Economia

Mais de 40% das famílias receberam ajuda do governo federal em junho

Dados do IBGE indicam que 43% dos domicílios brasileiros contam com algum beneficiário do auxílio emergencial ou medida de proteção ao emprego
Beneficiários de renda social dispararam nas 27 capitais do país Foto: Hermes de Paula /Agência O Globo
Beneficiários de renda social dispararam nas 27 capitais do país Foto: Hermes de Paula /Agência O Globo

RIO — As políticas de auxílio do governo federal no combate aos efeitos da pandemia de Covid-19 beneficiaram — diretamente ou indiretamente — quase metade da população brasileira em junho. Dados da Pnad Covid, divulgada nesta quinta-feira pelo IBGE, mostram que 43% dos domicílios tinham algum membro recebendo o auxílio emergencial de R$ 600 ou o Benefício de Proteção ao Emprego (BEm),  pago a quem teve suspensão de contrato ou redução de jornada e salário.

O número é maior do que o registrado em maio, quando 38% dos lares brasileiros contavam com ao menos um beneficiário. Ao todo,  29,4 milhões de domicílios receberam apoio em junho, com o benefício médio de R$ 845.

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A ajuda foi mais presente em estados do Norte e Norte, cujo percentual de lares com algum membro recebendo ultrapassou os 45%. Em estados do Sul, o percentual foi menor, de cerca de 30%.

. Foto: Criação O Globo
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Apesar de indicar focalização entre os mais pobres, ainda existe uma parcela descoberta, principalmente entre aqueles que estão na extrema pobreza. Dados do IBGE indicam que 3,4 milhões brasileiros com renda domiciliar per capita abaixo de R$ 50 não estão sendo beneficiados diretamente ou indiretamente com a ajuda de R$ 600.

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Os números preocupam especialistas com a expectativa de alta do desemprego nos próximos meses e fim da ajuda em agosto. O auxílio tem funcionado como uma espécie de colchão na renda das famílias, principalmente entre os mais vulneráveis.

Somente na última semana de junho, mais de 1,4 milhão de brasileiros deixaram de estar ocupados.

— O mercado de trabalho não vai ser capaz de absorver essas pessoas. Se tivéssemos numa situação de queda dos casos (de Covid-19), assim como dos indicadores de mortalidade e contágio, a situação seria mais branda — avalia Débora Freire Cardoso, pesquisadora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que defende um programa de transição ou a permanência do auxílio até o fim do ano.

Entre os 10% mais pobres, a renda domiciliar per capita com auxílio foi de R$ 271,92. Sem a ajuda do governo, essa quantia cai para R$ 7,15. Entre os 20% mais pobres, o fenômeno se repete: de R$ 150,78 para R$ 372,22. Na média, o aumento da renda domiciliar é de 11%.

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Dados do IBGE mostram que os efeitos do auxílio emergencial tem ajudado alguns setores a esboçarem recuperação, como comércio e indústria, uma vez que as famílias compensaram boa parte da perda de renda com o benefício do governo. Segundo Cimar Azeredo, diretor do IBGE, o auxílio emergencial e o benefício de proteção ao emprego atingiram cerca de 80% dos domicílios duas primeiras faixas de renda e cerca de três quartos dos domicílios da terceira faixa. Boa parte deste com grande propensão de consumo, segundo mostram estudos.

Com o possível fim do auxílio e da proteção de emprego, além das famílias entraram em situação de vulnerabilidade, a atividade econômica vai ser impactada.

—  O fim do auxílio vai deixar as famílias numa situação de vulnerabilidade. Vai  reduzir o consumo e reduzir a atividade econômica, além de impactar o recolhimento de impostos — ressalta Débora.

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Em junho, a diferença entre a massa de rendimentos efetivamente recebida, considerada a soma de todos os recebíveis dos brasileiros) e a habitual foi de 32%, quando o normal seria 23%. Boa parte desta diferença, no entanto, foi compensada com os R$ 27 bilhões do auxílio.

Segundo Sandro Sacchet, pesquisador do Ipea, caso a diferença não feche antes do término do auxílio, o impacto será generalizado na economia. Seriam menos recursos nas mãos da família para consumir e sobreviver.

— Se a diferença for fechando devagar, estamos falando de 27 bilhões circulando a menos na economia. Os impactos não serão apenas em quem depende da ajuda, mas impacto na demanda e no consumo das famílias — Se mantiver a situação do jeito que está, teremos que repensar (o fim do auxílio).

Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, enxerga reflexos diretos no PIB com a degradação no mercado de trabalho e do fim do auxílio. Ele estima que os efeitos devem nos levar a uma queda até o quarto trimestre e um crescimento estimado de 2,2% em 2021 por conta dessa recuperação muito lenta do mercado de trabalho.

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. Foto: Criação O Globo
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Sem um programa de transferência para substituí-lo, especialistas afirmam a tendência é de um aumento da desigualdade e da pobreza. Uma redução dessa taxa só está no horizonte com a melhora da economia, cuja queda estimada é a maior em 120 anos. Estudo do Centro de Estudos da Metrópole (CEM), com base em dados de maio da Pnad Covid, mostrou que, sem o auxílio, 30% dos brasileiros entrariam na pobreza.

Para Caio Jardim, sociólogo, pesquisador do Afro-Cebrap e membro da rede Análise Covid-19, um fenômeno recente poderá acontecer. Com o fim do auxílio e das parcelas do seguro-desemprego, brasileiros podem não ter recursos para procurar emprego.

Ele lembra que a demissão é rápida, enquanto a reabsorção não. Antes da pandemia, 4,7 milhões de brasileiros buscavam emprego havia mais de um ano, segundo dados da Pnad Contínua. E com menos vagas de qualidade na retomada, a saída será a informalidade, cujos rendimentos e proteção sociais são menores. Antes da pandemia, cerca de 40% dos trabalhadores eram informais, boa parte deles absorvidos após a crise recessão do biênio 2015-2016.

— O recrutamento no Brasil ainda não é digital, principalmente em funções que requerem menos estudo ou em empresas com menos tecnologia.  A pessoa vai precisar gastar com o descolamento e pode não conseguir achar dinheiro para isso. O auxílio emergencial ajuda as pessoas com recursos para a busca de emprego, para pegar o transporte público, para almoçar enquanto estiver na fila para entregar currículos, para fazer algum curso, por exemplo — ressalta.