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Economia

Mercosul: abertura do Uruguai a terceiros é uma causa antiga do país

Governos de esquerda da Frente Ampla já buscavam flexibilização no bloco. Para Argentina, movimento é inadmissível
Presidente Jair Bolsonaro com o presidente do Uruguai, Luis Alberto Lacalle Pou Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo
Presidente Jair Bolsonaro com o presidente do Uruguai, Luis Alberto Lacalle Pou Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo

RIO — A abertura do Uruguai ao mundo foi uma promessa de campanha do presidente do país, Luis Lacalle Pou, empossado em março de 2020, poucos dias antes de que a pandemia chegasse à região. Mas não se trata de uma bandeira da direita uruguaia, pelo contrário.

Os governos da esquerdista Frente Ampla, que estiveram à frente do Executivo entre 2005 e 2020, também demandavam ao Mercosul liberdade para negociar acordos com terceiros países.

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O anúncio feito pela chancelaria uruguaia às vésperas da última cúpula do Mercosul é, portanto, uma causa nacional. Foi, de fato, pela demanda uruguaia que no ano 2000 o bloco aprovou a resolução 32/00, que reafirma "o compromisso dos Estados Partes do Mercosul de negociar de forma conjunta acordos de natureza comercial com terceiros países ou blocos de países extrazona nos quais se outorguem preferências tarifárias".

A resolução, argumenta agora o Uruguai, nunca foi internalizada e, portanto, na interpretação do país, não está vigente. O conflito surge porque anterior e superior a ela é o Tratado de Assunção, de 1991, que em seu artigo 1 comunica "o estabelecimento de uma tarifa externa comum e a adoção de uma política comercial comum em relação a terceiros Estados ou agrupamentos de Estados".

Para a Argentina, com o anúncio da última quarta-feira, o Uruguai viola esse artigo.O pano de fundo de um debate jurídico que está apenas começando são as intensas pressões dos exportadores de produtos primários uruguaios para ampliar seus mercados.

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Para eles, o Mercosul é uma camisa de força, que os coloca em situação de desvatagem na hora de concorrer em mercados externos, por exemplo, na Ásia. O Uruguai paga tarifas mais caras para entrar a esses mercados em comparação com países que têm acordos de livre comércio.

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O argumento dos uruguaios é simples: o Mercosul é uma união aduaneira imperfeita, cheia de perfurações. Sendo assim, existindo já tantas exceções, por que o Uruguai não pode, também, ser beneficiado por uma flexibilização que atenderia uma causa nacional?

Menciona-se, por exemplo, que a Argentina aplica licenças não automáticas para barrar exportações, violando regras da Organização Mundial de Comércio (OMC). O pedido de flexibilização nas relações externas  vem sendo feito há anos, mas o bloco nunca deu sinal verde.

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Para a Argentina, mergulhada numa recessão crônica, é inadmissível e significaria abrir a porta para que o Uruguai vire uma espécie de Cingapura dentro do Mercosul. "Eles devem optar, ou estão no bloco ou negociam acordos com terceiros", afirmou uma fonte da Casa Rosada.

O Brasil de Jair Bolsonaro e Paulo Guedes é a favor da abertura, e estava disposto a dar essa flexibilidade ao Uruguai. Seria um precendente que poderia beneficiar o país no futuro. Para o Uruguai, explicou uma fonte do governo Lacalle Pou, o que se busca no momento é "a conquista de um direito", sem que já exista uma lista de países com os quais queira-se iniciar conversas.

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Em Montevidéu comenta-se que os asiáticos são os que mais interessam aos produtores locais, decepcionados com a estagnação no processo de assinatura do acordo entre Mercosul e União Europeia (UE). No Uruguai não existe debate sobre o caminho a seguir. O Mercosul, afirmam governistas, opositores e especialistas, não foi um bom negócio. A fila precisa andar.