RIO - Na esteira de uma das cúpulas presidenciais mais tensas do Mercosul em seus 30 anos de História, um encontro virtual de negociadores dos quatro países membros na última quarta-feira evidenciou as expressivas diferenças que ameaçam estender e aprofundar a crise em que está mergulhado o bloco. Se em épocas passadas a expressão "paciência estratégica" definia o clima de convivência entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, hoje fala-se em impaciência estratégica.
No encontro, foram discutidas as duas questões essenciais da agenda atual: reforma da Tarifa Externa Comum (TEC, que taxa produtos de fora do bloco) e flexibilização da dinâmica de negociação com outros países e blocos comerciais.
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O governo brasileiro, confirmaram fontes que acompanharam o evento, se manteve firme em sua posição de defender uma redução linear de 10% da TEC e na necessidade de modificar regras internas, de forma a eliminar a exigência de consenso em negociações com outros sócios ou blocos comerciais.
O governo Jair Bolsonaro, em sintonia plena com o Uruguai, quer um Mercosul mais flexível e pretende explorar todas as alternativas possíveis para alcançar esse objetivo. Já Argentina e Paraguai resistem. Em nota oficial, a chancelaria argentina afirmou que o país tem "profunda vocação de negociar em conjunto com um Mercosul unido".
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As divergências são hoje irreconciliáveis e a decisão por parte de Brasil e Uruguai é não perder mais tempo. A percepção em ambos os países é que não se farão alterações num equilíbrio de 30 anos sem movimentos bruscos. Do lado de argentinos e paraguaios, a visão é diametralmente oposta. Ambos países querem continuar negociando em conjunto, no caso argentino, aceitando no máximo que cada país avance em velocidades diferentes, como de fato acontece nas negociações com a Coreia do Sul.
Quando se trata de reforma da TEC, as posições também são contrapostas. A Argentina, que ainda não fez uma proposta formal, prega zerar tarifas atualmente de 2%, além de reduzir a TEC em alguns produtos específicos, não produzidos pelo bloco. Já o Brasil quer uma redução linear de 10%, para todos os produtos.
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Hoje, a média da TEC é de em torno de 12%. Com a proposta brasileira, cairia para 10,8%. No caso de automóveis importados de países e blocos extra zona, por exemplo, que têm TEC de 35%, a tarifa passaria para 31,5%. Na visão de negociadores uruguaios e brasileiros, "a posição argentina busca encastelar e fechar o Mercosul".
O encontro da última quarta buscou preparar o terreno para a discussão entre chanceleres e ministros da Economia, prevista para o próximo dia 22 de abril. Na próxima quarta-feira, haverá uma reunião entre técnicos dos quatro países, para abordar os mesmos temas. A paciência de brasileiros e uruguaios está no limite e a decisão de modernizar o Mercosul, para ambos países, não tem volta atrás.