novos, porém, continua pressionando o IPCA-15, com alta de 1,9% no mês, mais que o dobro da inflação no período.

Em 2022, alimentos e combustíveis serão vilões

A queda no setor de Transportes, puxada pelas reduções em gasolina, etanol e GNV, não se sustentam no médio e no longo prazos. Com novos reajustes aplicados pela Agência Nacional de Petróleo, Gás Natual e Biocombustíveis (ANP) nas últimas semanas, especialistas avaliam que combustíveis voltarão a puxar a inflação para cima.

— Para o IPCA cheio, Transportes não vai ter o mesmo peso por causa dos aumentos anunciados pela Petrobras há duas semanas, que aumentar a variação do acumulado do mês —  explica Mauro Rochlin, professor de Economia da FGV, que devido aos reajustes, projeta IPCA de janeiro em 0,6%.

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Há ainda temores sobre o cenário internacional, com a possibilidade de invasão da Ucrânia pela Russía, segundo maior produtor mundial de petróleo e principal fornecedor de gás natural para a Europa.

A instabilidade política aumenta o preço do barril no mercado internacional, e há expectativa de chegar a US$ 100. O reajuste pressiona órgãos brasileiros a acompanharem a alta de preços no mercado interno.

A alimentação, grande surpresa do IPCA-15, vai ser motivo de preocupação de analistas em 2022. Os efeitos climáticos do La Niña, como alta recorde nas temperaturas, temporais e secas fora de época, vão atrapalhar o setor agropecuário e podem atrasar colheitas, como ocorreu em 2021.

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Para o estrategista-chefe do Modalmais, Felipe Sichel, o segmento de preços livres, como setores de indústria e serviços, vai influenciar os contornos da inflação em 2022. Com a perspectiva de fim da pandemia em vista para o ano, ele espera explosão de demanda, que vai demorar para ser absorvida pelas empresas.

Expectativa de Selic a 10,75%

Para analistas, o resultado do IPCA-15 terá repercussão na reunião do Conselho de Política Monetária do Banco Central (Copom), marcada para os dias 1º e 2 de fevereiro.

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Com a inflação persistente em dois dígitos, a expectativa é que o conselho aprove um novo aumento de 1,5 ponto percentual na taxa Selic, para 10,75%, o maior patamar desde 2017. Na avaliação do economista-chefe do Banco Modal, o dado desta quarta traz uma nova pressão ao BC.

— O processo de inflação segue pressionado e coloca muita dificuldade na atuação da autoridade monetária, ou seja, o risco do BC ter que ir além de 10,75% aumenta. Quando olhamos para a frente, os cenários são de inflação mais forte — afirma Sichel, que espera inflação de 5,5% no acumulado do ano e taxa Selic fechando 2022 em 12%.

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O cenário de taxa de juros a dois dígitos e inflação estourando teto da meta do Banco Central para o ano, de 5%, mostra que 2022 será ainda mais desafiador para as famílias, no momento em que o endividamento bate recorte, segundo o BC. Analistas avaliam que os indicadores podem piorar neste ano:

— O endividamento e a inadimplência devem aumentar porque ficou mais caro contrair dívida, com a alta de juros, e as pessoas vão ter que recorrer ao crédito, vão conratar com um custo muito mais elevado — afirma Tatiana.