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Economia

Modelo de negócios do Mercado Livre inspira varejistas atrás de parceiros on-line

Empresa combina uma gama de soluções em sua plataforma. Foco em serviços para vendedores multiplica resultados no e-commerce
Um dos quatro centros de distribuição do Mercado Livre no país, em Cajamar (SP) Foto: Jefferson Coppola/22-11-2019
Um dos quatro centros de distribuição do Mercado Livre no país, em Cajamar (SP) Foto: Jefferson Coppola/22-11-2019

RIO e SÃO PAULO — Um marketplace com mais de 76 milhões de usuários, uma fintech com soluções de pagamentos e em vias de virar instituição financeira, uma operação aérea com quatro aviões, unidades de logística, publicidade on-line, lojas virtuais e classificados de veículos, imóveis e serviços.

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Todos esses negócios estão sob o mesmo chapéu. E explicam como o Mercado Livre, uma empresa argentina e com ações na Bolsa de empresas de tecnologia Nasdaq, nos Estados Unidos, tornou-se a mais valiosa da América Latina.

A companhia voa alto, mas não está sozinha. Grandes varejistas trabalham para se consolidar como marketplaces , agregando produtos de parceiros. É que, no digital, é preciso ter escala, porque as margens de lucro são mais baixas do que na rede física. Isso pede foco em reduzir custos e criar serviços para impulsionar o resultado dos parceiros.

A concorrência avança atenta a um mercado que explodiu. Entre janeiro e agosto, o faturamento do varejo digital subiu 75,5% na comparação com os primeiros oito meses do ano passado, de acordo com a Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm). Mais de 150 mil novas lojas aderiram às vendas on-line.

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— O Mercado Livre sempre foi benchmark (referência) para o mercado pelos serviços que oferece aos parceiros. O marketplace era visto como canal de vendas para quem não tinha loja. Depois, virou o canal digital mais fácil para o varejo, porque permite aos pequenos e médios contratar logística, publicidade, tudo. Quem tem uma plataforma que conecta empresas e soluções, facilitando o jogo para quem vende e para quem compra, é quem mais avança — pontua Caio Camargo, sócio e diretor executivo da consultoria Gouvêa Tech.

É como uma plataforma que funciona como um polvo das vendas digitais, com tentáculos que levam serviços até a ponta. O Mercado Pago, criado para dar segurança às transações financeiras no marketplace, é um dos pilares da operação. A carteira digital da fintech permite analisar dados, entender consumo e perfil de crédito dos usuários.

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A ferramenta incluiu na roda do comércio eletrônico os desbancarizados. Desde 2017, a empresa concedeu mais de R$ 4 bilhões em crédito, a maior parte para clientes e vendedores que não conseguem tomar crédito no sistema financeiro tradicional, o que inclui negativados. O pagamento é cobrado de forma proporcional ao faturamento.

Contas digitais

Este mês, o Mercado Livre recebeu aval do Banco Central (BC) para atuar como instituição financeira. E planeja agregar opções de crédito, investimentos e seguros, conta Fernando Yunes, vice-presidente sênior e líder do Mercado Livre no Brasil.

A carteira digital é usada por mais e mais grupos como forma de ampliar operações. O Magazine Luiza tem o Magalu Pay, e a Via Varejo, o Banqi.

— O foco é melhorar sempre o aplicativo, com mais categorias, e de forma integrada ao Magalu Pay, que permite usar a estratégia de cashback , fazendo a conta digital ser mais e mais utilizada — diz Eduardo Galanternick, diretor de E-commerce do Magazine Luiza.

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No Magazine Luiza, que no terceiro trimestre teve dois terços de suas vendas vindas do digital, a busca pelos “tentáculos” acontece principalmente via aquisições, como Netshoes e Zattini, em 2019, e Estante Virtual, no início deste ano.

— Temos 21 centros de distribuição e 1.200 lojas. Da loja, o produto chega rápido à casa do cliente. Ou ele busca em duas horas. Fazemos 40% das entregas no mesmo dia. Agora estamos investindo nos serviços. Já coletamos 30% dos pedidos feitos no marketplace e entregamos — conta Galanternick.

Sem rede física, o Mercado Livre tem quatro centros de distribuição no país. Até meados de 2021, vai abrir outros quatro. Para ampliar alcance e agilidade na entrega, criou a Meli Air. A operação aérea tem início com quatro aviões.

Ainda assim, o Mercado Livre está disposto a analisar a aquisição dos Correios, que o governo planeja levar a leilão até o fim de 2021:

— Reduzimos nossa dependência dos Correios, que são 20% das nossas entregas. Mas vamos avaliar. Vai depender das condições e dos estudos apresentados — frisa Yunes.

Aéreo. Grupo tem quatro aviões para agilizar entregas Foto: Divulgação
Aéreo. Grupo tem quatro aviões para agilizar entregas Foto: Divulgação

Com 13 milhões de vendedores — e crescente adesão de grandes como Nestlé, Adidas e P&G —, ele sabe que a logística é fundamental, mas também a qualidade dessa rede, para evitar atrasos ou que mercadorias não cheguem ao cliente.

A meta é entregar em até dois dias em mais cidades. Hoje, garante esse prazo em municípios que somam o equivalente a 80% da população do país.

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— Já formalizamos perto de 40 mil empreendedores. Oferecemos uma solução em logística que só pode ser contratada por pessoa jurídica e criamos incentivos para que eles façam essa adesão. Isso padroniza o serviço e o atendimento — conta Yunes.

A B2W (dona de Americanas e Submarino), com 77,7 mil vendedores em seus marketplaces , vai na mesma direção. Ano passado, passou a oferecer crédito a vendedores. E também atua para integrá-los a sua logística, para reduzir prazo de entrega, diz Jean Lessa, diretor de Tecnologia e Marketplace da companhia.

Poder de investimento

No terceiro trimestre, a B2W ampliou suas vendas digitais em 56,2%, para R$ 7,26 bilhões, sobre igual período de 2019. O Magazine Luiza teve expansão de 148%, para R$ 8,2 bilhões, enquanto na Via Varejo a alta foi de 280%, para R$ 5,1 bilhões. O Mercado Livre somou US$ 5,9 bilhões em vendas no período, aumento de 62,1% em dólar.

— A internet é onde se vai primeiro para tudo. É a estratégia da Amazon: conectividade. As varejistas físicas têm a vantagem de já terem a confiança do consumidor e estrutura logística. As digitais têm poder de investimento e visão de negócios, serviços — diz Felipe Mendes, presidente da consultoria GfK.

A Amazon dobrou o número de centros de distribuição no Brasil este ano para oito.

— Passamos de 200 para 500 cidades com entrega em até dois dias para clientes Prime — diz Juliana Sztrajman, líder de Marketing e Prime da Amazon Brasil. — E trouxemos novos negócios, como o Programe e Poupe, que entrega itens ao usuário todo mês. O consumidor compra com preço reduzido, e a Amazon tem previsibilidade nos estoques.

A Via Varejo, dona de Casas Bahia e Pontofrio, abriu aos cerca de oito mil vendedores de seus marketplaces a opção de usar a logística da empresa.

— Oferecemos a opção de deixar mercadoria no nosso depósito e conseguimos um custo de frete menor — diz Abel Ornelas, vice-presidente de Operações do grupo.

Hoje, o marketplace representa 18% da venda on-line da Via Varejo. A meta, continua Ornelas, é aumentar o número de vendedores, desde que cumpram prazos de entrega competitivos. Em São Paulo, segundo ele, 70% ocorrem em até 48 horas. A empresa também já oferece modalidades de crédito, como antecipação de recebíveis aos vendedores.