Economia

Maria da Conceição Tavares fala do dia do golpe e da prisão no regime militar

Economista portuguesa chefiou o escritório da Cepal no Brasil na década de 70

RIO - A economista Maria da Conceição Tavares era professora da UFRJ quando estourou o Golpe de 1964. A UNE em chamas e a marcha das famílias com Deus são as imagens que ficaram marcadas na memória. Fazia palestras fora da universidade, juntamente com Carlos Lessa e Antônio Barros de Castro:

— Acho que minha primeira ficha do SNI veio daí (risos).

Ela lembra da prisão nos anos 1970, logo depois de ter voltado do Chile e da amizade desde a infância com Màrio Henrique Simonsen

Onde a senhora estava quando houve o golpe em 1964?

Estava vindo da cidade para escola, na Praia Vermelha. O meu diretório acadêmico era de direita, então colaborou muito com Lacerda e ajudou a tocar fogo na UNE Quando estava vindo do aterro, vi a UNE em chamas, foi muito impressionante, foi o que mais me marcou. Outro coisa que me marcou muito foi clima das marchas com Deus pela família, as velas. Isso também não foi simpático. Depois elegeram um diretório acadêmico progressista. Me lembro que eu, Lessa (Carlos Lessa) e o Castro (Antônio Barros de Castro), fazíamos palestras para os meninos, mas fora da escola. Não deixavam a gente fazer dentro da universidade. Acho que minha primeira ficha do SNI veio daí (risos). Essas palestras eram para abrir as cabeças dos meninos. Eles não estavam entendendo nada. Uma confusão medonha.

Como foi a prisão da senhora?

Foi depois que voltei do Chile, 1974, 1975. Foi período do Geisel (Ernesto Geisel), mas não foi ele que mandou. Isso eu soube porque o Mario Henrique (Simonsen) depois me contou. Mário, quando soube da minha prisão, não tinha entendido o porquê, sou maluca, mas seguramente não era subversiva. Quando Geisel soube, deu um soco na mesa e disse que não era contra mim, era contra eles. Eram os aparelhos de repressão levantando a cabeça. Levou 48 horas para me acharam. Eles me diziam que nem o Geisel me tiraria de lá. Foi desagradável, celas muito nojentas, geladas, pintadas de branco, um frio desgraçado. Não fui torturada nem nada, mas fui ameaçada. Pelo menos não sumiram comigo.

E o agradecimento a Mário Henrique Simonsen?

O velho Bulhões (Otávio Bulhões, ministro do primeiro governo militar) me disse que eu agradecesse ao Mário que havia me tirado da prisão. Fui agradecer ao Mário. Mas como sou muito mal educada, fui logo dizendo, não fizeste mais que sua obrigação, para isso foste aluno do Santo Inácio. Depois agradeci, claro.

Os debates com o ministro

Mário era ortodoxo. Se tivesse inflação valia tudo até desemprego. No fundo defendia a política do regime. Então, no debate, não estávamos de acordo em nada (risos). Discutíamos o plano de Bulhões e Campos (Octávio Bulhões e Roberto Campos fizeram o Plano de Ação Econômica do Governo, que buscou reduzir a inflação e modernizar o estado). A fundação (Fundação Getulio Vargas) ficou praticamente aberta durante um tempo. Nos primeiro anos do regime, de 1964 a 1968, não foi tão bruto. Com AI-5 é que começou a encabrestar tudo. Perseguiram todo mundo.

O encontro com Rubens Paiva

Eu vi Rubens Paiva na noite de ano novo, imagina você, em Ipanema. Ele ficou muito contente ao saber que Almino Afonso (ministro do Trabalho do governo João Goulart que morava no Chile) estava vindo para o Brasil. Eu morava no Chile e tinha vindo fazer um estudo econômico no Brasil. Logo depois pegaram o Rubens. Avisei ao Almino, por intermédio de um colega dele que estava indo para o Chile, para Almino nem pensar em vir, que o mar não estava pra peixe. Já estava com tudo pronto, mas se tivesse vindo, teria acontecido com ele o mesmo que aconteceu com Rubens Paiva. Almino não tinha nada ver luta armada, mas nessa altura não era por aí. Entrou na rede, era peixe.