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Economia

A moda agora é circular o guarda-roupa

Com pandemia, alta das vendas on-line e consumidor mais atento à sustentabilidade, brechós têm crescimento de até 250%. Ambientes digitais inteligentes facilitam negócios e atraem grandes marcas
Segmento de artigos de segunda mão deslanchou: o aumento de vendas vai de 30% a 250% Foto: Edilson Dantas/Agência O Globo
Segmento de artigos de segunda mão deslanchou: o aumento de vendas vai de 30% a 250% Foto: Edilson Dantas/Agência O Globo

SÃO PAULO — Com isolamento e home office, roupas, bolsas, sapatos e acessórios dormitam em cabides e prateleiras, mas isso pode não durar muito tempo. A combinação de tempo para refletir e limpar o guarda-roupa, mais horas gastas na internet e, em muitos casos, necessidade de ganhar um dinheiro extra, impulsionaram os consumidores rumo ao mercado de brechós, que colecionam histórias de sucesso em 2020.

Os relatos vão de crescimento de vendas de 30%, caso do Capricho à Toa, brechó paulistano que passou a vender pela internet em junho passado, a 250%, como a plataforma Repassa, que vende peças usadas de marcas como Renner, C&A, Zara e Riachuelo.

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— Alguns mitos se dissolveram. O que era old fashion virou vintage, valorizado. As peças se transformaram em ativo nos guarda-roupas e as pessoas se orgulham de optar por um consumo inteligente, com peças mais versáteis e em menor quantidade — diz Anny Santos, analista de competitividade do Sebrae.

Anny avalia que a alavanca dos brechós foi o desenvolvimento, nos últimos anos, de plataformas tecnológicas e ambientes digitais inteligentes, que deram lugar a diferentes modelos de negócios. Ao mesmo tempo em que o consumidor se tornou mais atento à sustentabilidade, as novas ferramentas facilitam venda e a troca do que não serve mais.

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Denise Pini, dona do brechó Capricho à Toa, de São Paulo: Tem gente que compra duas, três vezes por dia Foto: Edilson Dantas/Agência O Globo
Denise Pini, dona do brechó Capricho à Toa, de São Paulo: Tem gente que compra duas, três vezes por dia Foto: Edilson Dantas/Agência O Globo

Com o consumidor dentro de casa, limpar o guarda-roupa e descobrir oportunidades na internet levaram muita gente ao novo mundo dos brechós.

— Tem gente que compra duas, três vezes por dia. Muitas mulheres compram para revender em outras cidades e estados. É gratificante — diz Denise Pini, dona do Capricho à Toa, brechó paulistano criado em 1991 e que iniciou vendas on-line em junho passado, em meio à obrigatoriedade de fechamento de lojas físicas.

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O resultado foi um aumento de vendas e a chegada de novos clientes. Denise conta que tinha um público fiel, formado por mulheres que gostam de garimpar peças diferenciadas, mas agora a loja física lota de uma clientela bem mais jovem, de até 30 anos. Por dia, são vendidas, em média, cerca de 1.800 peças.

Compra e revenda

O Capricho à Toa compra as peças para depois revender. A maioria das plataformas de segunda mão, porém, atua como intermediária entre comprador e vendedor. Uma das mais conhecidas é a Enjoei, que captou R$ 1,13 bilhão no mercado em novembro, em seu primeiro lançamento de ações.

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Também no mês passado, o grupo Arezzo adquiriu 75% do brechó on-line Troc, que trabalha com marcas de primeira linha e grifes internacionais. Lançada em 2017, a plataforma já fatura mais de R$ 10 milhões ao ano. Em 2020, as vendas já cresceram 50% em relação ao ano passado.

— Achávamos que 2020 seria promissor, pela busca por sustentabilidade. Mas a pandemia acelerou o processo e estamos virando várias chaves ao mesmo tempo. Nem nos nossos melhores sonhos imaginaríamos que isso fosse acontecer — diz Luanna Toniolo, que permanece à frente do negócio.

A entrada de grandes empresas no segmento, segundo Luanna, dá uma nova perspectiva à sustentabilidade da moda, ao mesmo tempo em que cria um ecossistema de negócios. As peças dispensadas pela Troc, por exemplo, abastecem brechós menores que atendem a outros segmentos de clientes.

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Aline Penna, diretora de Relações com Investidores e Estratégia do grupo Arezzo&Co, diz que a Troc é a porta de entrada para a economia circular, que pode dar acesso a mais consumidoras a roupas e acessórios sem sinais de uso, democratizando a moda. O universo de 6 mil consumidoras que vendem peças por meio da Troc é ainda um grande banco de dados para conhecer a totalidade do guarda-roupas.

— A compra de 75% da Troc é estratégica. Não sabíamos como a cliente descartava os produtos. Agora, podemos fechar um ciclo e convidá-las a vender os artigos ociosos conosco — diz Aline.

Do ponto de vista de estratégia, afirma, "o céu é o limite". A venda de peças usadas pode gerar desconto na compra de novos itens das marcas e é possível vender artigos de mostruário e sobras de coleção, sem uso, a preços mais acessíveis.

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As ações devem ainda se entrelaçar com o ZZ Mall, plataforma de marketplace lançada em agosto passado e que centraliza as vendas das marcas do grupo (Arezzo, Schutz, Anacapri, Alexandre Birman, Fiever, Alme e Vans).

60% ficam sem uso

O cálculo é que 60% das roupas e acessórios guardados em armários ficam sem uso. Num relatório de junho passado, a norte-americana ThredUp, que se autodenomina a maior loja de artigos usados do mundo, e a empresa de pesquisas  GlobalData Retail, estimaram que o mercado deve chegar a US$ 64 milhões em cinco anos. Hoje, movimenta US$ 28 bilhões.

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No ano passado, diz o documento, a revenda cresceu 25 vezes mais rápido do que o mercado de varejo tradicional, com cerca de 64 milhões de pessoas comprando produtos de segunda mão.

— Numa crise econômica, o negócio é favorecido. Quem tem roupa parada quer vender para fazer dinheiro. Quem compra roupa de qualidade busca preços mais acessíveis — diz Tadeu Almeida, da plataforma Repassa.

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O Repassa fechou parceria com as marcas Malwee, Renner e C&A. Num programa chamado Sacola do Bem elas vão entregar sacolas para quem quer vender peças usadas para o Repassa, subsidiando o custo de logística. Em troca, as clientes poderão ter desconto na compra de itens novos.

A criatividade do novo mercado de brechós não para por aí.  A plataforma ClosetBobags, do Rio de Janeiro, por exemplo, aluga peças com opção de compra ao fim do período - o que leva o consumidor a ter a experiência de usar um produto, gostar e decidir se quer de fato ficar com ele. Bel Braga, idealizadora do negócio, diz que as pessoas estão pensando em formas alternativas de consumir e a plataforma é uma grande experiência.

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— O desafio é  compartilhar peças que não estão sendo usadas. Tem gente que já ganhou R$ 200 mil só alugando roupas e acessórios que tem. É uma fonte de renda — explica.

Recheada de grifes, a ClosetBoBags oferece ainda a possibilidade de o cliente escolher uma armação de óculos, colocar nele a lente com o grau que necessita e usar por três meses, para depois decidir pela compra. A parceria permite à ótica movimentar seu estoque.

A plataforma está ainda incorporando brechós que atuam com lojas físicas, como o Belchior (RJ) e abriu uma loja temporária no Shopping Villa Lobos, em São Paulo, depois de selecionada pela BR Malls. A ideia é aproximar a plataforma das marcas com lojas físicas, buscando soluções de negócios on-line.